Mário Apocalypse do Nascimento, de 28 anos, é neto (seus avós maternos, Álvaro Apocalypse e Terezinha Veloso, fundaram o Grupo Giramundo) e filho (sua mãe, Beatriz Apocalypse, é diretora da companhia de teatro de bonecos) de artistas. Desde a infância envolvido com o grupo, fosse como manipulador, desenhista ou construtor de bonecos, há quase uma década ele abraçou a música e a rima, sob a alcunha de Hot.
Na década passada, integrou o D.V. Tribo, grupo formado por cinco MCs de Belo Horizonte, do qual Djonga fazia parte. Com o amigo Gustavo Rafael Aguiar, com o qual formou o duo Hot e Oreia, Mário despontou na cena local e em seguida nacional do hip-hop.
Hot e Oreia lançaram dois álbuns, Rap de massagem (2019) e Crianças selvagens (2020). Música, teatro, humor, crítica social, respeito às minorias e às religiões afro-brasileiras estavam na pauta das músicas.
"É muito doido: colocaram a bandeira da desconstrução da masculinidade na gente e as pessoas se decepcionaram e tomaram atitudes violentas. Não sei te explicar exatamente o que é, mas as pessoas resolveram que a gente era esse símbolo e depois que eu fui exposto, (a música) virou a maior hipocrisia do mundo"
Mário Apocalypse do Nascimento, o rapper Hot
Em 2 de janeiro último, a dupla anunciou o fim de sua carreira. Na véspera, a influenciadora digital Vic Carvalho, namorada de Hot por três anos e meio e grávida da primeira filha do casal, Serena, que nasce em março, denunciou, também via redes, um relacionamento abusivo. Nos relatos, que fizeram o caso parar nos trending topics, ela apontou agressão, perseguição e violação de privacidade.
A exposição foi motivada pela decisão de Hot de passar o réveillon na casa de amigos, recusando-se a ficar com Vic em casa, segundo ele. Os dois haviam terminado o namoro no final de dezembro. A repercussão das postagens motivou Hot a se pronunciar. No início do ano, ele fez um mea-culpa, afirmando ter sido “ciumento e abusivo” em alguns momentos.
Na quarta-feira (10/2), a relação do ex-casal voltou à tona, também por meio de suas respectivas contas no Instagram. O tom foi bem diferente. A proporção que o caso tomou foi o destaque. “Acho que o pai da minha filha foi julgado de uma maneira muito desproporcional”, afirmou Vic. No último mês e meio, não somente Hot, como sua família, sofreram ameaças. E não só virtuais.
Na entrevista a seguir, a primeira desde o fim do duo, Hot fala sobre sua relação com a influenciadora e com o parceiro Oreia. Aborda ainda suas perdas e temas como a dependência das redes sociais e a cultura do cancelamento. “As pessoas só mandavam mensagem dizendo que eram pressionadas no Instagram (a se pronunciar).”
"Afetou minha família de um jeito muito bizarro. Minha mãe sofreu ameaça pesada, teve gente que foi para a porta do meu apartamento, teve gente que mandou mensagem desejando o pior para mim e minha família. Numa conversa com a Vic, quando ela entendeu a devida proporção de tudo, a gente passou a se encontrar"
Mário Apocalypse do Nascimento, o rapper Hot
A decisão de você e Vic virem a público agora foi conjunta?
Desde o que aconteceu, a gente tem se falado, até porque ela está caminhando para o último mês de gravidez. A gente terminou alguns dias antes do réveillon, fui para a casa de uns amigos e foi esse o motivo de ela ter explodido, pois estava num momento frágil. A gente se falou no dia do ano-novo e ela perguntou se eu iria para casa dos amigos. Hoje vejo que poderia ter ido para a casa dos pais dela, passado o ano-novo com ela.
Desde o primeiro momento, ela se mostrou para mim arrependida do que fez. Eu já tinha organizado minha vida profissional para parar durante um tempo e focar nos preparativos da chegada da nossa filha. Ela me disse que não sabia que a coisa tomaria essa proporção toda.
Na virada do ano, acho que por causa da pandemia, não tinha muito assunto na internet e o trem explodiu por causa disso também.
O Oreia, desde o primeiro momento, viu que era irreversível (o término da dupla). Uns amigos foram para o apartamento que eu alugava em Belo Horizonte e aquela galera chorando… Só faltou o caixão e a vela, era como se eu tivesse morrido.
Afetou minha família de um jeito muito bizarro. Minha mãe sofreu ameaça pesada, teve gente que foi para a porta do meu apartamento, teve gente que mandou mensagem desejando o pior para mim e minha família. Numa conversa com a Vic, quando ela entendeu a devida proporção de tudo, a gente passou a se encontrar.
Afinal, como foi a sua briga com a Vic?
Depois que comecei a viajar e a ter uma exposição maior, a gente estava se desentendendo por ciúmes. Num desses retornos de viagem de show, em setembro de 2019, a gente estava ficando na casa da mãe dela. Quando isso acontecia, muitas vezes ela me mandava embora e eu tinha que ir pra casa do Oreia ou a da minha mãe.
