O mundo natural é uma presença marcante na trajetória do animador brasileiro Carlos Saldanha, desde sua estreia na direção, dividindo a função com Chris Wedge em A era do gelo (2002). O longa foi indicado ao Oscar, teve duas sequências e abriu caminho para as produções Rio (2011, que também teve uma continuação) e O touro Ferdinando (2017).
Todas essas produções foram realizadas pelo Blue Sky Studios e tiveram o reconhecimento da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, com indicações ao Oscar.
Veterano na animação, porém novato na produção em live-action (ou seja, personagens interpretados por atores de carne e osso), Saldanha, radicado há décadas nos Estados Unidos, buscou no folclore brasileiro a inspiração para sua estreia em série.
Com sete episódios disponíveis a partir desta sexta (5/2) na Netflix, Cidade invisível revisita lendas e personagens do folclore brasileiro em uma trama aventureira e contemporânea.
Saldanha é o criador da série, que tem produção da Prodigo Films (responsável por Coisa mais linda, outro título da Netflix), mas a direção dos episódios é dividida entre Luis Carone e Julia Jordão.
CURUPIRA
Um prólogo anuncia o que está por vir. Em uma noite, dois homens caminham por uma floresta. Quando o mais velho atira em um pássaro apenas por esporte, ele é rapidamente apunhalado nas costas por uma criatura com a cabeça em chamas e os pés voltados para trás. Para os brasileiros, é só somar 2 %2b 2: trata-se do Curupira.
Tal sequência, em flashback, dá início à narrativa de fato. Um grupo de crianças, em uma festa junina em uma comunidade numa área de mata no Rio de Janeiro, ouve atentamente a história do personagem em chamas. A mais impressionada delas é Luna (Manuela Dieguez), filha da antropóloga Gabriela (Júlia Konrad).
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INVESTIGAÇÃO
Na superfície, aparentam ser pessoas comuns. À medida que avança na investigação, ele descobre a ligação deles com a morte da mulher, com sua própria trajetória pessoal e com a comunidade da Vila Toré, uma reserva florestal que está ameaçada por causa da exploração imobiliária.
Ao longo de quase cinco anos desde 3%, sua primeira série nacional, a Netflix investiu, com diferentes graus de êxito, em produções de diferentes gêneros no país: ficção científica (Onisciente), época (Coisa mais linda), comédia (Samantha!), thriller (Bom dia, Verônica), policial (O mecanismo).
Cidade invisível, por seu lado, não se encaixa em nenhum gênero, pois brinca com alguns deles. Quatro episódios foram disponibilizados para a imprensa e, à medida que a história avança, ela ganha diferentes contornos.
Apresenta-se quase como um drama familiar com um protagonista viúvo com uma filha pequena em luto. Mas os lances sobrenaturais logo aparecem, com a presença das entidades. E a busca de Eric por respostas tem elementos de uma trama policial. O desenvolvimento da narrativa é rápido, e a profusão de personagens só começa a fazer sentido a partir do segundo episódio.
ELENCO
Com Marco Pigossi – um dos primeiros atores a dar tchau para a Globo e abraçar o streaming, com as séries Tidelands (Austrália) e Alto mar (Espanha) no currículo – capitaneando o elenco, caras muito ou pouco conhecidas vão se revezando na tela.
O principal papel feminino é de Alessandra Negrini, que, até os episódios assistidos, apresenta uma personagem bastante dúbia. Interpreta Inês, dona de um bar – o cenário é muito focado no Rio antigo, com a Lapa e Santa Teresa – onde se encontram outras entidades da trama.
Inês é, na verdade, a Cuca, mas esqueça a personagem popularizada por Monteiro Lobato em Sítio do Picapau Amarelo. Ela é realmente uma bruxa, mas não tem nada de jacaré. Sua magia é revelada por meio de borboletas em uma das poucas cenas com efeitos especiais destacadas no início da trama.
Uma das figuras mais frequentes no bar é Camila (Jéssica Córes), cantora que se transforma na sereia Iara, que seduz os homens e os leva para o fundo do mar.
Na falta da mãe, Luna fica obcecada por um livro de cabeceira deixado por ela, sobre o folclore brasileiro. Não demora a identificar o jovem que causou a maior confusão em sua casa. Isac (Wesley Guimarães), o nome e a caracterização já entregam, é o Saci-Pererê, um dos personagens mais simpáticos da trama e, pelo menos em sua primeira metade, inofensivo frente aos seus pares. Outras figuras vão surgir na série, que ainda encampa o veterano José Dumont, com um líder comunitário da Vila Toré.
O mote que a Netflix está usando para promover Cidade invisível é “E se as lendas brasileiras fossem reais?”. O espectador estrangeiro que nunca ouviu falar nas lendas do folclore pode ter que fazer algum esforço para entender os “super-poderes” dos personagens. Mas o contexto da série é universal, e isso facilita a comunicação.
Para os brasileiros, a conexão é imediata, ainda que, como narrativa, a série não traga nenhuma grande inovação. É o velho jogo de gato e rato, bem contra o mal, opressor contra oprimido. Mas já saturado com diferentes versões de vampiros, demônios e toda sorte de monstros, o espectador poderá dar as boas-vindas às entidades fantásticas que falam a nossa língua.
CIDADE INVISÍVEL
Série em sete episódios. Estreia nesta sexta (5/2), na Netflix