Pioneiro do humor gráfico na internet, André Dahmer iniciou a carreira numa época em que tirinhas eram consideradas mero entretenimento. Com o passar dos anos, o gênero ganhou abordagem editorial e importância de formação de opinião para leitores brasileiros, tendência que o desenhista e quadrinista já seguia antes de passar a produzir para veículos impressos.
Nesta quinta-feira (04/03), às 10h, ele usa dessa experiência para participar de mesa de discussão no 1º Festival Literário Infantojuvenil da Casa (Fliic). Ao lado do cartunista Antonio Junião e a chargista Triscila Oliveira, vai refletir sobre a importância da interligação entre texto e imagem em histórias em quadrinho, tiras e textos ilustrados. O debate será mediado por Martin Smit.
“Atualmente, acredito que o trabalho dos cartunistas é muito semelhante ao dos colunistas. É muito opinativo”, avalia Dahmer, de 46 anos. “Nunca foi tão fácil e tão difícil trabalhar com charge e quadrinhos no Brasil. Mas, particularmente, eu não vejo nada de bom nisso. Um país bom para cartunista trabalhar é um país ruim de morar.”
Para ele, o papel desses profissionais é “remar contra a maré”. “Todo dia a gente acorda e lê notícias que vão além da realidade. Fazer humor com isso não é fácil, mas precisamos fazer oposição ao terraplanismo e ao negacionismo instalados que no Brasil de tantas maneiras.”
Na ativa desde o início dos anos 2000, ele assistiu a uma verdadeira revolução no mercado de quadrinhos e HQ’s, que são cada vez mais valorizados. “As pessoas começaram a entender que quadrinho não é uma coisa de criança, pelo menos não exclusivamente. Claro que o Brasil ainda tem muito a aprender, principalmente com a Argentina, mas as coisas melhoraram muito por aqui. O mercado agora é outro. Temos uma nova geração muito bonita e a cada dia eu vejo mais quadrinistas fazendo um trabalho muito interessante”, afirma.
Ele tem ciência da importância do próprio trabalho no contexto educacional, ainda que não tenha isso em mente quando está produzindo. Pai de duas meninas, André Dahmer confessa que hoje o trabalho não é mais sua maior prioridade, e sim as filhas. Por isso, parte importante do processo é ter em mente os boletos que chegam todo mês.
“Existe uma glamourização do trabalho artístico, como se os anjos soprassem para mim o que devo fazer. A tira é publicada diariamente, então precisa ser feita custe o que custar. Com o tempo, fui ganhando mais experiência. Assunto nunca falta”, pontua.
Quando a COVID-19 começou a se alastrar pelo Brasil, ele e as duas filhas se mudaram para o interior do Rio de Janeiro e só voltaram oito meses depois. Nesse intervalo, não tiveram qualquer contato com o mundo externo, a não ser para pegar as compras. Ao retornar para a capital, imaginava que a pior parte já tinha passado.
“Eu realmente achei que teria um pouco de paz, mas estamos aí batendo recordes diários de mortes e enfrentando o pior momento da crise. Estamos vivendo sem governo, sem orientação do que fazer e de como agir. Conversei com um amigo gringo esses dias, e ele ficou bastante impressionado com a maneira como os brasileiros estão encarando a pandemia. Lá fora, governos tomam uma decisão e a população acata. Aqui a gente tem que ficar indo atrás da informação, checar, ver se é real, para ter certeza de qual medida tomar”, afirma.
A realidade que se apresentou no último ano também se transformou em uma barreira para o trabalho do cartunista. “Todo dia é uma prova dura para quem faz o que eu faço. Assim como muita gente, eu perdi parentes e amigos. A saída é tentar cuidar da cabeça e da saúde. E ficar em casa.”
Quando Jair Bolsonaro (sem partido) foi eleito presidente da República em 2018, muitos amigos de André Dahmer o aconselharam a deixar o país, o que ele recusou com veemência. Apesar do estilo do chefe do Executivo e seus seguidores, o cartunista não se sente afetado por ataques à liberdade de expressão.
“Não me sinto acuado. Sou um homem branco, trabalho nos dois maiores jornais do país e tenho uma situação financeira bastante confortável. Não sou eu que vou reclamar agora. Quem mais sofre são os negros e pobres, para quem nunca existiu democracia”, afirma.
Mãos dadas também com livros e poesia
Autor dos livros “Vida e obra de Terêncio Horto” (2014), “Quadrinhos dos anos 10” (2016) e “Malvados” (2019), André Dahmer lançará em abril seu terceiro livro de poemas, desta vez relacionados com memórias de infância e adolescência. Em “Impressão sua: poemas”, editado pela Companhia das Letras, ele fala sobre paixão, morte, sexo e amor, tudo com toques de melancolia, humor e sensibilidade.
“Esse livro foi feito em três ou quatro anos e passa por diversas fases da minha vida, mas é focado principalmente na infância”, conta. “O desenho é o lugar em que me sinto mais confortável, por isso há uma insegurança nesse trabalho. Mas hoje sinto que ele diz muito sobre mim”, conclui.
AGENDA
Após a mesa de discussão com a participação de André Dahmer, o Fliic segue até o próximo domingo (7/3), com transmissão ao vivo e gratuita via YouTube. O festival, que começou na última terça-feira (2/3), reúne convidados de áreas variadas que dialogam sobre temas como literatura infantil, mediação de leitura, direitos humanos, escola digital, adolescência, questões étnico-raciais e acessibilidade.
PROGRAMAÇÃO
1º FESTIVAL LITERÁRIO INFANTOJUVENIL DA CASA
Quinta-feira (4/3)
>> Mesa de discussão: HQs, tiras e ilustração editorial
>> Horário: das 10h às 12h
>> Com André Dahmer, Antonio Junião e Triscila Oliveira
>> Mediação: Martin Smit
Oficina educativa: Imagem e narrativa
>> Horário: das 14h às 15h
>> Com Jonas Meirelles, que mostrará como a imagem acompanha o texto, em histórias em quadrinhos ou livros ilustrados.
Mesa de discussão: Saraus e slams
>> Horário: das 16h às 18h
>> Com Cibele Toledo Lucena, Cristina Assunção e Rodrigo Ciríaco
>> Mediação: Luiza Romão
Performance poética: Preparo para arena
>> Horário: das 19h às 20h
>> Com Caetano Romão e Natasha Felix, que sugerem um jogo experimental entre poesia falada e música.
Programação completa em ccparque.com