Em junho de 2020, a cantora e compositora carioca Letícia Novaes realizou uma live com o intuito de reunir os integrantes da banda que compõe o projeto Letrux. Distante dos músicos devido à pandemia do novo coronavírus e para evitar problemas técnicos na transmissão, ela se ausentou do lugar de intérprete e pediu para cada um deles escolher uma das faixas do disco Letrux aos prantos, lançado alguns meses antes, para tocar à sua maneira, dando a elas um novo sentido.
Feliz com o resultado, Letícia achou por bem registrar as releituras e transformá-las em EP, que recebeu o nome de Prantos pandêmicos e já está disponível nas plataformas digitais. A vontade de revisitar as próprias canções, segundo a artista, nasceu da impossibilidade de apresentá-las no palco, diante do público.
“Na ânsia de brincar com o disco, tive essa ideia, algo que amo muito quando outros artistas fazem”, explica. “Deixei cada integrante livre para produzir sua faixa. Foi um barato tudo, um momento carinhoso e próximo entre a gente.”
Compositora desapegada, ela entende que as músicas não são propriedade sua depois de prontas. ''Já estou acostumada com a liberdade de interpretação que o público tem depois do lançamento. É cada uma que já ouvi. Rio, choro, questiono, julgo, concordo, mas nada disso importa. Meu barato enquanto compositora já existiu e a roda da fortuna já girou, fazendo a música chegar ao ouvido da plateia. Essa magia é bonita e não dá para ter controle. E que alívio não termos controle disso'', pontua.
Mas ela também se permitiu brincar. Depois de ouvir o novo instrumental que o baixista Thiago Rebello criou para Cuidado, paixão, imaginou que seria melhor se a música fosse cantada em inglês, transformando-a em Be careful, my love, em tradução literal.
NOVA VERSÃO
Já Eu estou aos prantos (Me chama pra chorar), produzida pelo baterista Lourenço Vasconcellos, ganhou uma abordagem minimalista e dramática com a adição de vibrafone, violoncelo e violino. A música também ganhou versos inéditos que, na verdade, pertencem à primeira versão da letra.
''Sempre tenho meus cadernos de anotações, de delírios e, em 2019, perdi um deles. Sofri muito, foi meu primeiro caderno perdido. Nunca tinha rolado comigo. E nesse caderno havia alguma ideia de letra para Eu estou aos prantos. Conforme não achei, quando entramos em estúdio, criei outra letra e segui assim. Poucos meses depois, Marcio Debellian, meu amigo, achou meu caderno na casa dele em Ilha Grande, foi uma loucura relê-lo'', conta.
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Chorona assumida, ela confessa que ''as notícias diárias e a interrupção de sonhos e projetos'' a fizeram chorar mais desde o início da quarentena. ''Pela falta de perspectiva governamental. Pela impossibilidade de encontros, toques, abraços. E pela falta daquilo que me é muito caro, meu ofício: cantar num show para pessoas'', conta.
''Essa água precisa sair, precisa dar um passeio e eu deixo fluir. A trava desse rio pode ser muito fatal. Em momentos como esse, mais do que nunca, precisamos abraçar uma sinceridade emotiva mesmo. Não dá para ficar ultracínico com uma máscara de 'fodão' que não sente nada'', acrescenta.
Por essa mesma lógica, ela considera um ''alívio imenso'' ter lançado Letrux aos prantos em 2020. O álbum saiu em 13 de março, data que coincidiu com o início das quarentenas no Brasil. ''Eu não poderia passar a pandemia com essas músicas dentro de mim. Eu iria enlouquecer. Nada é por acaso, o fato de o disco sair no mesmo dia em que o mundo fechou significa muito. Era para ser assim. Era para esse disco fazer companhia às pessoas nesse momento'', afirma.
Para este ano, Letícia prepara a chegada de seu segundo livro, Tudo que já nadei, editado pela Planeta, com lançamento previsto para o início de março. Essa não é a primeira vez que a cantora e compositora se aventura pelo mundo das letras. Em 2015, ela lançou o livro Zaralha: Abri minha pasta (Guarda-Chuva).
''Zaralha é um livro que envolve minha infância, adolescência e minha vida até os 33 anos. Tudo que já nadei é um livro mais inédito e talvez adulto, por assim dizer. Ele é dividido em três partes: 'Ressaca', onde há alguns contos, crônicas e textões; 'Quebra-mar', com poemas; e 'Marolinhas', com frases, aforismos'', descreve.
ILHA
''Esse livro é um passeio aquático no raso, no fundo, onde dá e onde não dá pé. A água permeia minha vida sempre, visto que sou terra, e eu preciso de água, preciso ser adubada. O livro é praticamente um encontro de uma ilha, no caso eu – a terra firme –, mas cercada de água por todos os lados. Eu me sinto assim nesse livro, metaforicamente. Eu, a ilha. Os textos são minhas considerações sobre essas sensações.”
Questionada se sabe imediatamente distinguir quando uma inspiração vai ser letra de música ou poema, Letícia explica que o processo para cada trabalho é diferente e até mesmo anterior à razão.
''Quando me vem uma frase para música, ela instantaneamente já vem com melodia. Poucas letras da minha vida vieram apenas a letra antes. A maioria já nasceu com melodia. Eram seus destinos. Minha voz de escritora é um pouco mais elaborada dentro da cabeça, semanas, meses e uma hora eu sento e taco a mão'', conta.
''A música é um pouco mais espontânea. Vem, nasce, surge. O poema eu preciso caçar. Sinto-o dentro de mim, mas não é tão fácil pegá-lo assim. Sou muito grande, e ele foge'', brinca ela, do alto de seu 1,85m.
Prantos pandêmicos
.De Letrux
.Independente/Altafonte
.Disponível nas plataformas digitais
Tudo que já nadei
.De Letrux (Letícia Novaes)
.Editora Planeta
.Pré-venda: R$ 34,90