![(foto: Netflix/Divulgação)](https://i.em.com.br/_EIoLGgQIatBAJGJGHC1cGqXyf4=/790x/smart/imgsapp.em.com.br/app/noticia_127983242361/2021/02/22/1239567/20210221225309896704u.jpeg)
“É sempre infindável, pois cada lugar tem uma variação”, comenta o jornalista e pesquisador sul-mato-grossense Andriolli Costa, que em seu pós-doutorado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) estuda a relação do folclore e dos jogos analógicos. Ele é ainda criador do blog Colecionador de Sacis, que há três anos conta com uma versão em podcast.
Também jornalista e pesquisador, o mineiro Carlos Felipe, autor de “O grande livro do folclore” (2002), entre dezenas de outros, concorda. “O lendário brasileiro é enorme, provavelmente o maior do mundo. Como nós temos origem indígena, negra e portuguesa, e nosso território é tão vasto, isso fornece lendas com imagens diferentes em cada parte do Brasil”, comenta ele, que contabiliza pelo menos 200 lendas em todo o país.
Com roupagem de thriller policial, a série acompanha um detetive da polícia ambiental do Rio de Janeiro que, após a morte da mulher em uma floresta em chamas e da descoberta de um boto cor-de-rosa morto na praia, começa uma investigação. No processo, vai se deparar com personagens com forma humana que, na verdade, são entidades.
“A série foi bem-sucedida, principalmente pela questão visual e por ter mostrado para o público que nunca pensou que tais histórias poderiam ser contadas pelo meio audiovisual. Mas o recorte do Rio de Janeiro é claro. Muito provavelmente o mercado vai aquecer e buscar histórias como essas, então ‘Cidade invisível’ provavelmente não será a única (produção do gênero). Há muito mais para explorar”, acrescenta Andriolli.
A seguir, os dois especialistas em folclore nos ajudam a entender de onde vem o lendário repaginado pela série:
>> Iara
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“Ele morreu de uma febre em Minas Gerais em uma lagoa. Segunda a lenda, quem matou Fernão Dias não foi a doença, mas a Iara, pois ele a teria ofendido ao entrar no território dela procurando esmeraldas, que seriam seus cabelos.”
Protetora da fauna das águas, ela vai ganhando diferentes nomes e formas. No Centro-Oeste, é o espírito Mãe d’Água; nas religiões afro-brasileiras, é Iemanjá. “A cada leitura, há um acréscimo do mito”, continua Carlos Felipe. Na lenda, a pessoa não pode ouvir o canto da Iara se estiver sozinha, pois, atraída por ele, irá para o fundo do mar e lá morrerá. “Muita gente gravou músicas falando da Iara, como Inezita Barroso e Delora Bueno, mas não existe o canto da Iara”, acrescenta Felipe.
Na série: interpretada por Jéssica Córes, que vive a cantora Camila
>> Saci
Mais popular dos personagens folclóricos brasileiros, mistura elementos das culturas indígena e africana. “É sempre arriscado falar em origem, mas, entre aspas, podemos dizer que ele vem do Sul do país, o duende Jaci Jaterê, dos povos guaranis, que acabaram reivindicando que o Saci era deles”, afirma Andriolli Costa.
De acordo com o pesquisador, o Saci, como o conhecemos hoje, teve uma mistura do imaginário africano – “com a cor e (falta de) uma perna” – com o europeu. “A carapuça que ele usa é típica dos duendes portugueses.”
Para Carlos Felipe, além da mistura étnica, o Saci chama a atenção pelo lado da malandragem. “Você tem que ajudar, dar um cigarro, para que ele não mexa com você.”
De acordo com o pesquisador, o Saci, como o conhecemos hoje, teve uma mistura do imaginário africano – “com a cor e (falta de) uma perna” – com o europeu. “A carapuça que ele usa é típica dos duendes portugueses.”
Para Carlos Felipe, além da mistura étnica, o Saci chama a atenção pelo lado da malandragem. “Você tem que ajudar, dar um cigarro, para que ele não mexa com você.”
