Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Depois de ir ao topo e despencar, Rico Dalasam lança álbum sobre o alívio

Desde que a 21ª edição do ''Big brother Brasil'' começou, em janeiro passado, a discussão em torno da chamada “cultura do cancelamento” tem dominado as redes sociais. Composto parcialmente por pessoas famosas, o elenco do reality entrou na casa amedrontado com a repercussão das atitudes fora do confinamento. 





Em 2017, muito antes dessa discussão ganhar a proporção que tem hoje, o rapper, cantor e compositor Rico Dalasam foi “cancelado” em virtude de uma questão judicial em torno da música ''Todo dia'', parceria dele com a drag queen e cantora Pabllo Vittar, retirada das plataformas digitais como resultado do imbróglio.

''As pessoas são 'canceladas' por uma coisa que elas falam ou uma atitude que elas têm. O meu caso é muito mais específico'', diz ele. ''Eu fui 'cancelado' porque veio a público uma questão trabalhista. Apenas. Não é como o comportamento da Karol no 'BBB'. Eu não fiz nada. Não xinguei ninguém, não zoei uma criança, não bati na namorada. O meu caso é uma outra questão, que está muito alicerçada na história do país: uma pessoa preta atrás de um direito trabalhista.''

Para ele, um 'cancelamento' só ocorre de fato se ''descapitaliza'' o “cancelado”. ''Quando tem um impacto off-line, com pessoas deturpando a sua imagem, te tratando mal, te desqualificando e colocando em questão seu caráter, por conta de uma construção feita na internet, e isso, consequentemente te priva de trabalhar, sem dúvida alguma ele atingiu o objetivo. Quando impacta no seu jeito de fazer grana, isso é um cancelamento, sim'', afirma.



Passados quatro anos do episódio, Rico Dalasam retoma a carreira artística com o álbum ''Dolores Dala guardião do alívio'', que trata de temas igualmente pessoais e universais. Parte do trabalho foi antecipada por meio de um EP homônimo, lançado em maio de 2020. O trabalho completo é composto por 11 faixas e tem produção assinada por Mahal Pita, Dinho Souza, Rafa Dias, Pedrowl, Moisés Guimarães, Netto Galdino e Wallace Chibatinha.

Ouça: 



Experiências pessoais 


''Esse disco é sobre desencanto. É sobre deixar para trás a magia velha e ir atrás da magia nova. É um disco sobre evitar agonias depois de muita dor'', conta Rico. Na faixa ''DDGA'', responsável por abrir o trabalho, ele diz: ''Não falaria de alívio se não tivesse doído tanto''.

A dor que ele sentiu tem a ver tanto com experiências pessoais e subjetivas quanto com construções históricas. ''Eu estou falando aí sobre os efeitos do histórico colonial que a gente tem enquanto povo brasileiro. E o efeito disso na construção afetiva das pessoas pretas. Debruço sobre essas decepções que estão muito ligadas com efeitos altamente históricos nossos'', diz.





As faixas ''Última vez'', ''Braille'' e ''Mudou como?'' abordam assuntos como relacionamento interracial, violência e relacionamento não assumido. ''Quer meter, mas não quer manter'', diz um trecho de ''Útima vez''.

Aos 31 anos, o rapper, cantor e compositor é bastante instigado pelo afeto. Segundo ele, começar a namorar ''tardiamente'', aos 25 anos, o inspira a estar sempre se descobrindo nas relações afetivas. ''Tenho esse anseio de conseguir ter uma plena percepção não só sobre meus afetos, mas sobre como vivê-los da maneira menos violenta possível, dentro do contexto histórico em que a gente vive.''

Pausa para busca por referências


Quando surgiu, no final de 2014, como promessa do queer rap brasileiro, Rico Dalasam teve uma ascensão meteórica. No início de 2015, ele já estava participando de programas na TV aberta e, nos meses seguintes, fez turnê pelos Estados Unidos e  Europa. O EP ''Modo diverso'' (2015) impulsionou a carreira, que depois culminou no disco ''Orgunga'' e no EP ''Balanga raba'' (2017), trabalhos com uma pegada pop.





''Em 2017, eu e minha equipe chegamos à conclusão de que a gente precisava parar, entrar num tempo de prática de ausência, redimensionar o que a gente estava fazendo e recalcular os códigos para não cair num esgotamento artístico'', conta.

A partir daí, ele abandonou a produção de um disco, engavetou-o e saiu à procura de novas referências e sonoridades. ''Braille'' foi a primeira  que ele encontrou. A música mistura camadas eletrônicas com batidas do funk, além de conter um sample de uma das músicas do cantor norte-americano Frank Ocean.

Essa abordagem eletrônica associada a ritmos brasileiros segue no restante do álbum. ''Expresso sudamericah'' soa como a evolução do pagode dos anos 1990, enquanto ''Estrangeiro'' remete ao samba. As sete faixas musicais são entremeadas por quatro interlúdios feitos a partir de áudios do cantor, de seus familiares e amigos.





O resultado, de acordo com Rico Dalasam, é fruto do time ''exatamente contemporâneo'' que ele conseguiu reunir para a produção. ''Tem uma relação com o que todo mundo ouve, associado a esse conhecimento de música brasileira. Nós estamos muito ligados nesse midstream global de artistas como PARTYNEXTDOOR, Kali Uchis e Kaytranada. Estamos de olho nisso e buscamos cruzar essas referências com alguma coisa que é do Brasil, atendendo as demandas de cada música'', diz. 

''Eu não sou um artista de um ritmo só'', acrescenta. ''Eu venho do rap, só que com muitas possibilidades do popular. A partir daí, fica muito versátil a possibilidade de cantar outras coisas.''
Com o álbum, Rico Dalasam encerra a jornada de ''Dolores Dala guardião do alívio''. Para ele, a produção foi um processo ''terapêutico'', na medida em que ''analisar o alívio já é uma terapia em si''.

''Não quero ficar falando de dor paa sempre. Mas foi algo fundamental e necessário para mim. Espero muito sanar questões do meu próprio processo e encontrar outras demandas, agora positivas, para eu conseguir passar esse lugar de introduzir o alívio, a partir da dor,  para de fato discorrer vivências de alívio'', afirma. (GA)

“DOLORES DALA GUARDIÃO DO ALÍVIO”
Rico Dalasam
Independente
Disponível nas plataformas digitais





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