A cineasta Céline Sciamma estava no meio da turnê de divulgação de seu longa “Retrato de uma jovem em chamas'' (2019), quando teve a ideia de “Petite maman”, que participou da competição pelo Urso de Ouro no 71º Festival de Berlim. A diretora chegou até a escrever um roteiro. Mas aí veio a COVID-19 e o confinamento, e ela não quis transformar esse tempo em uma sessão de escrita.
Em junho passado, quando a França se abriu novamente, Céline releu a primeira cena, em que uma criança se despede de senhoras idosas num hospital ou casa de repouso. E percebeu que o filme era mais atual que nunca. "Vi que talvez ele fosse até mais necessário", disse a francesa durante o festival.
A menina é Nelly (Joséphine Sanz), e ela está dizendo adeus às colegas de sua avó, que acaba de morrer. Junto com sua mãe Marion (Nina Meurisse) e seu pai (Stéphane Varupenne), ela vai à antiga casa da avó, perto de uma floresta, para desocupá-la.
Nelly ajuda um pouco, percebe a dificuldade da mãe em lidar com a perda, enquanto ela mesma precisa de ajuda para processá-la. Um dia, a mãe vai embora. Brincando na mata, Nelly encontra outra menina, Marion (Gabrielle Sanz) - sua mãe quando criança. "Para mim, o filme celebra como o cinema é meio conto de fadas e sempre uma máquina do tempo", disse a cineasta, que se inspirou no anime, especialmente na obra de Hayao Miyazaki.
Em razão disso, ela decidiu pela primeira vez filmar a maior parte das cenas em estúdio. "Gostei da ideia de criar essa casa do zero", disse Céline Sciamma, que rodou as cenas externas na região onde cresceu, nos subúrbios de Paris. De quebra, o arranjo ofereceu a segurança necessária para rodar um longa-metragem em plena pandemia.
"Acho que tudo isso acabou influenciando a filmagem. Havia um senso de responsabilidade adicional nesses sets durante a COVID-19 e também um compromisso de coração da equipe inteira, que estava muito feliz de estar trabalhando."
“Petite maman”, que pode ser traduzido livremente como “Mamãezinha”, abole as barreiras entre o passado e o presente para falar de família, herança e memória.
"O longa trata de degeneração e também do que é transmitido de geração a geração", informou a diretora. "Então é claro que também fala de perda." Daí sua sensação de que ele poderia ser relevante e até útil no momento atual.
Céline Sciamma tem pensado cada vez mais que em seus filmes os personagens não são os heróis, mas sim os espectadores. Por isso, ela lamenta um pouco que o novo longa agora só possa ser apreciado numa tela de computador. "É para ser uma experiência coletiva, para ter seu corpo transformado", disse. "Especialmente para quem vai ver com uma criança, ou com sua mãe. Quando saírem da sala e derem aquela corrida para pegar o ônibus, acho que essa corrida de mãe e filha não será a mesma de antes."
Em sua opinião, o cinema está perdendo a colaboração com o espectador. E ela quer incluí-lo cada vez mais em sua obra. Curiosamente, Sciamma cita “WandaVision” como um exemplo. "Somos todos Wanda Maximoff. É uma grande série sobre o espectador de ficção e como todo filme depende do cérebro e do coração dos seus espectadores para expandir seu universo. Nós vemos uma imagem plana e imaginamos um mundo. Somos nós que damos isso. Então meu filme é colaborativo, mas deixando espaço para a história de cada um ser vista dentro do cinema." (Agência Estado)