Na série: interpretado por Wesley Guimarães, que vive o jovem Isac, ele pouco saltita, já que utiliza uma perna mecânica
>> Curupira
Um dos personagens folclóricos mais antigos do Brasil vem da mitologia indígena, já que sua origem é anterior à chegada dos portugueses. Ser protetor das matas, é citado em carta de 1560 pelo padre José de Anchieta.
“E naquele registro, ele não tinha os pés para trás”, comenta Andriolli Costa. Diante disso, ao longo dos séculos, o espírito protetor que batia naqueles que colocavam a floresta em risco foi ganhando diferentes versões. Na série, é muito explorado o fogo, que toma o lugar de seus cabelos.
“E naquele registro, ele não tinha os pés para trás”, comenta Andriolli Costa. Diante disso, ao longo dos séculos, o espírito protetor que batia naqueles que colocavam a floresta em risco foi ganhando diferentes versões. Na série, é muito explorado o fogo, que toma o lugar de seus cabelos.
Na série: interpretado por Fábio Lago, que vive Iberê, um morador de rua
>> Cuca
A Cuca na figura de um jacaré que a maioria das pessoas conhece vem da criação de Monteiro Lobato. Ela só apareceu no livro “O saci” (1921), como uma personagem secundária que transformava Narizinho em pedra.
No folclore, ela é um bicho-papão presente nas cantigas de ninar, sem aparência precisa. A versão da série a misturou com a mitologia das bruxas, em que a sétima filha mulher se transforma em animais, que podem ser aranha, borboleta (como em “Cidade invisível”), gato ou mariposa.
No folclore, ela é um bicho-papão presente nas cantigas de ninar, sem aparência precisa. A versão da série a misturou com a mitologia das bruxas, em que a sétima filha mulher se transforma em animais, que podem ser aranha, borboleta (como em “Cidade invisível”), gato ou mariposa.
Na série: interpretada por Alessandra Negrini, que vive Inês, dona de um bar
>> Boto-cor-de-rosa
É um ser encantado das águas que tem forte poder de sedução. Sua forma remete à do golfinho, que na mitologia grega era um animal de muita sexualidade. “Muitos indígenas lembram que a crença nos botos é antiga. Mas o boto capaz de se transformar em homem e seduzir mulheres vem do século 18”, explica Andriolli Costa. De acordo com o pesquisador, essa versão surge na época da colonização, com a imagem do ser que engravida uma mulher e logo depois a abandona.
Na série: interpretado por Victor Sparapane, é apresentado na forma do humano Manaus
>> Tutu
Ele é basicamente um papão como a Cuca, e costuma ficar em cima do telhado pronto para comer a criança. É frequente das cantigas de ninar, que são entoadas pelos pais justamente para que ele não pegue a criança. A suposição mais forte, diz Andriolli Costa, é de que o nome derive da língua africana quinbundo. Tutu seria uma derivação de quitutu (ou kitutu), que em quinbundo significa comer. Daí surgiu o nosso quitute. Dependendo do lugar, a lenda, originária da África, tem vários “sobrenomes”. Pode ser Tutu Marambá, Tutu Zambê ou Bicho Tutu.
Na série: interpretado por Jimmy London, Tutu é o braço direito de Inês
Maldades de corpo seco
O corpo seco é uma lenda presente em “Cidade invisível”, ainda que na série ele não tenha um personagem. O mito, popular no Sul e Sudeste, fala de uma pessoa que cometeu tantas maldades em vida que seu corpo foi rejeitado pela terra ao morrer.
Como não consegue ser enterrado, não vai para o céu nem para o inferno e retorna como uma espécie de zumbi. Há basicamente dois tipos de corpos secos: aquele que se locomove como um zumbi e aquele que não consegue se mover, então depende da carona de humanos para chegar aos lugares.
Para escapar desse caroneiro nada bem-vindo, há algumas ações possíveis, como passar uma porteira ou cruzar um riacho.
Como não consegue ser enterrado, não vai para o céu nem para o inferno e retorna como uma espécie de zumbi. Há basicamente dois tipos de corpos secos: aquele que se locomove como um zumbi e aquele que não consegue se mover, então depende da carona de humanos para chegar aos lugares.
Para escapar desse caroneiro nada bem-vindo, há algumas ações possíveis, como passar uma porteira ou cruzar um riacho.