Nessa discussão – nem eu nem ela lembramos exatamente por que estávamos discutindo, o que é bizarro –, ela pegou o celular, filmou uma fala minha com raiva e mandou para algumas pessoas. Eu não conhecia essas pessoas, tinha medo de ficar exposto e tentei pegar o celular da mão dela, puxei o braço, tentei impedi-la de sair de casa. Ela correu pra dentro da casa, pra pegar a bolsa e as chaves. Nesse momento, eu a segurei para ela não sair, e ela bateu com o molho de chaves na minha cara, cortando meu rosto.
Aí a gente caiu em si, sentou, a mãe dela chegou, conversou, ligou para o pai dela. Depois dessa ocasião, a gente prometeu procurar um psicólogo. Isso nunca tinha acontecido na minha vida antes, de uma discussão partir para o físico. Eu puxei, eu segurei, não foi só uma discussão. Ela, por outro lado, mandou um vídeo no meio de uma discussão para outras pessoas. Muita coisa melhorou depois da terapia, mas acho também que foi uma coisa que ficou muito entalada para ela.
Depois dessa situação, houve outra briga em que vocês chegaram a se agredir fisicamente?
Não, mas houve outras discussões e brigas, a coisa não era 100% saudável. Isso (a briga de setembro de 2019) foi um marco na nossa vida e a gente viu que, se a situação passasse dos limites novamente, iríamos parar de nos falar. Foi um combinado que fizemos na época. Eu dei pouca abertura pra ela no final do ano pra falar do que estava sentindo, e a rede social foi a maneira que ela, que estava frágil, teve de se livrar do que estava passando.
O que mudou em sua vida após o linchamento virtual?
No primeiro momento, eu fiquei muito triste, porque muita gente próxima não veio me perguntar nada. As pessoas só mandavam mensagem dizendo que eram pressionadas no Instagram (a se pronunciar) e que tiveram que falar, mas que não sabiam o que tinha acontecido. Ninguém veio me perguntar o meu lado da situação.
Tive que entregar meu apartamento em Belo Horizonte e hoje estou morando na sala da casa da minha mãe (em Lagoa Santa). É uma carreira de mais 10 anos que vi acabando e da pior forma. A gente (ele e Oreia) ralou muito, passou tudo o que se pode imaginar e, pela primeira vez na vida, estávamos chegando num lugar estável, de poder começar a ganhar grana, mudar de vida.
Você conversa com o Oreia?
A gente tem se falado todos esses dias. O Oreia continua sendo meu melhor amigo, sempre foi meu confidente. Inclusive, as coisas que a gente disse no nosso trabalho são resultado da nossa vivência. É muito doido: colocaram a bandeira da desconstrução da masculinidade na gente e as pessoas se decepcionaram e tomaram atitudes violentas. Não sei te explicar exatamente o que é, mas as pessoas resolveram que a gente era esse símbolo e depois que eu fui exposto, (a música) virou a maior hipocrisia do mundo.
É tudo ainda muito recente, mas você já sabe o que pretende fazer daqui para a frente?
Eu tô focado no nascimento da minha filha, juntando os trocados. Tinha uma moto que eu estava pagando a prestação que vou vender para segurar uns meses. Eu e minha mãe vendemos algumas gravuras do meu avô para segurar as pontas. Estamos levantando dinheiro, pois as coisas já estavam bem difíceis antes mesmo da pandemia.
Quando minha filha nascer, vou passar os primeiros meses dividindo os cuidados da Serena com a Vic. Neste momento, não tenho nenhuma ambição de trabalhar com música, mesmo que muita gente esteja botando pilha para eu voltar a escrever. Vou dar um tempo mesmo, até a situação ficar totalmente esclarecida para mim. Não vou te dizer que tá tudo claro porque não tá, nem pra mim nem pra ela.
Você conheceu a fundo os dois lados das redes sociais. O que elas significam hoje para você?
Acho que é um lugar onde muita gente frustrada desconta as frustrações em símbolos, mitos, assuntos, tendências. Acho que é um lugar onde estão resolvendo pouco os problemas sociais, pessoais e estão inclusive atrapalhando as outras pessoas de se resolverem. É lógico que, durante um bom tempo, a gente investiu em rede social.
Hoje eu vejo que estava um pouco doente com essa questão, até na própria questão do relacionamento. As pessoas diziam: ‘Vic e Hot, o casal perfeito’. Acho que eu e ela tínhamos a necessidade de mostrar que éramos mesmo perfeitos para manter a ligação para as pessoas que estavam ali apoiando a gente. Mas esse apoio é muito raso, é um apoio que é muito longe da realidade.
As mesmas pessoas que apoiaram a gente se voltaram contra diante de uma situação pessoal. Acho que a rede social virou uma máquina de reduzir as coisas. Acho que está todo mundo doente com essa parada e com a pandemia isto talvez tenha piorado. E eu me coloco nisso, estava bem dependente.
Vai continuar usando rede social?
Vou usar o menos possível. Saí do Twitter e do Instagram, a plataforma que achei para me pronunciar em vídeo, vou dar um tempo.