O músico Avshalom é azarado, mas também inábil. O judeu-israelense de ascendência marroquina se mudou para Paris em 13 de novembro de 2015, o dia dos ataques terroristas que mataram 137 pessoas na capital francesa.
Após brigar com a mulher, foi para as ruas e, sem entender uma palavra de francês, acabou preso como suspeito. A sequência que redundou na prisão mostra como ele e a polícia não estavam entendendo nada do que acontecia.
“The attaché”, série israelense que estreia neste domingo (14/3) na Starzplay, parte de uma tragédia nacional para contar uma história pessoal. Ainda que os ataques estejam em primeiro plano no episódio inicial, a narrativa basicamente acompanha um homem que tem que se adaptar a uma nova realidade para salvar seu casamento.
Criador da série e também seu diretor e protagonista, Eli Ben-David levou sua experiência pessoal para a tela. Em 2015, não no dia, mas aproximadamente um mês antes do ataque, ele se mudou para Paris porque sua mulher, Elinor, tornou-se adida cultural da Embaixada de Israel (em 2020, ela foi nomeada uma das 100 mulheres mais influentes da cultura na França).
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Projeto surgiu como um diário
“Claro que exagerei nas histórias (da série). Mas, quando cheguei a Paris, eu realmente era o pai estúpido da escola. Meus filhos falavam para não conversar na frente dos colegas, porque eu não sabia francês. O processo de adaptação foi intenso. E o mais irônico foi que aconteceu na capital do amor”, diz Eli.
Diretor e roteirista em Israel, no início do processo ele escreveu sua própria história como um diário, já que não tinha muito mais o que fazer. Numa viagem a Israel, o projeto acabou tomando corpo. Em “The attaché”, Eli divide a cena com a francesa Héloïse Godet (do filme “Adeus à linguagem”, de Jean-Luc Godard), que interpreta Annabelle, a mulher do protagonista. A atriz teve que aprender hebraico para fazer o papel.
“No primeiro teste, com a ajuda de um amigo israelense, eu tentei fingir que falava hebraico. Ficou falso, então tive um professor durante as filmagens, num processo bem longo, mas interessante, pois gosto de línguas”, conta Héloïse.
“The attaché” foi rodada em Paris, Israel e Ucrânia. “Na Ucrânia, eu estava totalmente perdida, pois ninguém na equipe falava francês, e eu tinha que falar hebraico. Voltava para o hotel exausta, tanto que, quando chegamos à França, eu me senti aliviada”, conta ela.
O alcance que a série tomou surpreendeu Eli. “Pensei que faria um pequeno projeto pessoal. Escrevo e falo em hebraico, e essa história é muito íntima e pequena, sobre um homem que ama sua mulher e se perde no caminho.”
Pequenos dramas universais
Para ele, o fato de a produção israelense se tornar conhecida mundo afora é consequência de um processo. “O YouTube nos ensinou a ouvir músicas em várias línguas, e hoje não é mais estranho. Fosse 10 anos atrás, eu teria que fazer ‘The ataché’ em inglês. Hoje, não é mais bizarro ouvir hebraico, é exótico. Vivemos em um mundo em conflito, e as pessoas adoram um drama. Como a série fala sobre ser estrangeiro, ela acabou tocando pessoas em diferentes lugares.”E os pequenos dramas de Avshalom poderiam ocorrer com qualquer um, em qualquer lugar. Uma das cenas preferidas de Eli mostra Avshalom com seu filho Uri (Eli Lax). O menino, com medo do primeiro dia de aula, já que não falava francês, ouve do pai que ele ficará do lado de fora da escola. Caso ele fique aflito, é só olhar pela janela e vai encontrá-lo, o pai diz. Os filhos de Eli e Elinor passaram por uma situação semelhante. “Eles choravam, e eu não sabia como lidar com aquilo, mas tinha que protegê-los”, conta.
Elinor, de acordo com Eli, foi a primeira leitora do roteiro. "No início, foi meio embaraçoso mostrar, mas ela ficou fascinada pela honestidade”, conta ele, que ainda não liberou os filhos para assistirem a série. “Eles são muito pequenos, nem sabem que sou diretor.” Héloïse diz que foi Elinor a primeira a acreditar que ela poderia vivê-la na tela.
Ainda vivendo em Paris, mas com outros projetos em Israel, Eli hoje está totalmente adaptado à vida na França. “(A partir dos atentados) Sinto que os parisienses repensaram sua vida, de certa forma. Quando me mudei, encontrei pessoas cheias de paciência comigo e muito abertas a estrangeiros. Meus pais são do Marrocos, meus amigos são marroquinos, não faz diferença. ‘The attaché’ lida com o medo da diferença, da mudança. O perigo, às vezes, está mais nas nossas cabeças”, afirma Eli.
THE ATTACHÉ
A série em 10 episódios estreia neste domingo (14/3) na Starzplay. Um novo episódio por domingo.