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Estado de Minas LIVRO

José Carlos Reis estreia na ficção com 'O idiota do rebanho'

Após a aposentadoria, o historiador e filósofo se arriscou na literatura ficcional com um romance que incorpora o ensaio e resulta num texto 'anti-regras'


27/01/2021 04:00 - atualizado 27/01/2021 08:09

Autor de 13 livros sobre teoria da história e história da historiografia, o filósofo e historiador José Carlos Reis se viu em uma encruzilhada quando propôs, a si mesmo, escrever uma história completamente ficcional. Destituído das referências acadêmicas que o acompanharam ao longo da carreira na universidade, ele encarou o desafio de criar, do zero, um texto que suprisse sua paixão pela escrita e acabasse com a curiosidade pelo que sua imaginação poderia criar. Seis meses depois nasceu O idiota do rebanho, livro recém-lançado pelo selo Alma de Gato, da editora Scriptum.

''Foi um tremendo desafio'', conta o autor, ex-professor da Ufop e da UFMG. ''O livro veio surgindo aos poucos, após a minha aposentadoria. Comecei a dedilhar o teclado do meu computador e acho que foi esse teclado que me deu a direção e, no final, me entregou o texto'', brinca.

O livro conta a história do professor universitário recém-aposentado Júlio Castelo Furtado. Segundo José Carlos Reis, a semelhança entre autor e personagem para por aí. O protagonista da história  faz uma revisão de suas ideias, na tentativa de superar a confusão de sua vida profissional e amorosa, além da intermitente sensação de fracasso pela qual é acometido.

''Embora haja, claro, o aproveitamento de experiências e situações, inclusive para facilitar a escrita, acho que não definiria este livro como uma 'autobiografia'.  Júlio Castelo Furtado não sou eu. Ele tem autonomia, vive a sua própria vida no livro'', afirma.

O personagem é dono de uma voz provocativa, agressiva, politicamente incorreta e de um humor ácido. O livro pode ser descrito como experimental porque procura ''sintetizar ensaio histórico-psicofilosófico e romance''.

"Não temos um grande filósofo, um grande político, um grande artista, um homem original que grita e espanta o rebanho. Vivemos sob a égide do rebanho-massa, que é criado e mantido pelo mercado mundial, que destruirá com violência aquele que tentar 'furá-lo'. Temos 'idiotas' periféricos, como Júlio (o protagonista do livro), que não transformam o mundo, mas incomodam e vão parar na fila do desemprego ou na cadeia"

José Carlos Reis,  autor de O idiota do rebanho 


''Uso essa definição, pois ele não cabe em nenhum modelo estabelecido de escrita. É um texto antirregras, um fura-regras. De certo modo, procurando reunir ensaio e romance, criei um 'monstrinho'. A parte 'ensaio' tem a ver com a minha formação e carreira; a novidade é o romance'', avalia.

''Sempre achei que há algo de 'infantil' no modelo romance: é apenas a narrativa de um conjunto de vidas entrecruzadas. Sempre senti falta de mais 'substância' no romance, de reflexões críticas sobre as situações que vão sendo narradas, o que deu origem à inserção de ensaios'', conta ele, que cita Darcy Ribeiro (1922-1997) como uma de suas principais referências.

Elogio

Quanto ao título, José Carlos Reis esclarece que se trata, na verdade, de um elogio à persona de Júlio Castelo Furtado. ''Aquele membro do rebanho que se destaca por sua singularidade, individualidade, diferença é visto como um 'idiota'. Essa palavra quer dizer ser próprio, único, singular, diferenciado, alheio às regras, heterogêneo. O rebanho não se reconhece nele. O idiota do rebanho se sente sozinho, banido, e sempre à beira de sofrer alguma violência. Mas eis que o idiota quer ser assim, não quer ser igual ao rebanho, é um crítico radical e impiedoso da vida do rebanho. Ele é o único que 'vê' o rebanho e está insatisfeito com a vida que leva'', explica.

Ao aplicar essa lógica ao momento atual do Brasil e do mundo, José Carlos Reis descreve esse período como ''medíocre, uniforme e prudente''.

''Estamos no pior dos mundos e não surgiu ninguém que apontasse uma nova direção com o risco da sua própria segurança. Fazemos tudo igual, todas as tentativas de reconstrução da vida social anteriores falharam, e reina a lógica exclusiva e unificadora do mercado mundial'', observa.

''Não temos um grande filósofo, um grande político, um grande artista, um homem original que grita e espanta o rebanho. Vivemos sob a égide do rebanho-massa, que é criado e mantido pelo mercado mundial, que destruirá com violência aquele que tentar 'furá-lo'. Temos 'idiotas' periféricos, como Júlio, que não transformam o mundo, mas incomodam e vão parar na fila do desemprego ou na cadeia.''

(foto: Reprodução)
(foto: Reprodução)
 
O IDIOTA DO REBANHO

José Carlos Reis  
Alma de Gato /Scriptum (295 págs.) 
R$ 59


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