Desde o início da pandemia, o Grupo Galpão adotou uma série de propostas alternativas para contornar a impossibilidade de realização de seus espetáculos presencialmente. A companhia de teatro mineira experimentou as transmissões ao vivo e também produziu trabalhos gravados, transportando para o formato virtual a inventividade que antes exibia nas ruas e no palco.
A partir deste sábado (05/06), o Galpão estreia o projeto "Dramaturgias – Cinco passagens para agora", que vai apresentar espetáculos em diferentes formatos nas redes sociais.
O primeiro deles é "Como os ciganos fazem as malas – Um texto escrito no ar", experiência teatral a ser transmitida no aplicativo Telegram. A montagem, descrita como um "monólogo em fluxo", acompanha a história de um escritor durante uma viagem de avião. Baseada no texto de Newton Moreno, ela é protagonizada pelo ator Paulo André, que também é responsável pela pesquisa e criação, junto com Yara de Novaes, Tiago Macedo e Barulhista.
"Tem algumas relações que são imantadas, como é o caso da nossa relação com o Newton e a Yara", diz Paulo André. "Em janeiro, ela me ligou falando do texto. Coincidentemente, estávamos desenvolvendo o projeto Dramaturgias, e ele encaixou de uma forma muito especial. Trata-se de um trabalho muito bonito e poético, que só mostra o quanto essas relações que a gente vai acumulando na vida atraem coisas boas."
RECURSOS
Quando começaram a trabalhar no texto, os três já sabiam que seria para uma ação virtual. No primeiro momento, a ideia era fazê-lo via Instagram. Eles desistiram da rede social quando se deram conta de que ela "é muito narcísica, enquanto a montagem fala muito de alteridade", segundo Paulo André. Fizeram testes no WhatsApp, mas logo chegaram à conclusão de que o Telegram os atenderia melhor.
"O Telegram tem mais recursos, como permitir não parar o áudio quando o usuário continua a rolagem. Isso também acontece com o vídeo, que minimiza. Além disso, ele cria uma página esteticamente agradável de acompanhar", afirma.
Outra característica importante do espetáculo é que ele pode ser acompanhado pelo celular. Nesta primeira temporada da peça, ela será apresentada neste final de semana (ingressos já esgotados) e no próximo, em dois formatos.
Um deles diz respeito a uma experiência estendida, que vai das 11h às 19h. Já a versão compacta ocorre entre 20h e 21h30, aos sábados e domingos. Ambas têm acesso gratuito, com retirada de ingressos pelo Sympla.
O público terá acesso a um canal específico dedicado a "Como os ciganos fazem as malas". Nele, a história irá se desenrolar por meio de mensagens escritas, áudios, fotos, vídeos e GIFs. Serão usadas imagens do Galpão e outros integrantes do grupo, como Eduardo Moreira, Lydia Del Picchia e Inês Peixoto, farão breves participações.
CELULAR
"A gente está acostumado a passar o dia com o celular na mão. Ele serve para a gente se comunicar, mas também é usado para anotar, tirar fotos e reunir memórias. É um lugar que também pode proporcionar movimento. Para mim, é como se fosse um portal", afirma o ator.
Para ele, a história contada no espetáculo é sobre um"viajante sem destino". "O texto é atravessado pela impermanência e pelo nomadismo, o que serve de metáfora para a busca do artista. O artista nunca chega, está sempre indo."
Nos ensaios realizados com público, Paulo André ficou impressionado com o engajamento das pessoas, que definem determinadas partes da história ao votar em enquetes. Ele também consegue ver quantos visualizaram os vídeos e áudios enviados.
"Meu personagem tem muito carisma. De certa forma, ele é o Newton (Moreno). Os dois compartilham um humor sofisticado e são apaixonantes. Eu me sinto muito feliz e honrado em ser o canal desse personagem, escrever e postar o que ele pensa. Fico do lado de cá enviando as mensagens e acho muito louco. É lindo perceber o engajamento das pessoas", comenta.
