Uma mensagem levou Simon Schwartzman até a Polônia. A remetente, Vera Ejlenberg, realizava pesquisas sobre o rabino Chaim Radzyner, e buscava informações. Schwartzman reconheceu o nome do bisavô de sua mãe. Em meados de 2019, partiu para a Europa, onde participou de um encontro por conta dos 75 anos da destruição do gueto da cidade de Lodz.
“Tinha poucas informações sobre a história da família de minha mãe. Ela dizia que todos haviam morrido durante a guerra. A viagem me colocou em contato com outros lados dessa história. E com um lado que não é o meu único, mas que com certeza é importante na minha trajetória”, conta o sociólogo e cientista político belo-horizontino, de 81 anos.
Revivendo o holocausto
Não apenas isso. “Estar ali reviveu a presença da guerra, do Holocausto, da resistência. Não era nada que eu não soubesse, mas foi uma experiência forte, de impacto muito grande.” De volta ao Brasil, Schwartzman começou a trabalhar em um livro de memórias, “Falso mineiro: Memórias da política, ciência, educação e sociedade”, que será lançado nesta quarta-feira (17/3), em live que vai reunir, além do autor, o economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, e a socióloga Helena Bomeny, com mediação de Roberto Feith, editor do selo História Real, da editora Intrínseca.
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Exílio durante a ditadura
Simon Schwartzman se envolveu em diversos episódios da história brasileira. Em 1964, foi preso e interrogado durante 40 dias pela ditadura militar, que não sabia bem que acusações impor contra ele. Resolveu exilar-se na Dinamarca, seguindo depois para a Argentina.
A carreira pedagógica e voltada à pesquisa, a certa altura, o levou a ocupar posições como a de presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.
Ao longo de todo esse tempo, Schwartzman produziu obras fundamentais para a compreensão do país, a começar por “Bases do autoritarismo brasileiro”, livro que nasceu de sua tese de doutorado. Nele, explica o cientista político, buscava mostrar “como o sistema político não era mero instrumento dos interesses dos ricos e poderosos, tendo uma dinâmica própria que precisava ser mais bem entendida”.
“A espinha dorsal de meu livro era a de que no Brasil coexistiam duas formas de dominação: uma de tipo patrimonial, herdada da Coroa portuguesa e que nunca dependeu de poderes feudais para existir, consolidando-se na capital do país, o Rio de Janeiro; e outra, de tipo mais contratual, originada da parte mais dinâmica e autônoma da economia, baseada sobretudo em São Paulo”, observa. “Daí o fato de uma das teses mais controvertidas e questionadas do livro ser a de que, no Brasil, o centro do poder econômico sempre teve uma posição relativamente subordinada, e por isso conflituosa, com o centro político.”
Não é pouco mérito o fato de que, em “Falso mineiro”, a memória dos trabalhos acadêmicos e pesquisas realizadas e a lembrança de episódios pessoais sejam narradas com a mesma clareza e sabor. “Aprendi com o tempo que se você não entende algo ao ler, a culpa é de quem escreveu. Há temas complexos, sem dúvida, e textos de caráter mais técnico, mas se você não tem clareza, normalmente é porque as ideias não estão claras”, diz Schwartzman.
Nessa combinação de narrativas, o livro se torna não apenas o registro de uma memória individual, mas da tentativa de criar uma ideia de país.
Populismo contra a ciência
A live de lançamento terá como tema “Populismo vs. ciência: O desafio da construção de políticas públicas eficazes”. É um assunto do qual o autor trata bastante ao longo de “Falso mineiro”. Por exemplo, ao definir a importância da separação entre atividade científica e atividade política.
“Na faculdade, em Belo Horizonte, nossa preocupação era como sair do atraso. Buscar caminhos distintos foi uma motivação de toda a minha geração, que, claro, seguiu orientações diferentes. No ambiente estudantil, conhecimento e militância eram a mesma coisa. Com o tempo, aprendi que a política condiciona e limita a capacidade de atuar de forma independente.”
Para Schwartzman, não se trata de falta de engajamento, mas de outra definição para o termo. “Eu me engajei muito, briguei pelos temas que acreditava serem importantes e me envolvi com eles. Mas sempre mantendo uma independência, sem servir a conveniências políticas.”
Reflexões como essa se tornam importantes especialmente no momento em que vivemos. “É uma situação anômala, de um governo anti-intelectual. Há um ataque contra a educação, a cultura, a democracia, e isso dificulta a discussão nessas áreas. Elas precisam ser discutidas, são problemáticas. Não concordo com a ideia de que antes tudo funcionava bem. Mas a discussão sempre girou em torno de como melhorar esses aspectos e não em torno do próprio questionamento de sua existência”, defende.
Fuga de cérebros
Para Schwartzman, há uma nova geração interessante na ciência brasileira. Mas é preciso pensar em novos caminhos, em especial no que diz respeito à fuga de cérebros. “Houve um período de expansão na ciência acadêmica. As universidades públicas cresceram e, com isso, muitas posições e cargos foram criados. Um jovem brasileiro, após ir para o exterior com bolsas como Capes e CNPq, voltava e encontrava posições. Mas a ciência acabou ficando muito fechada no mundo acadêmico e, depois de o sistema crescer, já não consegue absorver todos os profissionais”, afirma o autor de “Falso mineiro”.
“A questão hoje é pensar sobre como fazer ciência de maior qualidade e mais efetiva, menos voltada para si mesma. E como vincular a ela questões mais práticas, algo que envolve tanto a iniciativa privada quanto o governo”, conclui Simon Schwartzman.
“FALSO MINEIRO”
De Simon Schwartzman
Editora Intrínseca
400 páginas
R$ 69,90 (livro)
R$ 34,90 (e-book)
Live de lançamento nesta quarta-feira (17/3), às 18h, acessando este link. O autor conversa com Pedro Malan e Helena Bomeny, com mediação de Roberto Feith.