
Sem ter nada a ver com o crime, passaram quase 20 anos encarcerados, um deles no corredor da morte, e o caso foi revisto graças à extrema pressão da opinião pública. Foram soltos em 2011. Muito da repercussão da história deveu-se aos filmes dirigidos por Berlinger.
O público da Netflix conhece trabalhos mais recentes dele, como a minissérie Conversando com um serial killer: Ted Bundy, que ganhou sua versão ficcional, e Ted Bundy: A irresistível face do mal (ambos de 2019).
Pois eis que Berlinger comete este Cena do crime – Mistério e morte no Hotel Cecil, que, chegado há uma semana na Netflix, não demorou a entrar na lista dos mais assistidos da plataforma. A atração em quatro episódios é apresentada como a primeira temporada de uma nova série documental que “desconstrói a mitologia e os mistérios em torno de locais infames de crimes contemporâneos”.
O “local infame” é o Hotel Cecil, que nasceu como um hotel de luxo no centro de Los Angeles em 1924. Pois a Grande Depressão de 1929 representou o primeiro baque para a edificação com 700 quartos, que sofreu um processo de deterioração nas décadas seguintes. A vizinhança é o chamado Skid Row, conjunto de 54 quarteirões conhecido como a maior cracolândia dos EUA, reunindo alguns milhares de sem teto.
No coração do Skid Row, o Cecil se tornou morada de criminosos e viciados – assassinatos e suicídios tornaram-se frequentes ao longo de sua história. Mas com tarifas baixíssimas, atraiu também turistas desavisados, que se encantaram com o saguão art déco para logo descobrir quartos caindo aos pedaços. É esse o perfil de Elisa Lam, personagem central da narrativa.
Universitária canadense de 21 anos, a filha de imigrantes chineses chega ao Cecil sozinha para alguns dias. Não sai viva dali. Dada como desaparecida em 1º de fevereiro de 2013, seu corpo só é descoberto 19 dias mais tarde. O caso viralizou quando a polícia de Los Angeles, sem pistas, divulgou o vídeo de quatro minutos da jovem no elevador do hotel, o último registro dela com vida.
Assista ao trailer:
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Desenvolvimento da série parte de premissa errada
Esse é o plano geral da minissérie. A maneira como Berlinger a desenvolve é que é o problema. Ele entrevistou personagens cruciais, como os detetives que investigaram o caso, o legista, a gerente-geral do hotel, o funcionário que encontrou o corpo. Mas deu maior ênfase aos autodenominados “detetives da internet”, na verdade pessoas sem muita ocupação que passam seus dias criando teorias da conspiração e as divulgando nas redes sociais.

Não se ouviu nem sequer um amigo ou familiar de Elisa Lam. As únicas imagens dos pais e da irmã dela vieram de uma coletiva de imprensa (em que não falaram nada) logo que o desaparecimento foi anunciado. Não se ouviram as duas colegas de quarto que se estranharam com ela.
Por outro lado, volta e meia se vê um casal de turistas britânicos falando nada de relevante sobre o período que ficaram hospedados no hotel (na mesma época de Elisa). Ou então dois youtubers que passaram dias e noites “respirando” Elisa Lam simplesmente porque não tinham nada de produtivo para fazer. Ou a psicóloga que nada mais disse além do óbvio a partir do blog da estudante.
A intenção da série é “desconstruir a mitologia e os mistérios” de um crime. Pois a premissa já está errada, pois não houve crime nenhum na morte da universitária.
Atirando para todos os lados – num momento fala de doença mental, no outro sobre abusos na internet –, indo e vindo no tempo, vai cozinhando o espectador ao longo de quatro episódios. A história, se bem realizada, poderia ter gerado um longa-metragem. E só.
CENA DO CRIME – MISTÉRIO E MORTE NO HOTEL CECIL
Minissérie em quatro episódios. Disponível na Netflix