Viagem
Não à toa, o texto foi escrito há alguns anos durante uma viagem entre São Paulo e Paris. O diretor, ator e autor pernambucano radicado na capital paulista anotou, durante a ida e a volta, uma série de impressões, personagens e ideias de cena. Nesses percursos, tudo era inspiração, até mesmo as escalas e a espera do check-in no hotel.
"Estava interessado no aspecto da impermanência, do nomadismo, da eterna busca do artista. No caso do escritor, ele sempre inicia novas viagens em busca de uma história, de um personagem, de uma narrativa que lhe dê sentido e orientação", afirma Moreno.
Durante o período de quarentena, "em que a gente não pode se deslocar", o autor achou que seria interessante recuperar esse texto e decidiu apresentá-lo a Yara de Novaes, que fez a ponte com o Galpão.
"Quando o escrevi, não imaginei que pudesse ser feito em um suporte tão incomum como um aplicativo de celular. Mas faz muito sentido que ele seja assim. Ficou um híbrido de diário de viagem, mas na perspectiva de um processo de viagem, de impermanência, e outras questões como a queda das fronteiras. Tudo isso é provocado por meio do personagem", diz.
Para Moreno, "a pandemia, que agora nos prende, nos cimenta em casas e confinamentos, também nos permite uma grande oportunidade de viajar em nós mesmos e de nos entendermos como coletividade. A pandemia talvez seja a grande odisseia dos nossos tempos".
O dramaturgo reconhece as perdas provocadas pela pandemia, mas também comemora os ganhos, como a possibilidade de pessoas de qualquer parte do país assistirem a suas peças, na maioria das vezes encenadas em São Paulo.
"Recebi um retorno muito bom nesse sentido. Quem conseguiu superar as dificuldades de produção pôde experimentar um alcance inédito, e isso é muito importante para o teatro brasileiro", afirma.
Ainda assim, ele considera que o presencial não sairá abalado após a crise sanitária. "É boa essa ausência. Vamos voltar com muito mais garra e cientes da responsabilidade que temos. As novidades vão ficar e vão ser assimiladas com o tempo. Mas teatro é presença, isso ninguém muda."
O Grupo Galpão tenta extrapolar a linguagem teatral com "Dramaturgias – Cinco passagens para agora". Até 31 de dezembro, a companhia promove outras quatro montagens desenvolvidas com artistas convidados, como Marcio Abreu, Pedro Brício e Silvia Gomez.
NECESSIDADE
"Esse é um projeto que nasceu da nossa necessidade de trabalhar diante da situação do país, que mina as perspectivas para a nossa área. Quando tudo começou, imaginávamos que em 2021 estaríamos de volta ao presencial. Somos o grupo cigano desse Brasil. Somos o grupo que mais viaja no Brasil. Estamos habituados com o encontro. Ficar sem essa possibilidade é complicado, mas nos possibilitou o contato com o audiovisual, que antes a gente não conhecia", afirma Paulo André.
"Mesmo assim, a gente tem que tomar muito cuidado para não ficar no lugar da precariedade ou do provisório. Estamos abrindo possibilidades que vão ficar, mesmo quando o teatro presencial for retomado. Então sempre pensamos todos os trabalhos como obras em si, com uma potência que fala por si", diz.
Desde o início da pandemia, o Grupo Galpão lançou o filme-ensaio "Éramos em bando" (2020), de Marcelo Castro, Pablo Lobato e Vinícius de Souza; estreou o projeto "Histórias do confinamento", uma série de vídeos lançados no YouTube retratando situações cotidianas da quarentena; lançou o webdocumentário "A gente pode tudo pelo menos por enquanto", sobre seu processo criativo; e promoveu oficinas on-line.
“Como os ciganos fazem as malas – Um texto escrito no ar”
Sábado (12/06) e domingo (13/06). As sessões deste sábado (05/06) e domingo (06/06) estão com ingressos esgotados. O espetáculo ocorre em dois formatos: das 11h às 19h (na versão estendida) e das 20h às 21h30 (na versão compacta). As transmissões são on-line e gratuitas por meio do Telegram. Retirada de ingressos pelo Sympla.