Malcolm está na melhor noite de sua vida. Acaba de chegar em casa da première de seu longa-metragem. Ainda que não concorde com os críticos, que destacam o contexto racial e político no pequeno drama que rodou (e ele insiste não ter nada de político), o diretor se vê como o novo Spike Lee ou Barry Jenkins.
Marie está com cara de “já vi essa história antes”. Ainda que o provoque – afinal, se quer ser chamado de apolítico, por que seu próximo filme será sobre Angela Davis? –, no fundo não está interessada. Já que o filme foi baseado em sua própria história, qual a razão de não agradecer a ela?
Marie está com cara de “já vi essa história antes”. Ainda que o provoque – afinal, se quer ser chamado de apolítico, por que seu próximo filme será sobre Angela Davis? –, no fundo não está interessada. Já que o filme foi baseado em sua própria história, qual a razão de não agradecer a ela?
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Rodado em preto e branco, cada sequência parece um editorial da Vogue. É um texto forte que caberia muito bem nos palcos. Como realização cinematográfica, suas quase duas horas têm momentos explosivos. Mas ao realizar a mesma sequência – briga, pazes, briga, pazes –, revela-se cansativo.
Resumidamente, Malcolm (Washington, aqui com tom dramático que ainda não tinha sido colocado à prova desde Infiltrado na Klan, longa que o tornou conhecido) é um ególatra. Cineasta negro em ascensão, acabou de lançar seu filme sobre uma jovem viciada de 20 anos.
Marie, namorada do diretor, é ex-viciada com pretensões a atriz. Dá para sentir o lugar desconfortável em que Malcolm fica desde que ela, inspiração para a personagem, se viu alijada de qualquer agradecimento público ou participação no processo.
Veja o trailer:
Clima de vendeta esvazia essência do filme
A honestidade com que os dois atores expõem o drama na tela é tocante, e Zendaya, mais uma vez, mimetiza o olhar do espectador. Só a cena em que a personagem ouve na banheira o namorado desfiar a série de namoradas que também o inspiraram a compor sua protagonista já vale o filme inteiro.
A questão é o entorno. Malcolm, a despeito das questões do relacionamento (a namorada também tem sua dose de culpa, vale dizer), só tem olhos para o cinema. Sua argumentação se torna um extenso desfiar de diretores, estilos cinematográficos e, principalmente, a crítica, que considera medíocre. É pernóstico, para dizer o mínimo.
A segurança de Malcolm vai abaixo quando recebe o aviso, pelo celular, da primeira crítica sobre o filme. Foi escrita por uma “garota branca do LA Times” (palavras dele) que lhe havia feito elogios logo após a exibição. É um dos poucos momentos de humor do filme, quando o diretor descobre que tem que passar pelo paywall para ter acesso à crítica e não consegue achar seu cartão de crédito.
A crítica, que ele lê com sarcasmo, é uma desculpa para o personagem continuar se autoelogiando, enquanto desfia a ignorância que atribui à jornalista. A sequência se alonga demais, a despeito das ótimas e inteligentes investidas de Marie para encerrar o assunto.
O longa anterior de Sam Levinson, País da violência (2018), foi execrado por Katie Walsh. “Uma tentativa malsucedida de comentário social”, escreveu ela, que, tal qual a personagem de quem Malcolm fala mal no filme, é uma crítica branca do jornal LA Times.
Coincidência ou não, fato é que a questão fica parecendo vendeta de Levinson, que teria se vingado na ficção do que ocorreu com ele na vida real. O que o espectador tem a ver com isso? Mais: isso acaba esvaziando a própria essência do drama, que trata das dificuldades de relacionamento e de comunicação.
MALCOLM & MARIE
. Direção: Sam Levinson
. Com Zendaya e John David Washington