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Estado de Minas LITERATURA

Maria Lúcia Alvim morre de COVID-19

Poeta mineira, de 88 anos, lançou Batendo pasto em 2020, após longo autoexílio literário


04/02/2021 04:00

Maria Lúcia Alvim estreou na literatura em 1959, com XX Sonetos (foto: Fotos: Acervo pessoal)
Maria Lúcia Alvim estreou na literatura em 1959, com XX Sonetos (foto: Fotos: Acervo pessoal)

“Fui eu que escrevi isto tudo?” Em agosto, às vésperas do lançamento de Batendo pasto, a poeta mineira Maria Lúcia Alvim conversou com o Estado de Minas. Disse que o livro havia impressionado a ela mesma. Os escritos que estavam vindo a público eram de quase 40 anos atrás.

Estava com 87 anos, vivia em Juiz de Fora e assistia, de longe, à publicação da obra. Na tarde de quarta-feira (3/2), Maria Lúcia sucumbiu à COVID-19, aos 88, completados em 4 de outubro. Por causa de dois poetas – Ricardo Domeneck e Guilherme Gontijo Flores, que descobriram não só sua obra, mas a encontraram vivendo em uma residência para idosos – o livro foi publicado pela editora belo-horizontina Relicário. Maria Lúcia chegou a receber um exemplar. “Ficou muito emocionada”, contou sua cuidadora, Luciana de Oliveira Dias.

Maria Lúcia vivia na Residência Vila Verde, em Juiz de Fora. Estava internada desde 18 de janeiro no hospital Albert Sabin. Seu corpo será cremado.

FAZENDA 
Nascida em Araxá, viveu principalmente entre o Rio de Janeiro e a fazenda da família na Zona da Mata mineira. Desde 2011 residia em Juiz de Fora. Irmã dos poetas Maria Ângela Alvim e Chico Alvim, estreou em 1959 com o livro XX Sonetos, pelo qual recebeu o prêmio da Gazeta de Notícias, um dos principais da época.

Maria Lúcia publicou também Coração incólume (1968), Pose (1968), Romanceiro de Dona Beja (1979) e A rosa malvada (1980). Lançou ainda Vivenda (1989), que reúne 30 anos de sua produção poética. A partir da década de 1990, porém, a autora se recolheu e parou de publicar.

Batendo pasto estava sob a guarda do poeta Paulo Henriques Britto. “Conheci Maria Lúcia numa leitura de poemas dos anos 1980, quando isso virou moda nos restaurantes do Rio. Ficamos amigos. Depois, quando ela já estava morando em Minas, veio ao Rio e me disse que tinha um livro prontinho, me pedindo para escrever a apresentação. Veio com a história de que queria que fosse publicado logo que morresse. E ainda queria que os originais ficassem comigo. Eu disse que ficaria com a cópia, a duras penas a convenci a tirar o xerox”, contou Britto ao EM, em agosto de 2020.

Conforme o pedido da autora, o livro permaneceu na gaveta de Britto até ele contar a história a Domeneck. A edição publicada está tal e qual Maria Lúcia a concebeu (só foram feitas atualizações ortográficas), inclusive com o texto de Britto, que também assina a orelha.

A Relicário realizou no segundo semestre de 2020 um evento virtual para o lançamento de Batendo pasto, com a participação de Domeneck, Gontijo Flores, Britto e Juliana Veloso Mendes, que em 2015 defendeu pela UFMG a dissertação “A narrativa histórica na poesia de Maria Lúcia Alvim: Romanceiro de Dona Beja”.

MISSÃO 
A qualidade literária da poética de Maria Lúcia foi atestada por seus pares. Sua perda, também. “Diz-se no interior do país, quando morre alguém que fez tanto, teve uma longa vida, que a pessoa 'cumpriu sua missão'. Faz parte do nosso vocabulário do consolo para o inconsolável, como o 'não morreu, descansou', ou o eufemismo bebedourense, onde não se diz que alguém morreu, mas que 'desceu a Rua Campos Salles', ao final da qual está o cemitério da cidade. Mas Maria Lúcia Alvim não merecia morrer dessa forma, lutando por oxigênio, brigando para respirar, isolada, sozinha. Maldito vírus, maldito governo incompetente”, escreveu Domeneck nas redes sociais.

Na mesma publicação, Domeneck reproduziu um dos poemas que compõem Batendo pasto, intitulado Aquele que um dia fará o meu caixão, publicado nesta página.

AQUELE QUE UM DIA
FARÁ O MEU CAIXÃO

Maria Lúcia Alvim

Aquele que um dia fará o meu caixão
de antemão tem as medidas:
menina-carapina
surrupiando
Viu crescer, prometer, viu sazonar.
Quando o roxo dos ipês configurou-se
                    no horizonte
aquele que fará o meu caixão
numa cestinha depôs amor
e morte
Lasca por lasca
fava por fava
fui pedindo, fui rasgando, fui doando
lóbulo          mindinho
esses rajados de pele, esses crestados
o estalido da cabiúna
O galo alvorescente
                                   dourou



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