Jornal Estado de Minas

CINEMA

Com duas indicações ao Oscar, 'Druk' foi marcado por tragédia do diretor


Qual seria a medida da felicidade e do sucesso? Para o psiquiatra norueguês Finn Skarderud, é um acréscimo de exatamente 0,05% na quantidade de álcool no sangue. Para o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg, a receita funcionou, pelo menos como premissa para a história de “Druk – Mais uma rodada”, indicado ao Oscar de melhor Filme Internacional e melhor Direção. 





Antes disso, o filme já havia recebido o selo do Festival de Cannes, que não teve mostra competitiva em 2020, em virtude da pandemia do novo coronavírus, e foi premiado no European Film Awards, nas categorias melhor Filme, melhor Diretor, melhor Ator, para Mads Mikkelsen, e melhor Roteirista, compartilhado por Thomas Vinterberg e Tobias Lindholm. Esse trio trabalhou junto em “A caça”, indicado ao Oscar de melhor filme internacional em 2012.

Se na teoria de Skarderud não é preciso muito para ser feliz, apenas alguns goles, para Vinterberg também não foi preciso uma trama muito complexa para chegar ao mais alto patamar de premiações do cinema mundial.
 
O longa é centrado na história de Martin, personagem de Mads Mikkelsen, um professor de história do ensino médio, que atravessa uma fase de terrível marasmo profissional, familiar e existencial. Sua crise pessoal é notada pelos amigos mais próximos, que lecionam na mesma escola e estão na mesma faixa etária. Todos de meia idade.





No jantar de aniversário de um deles, preocupados com o estado emocional do até então abstêmio Martin, surge a ideia de experimentar na prática a teoria de Skarderud. A partir de então, Martin, Tommy (Thomas Bo Larsen), Peter (Lars Ranthe) e Nikolaj (Magnus Millang) decidem manter o índice de 0,05% de álcool no sangue, diariamente, inclusive durante o trabalho, munidos de bafômetros para tal checagem e dos ensinamentos de Ernest Hemingway sobre (tentar) não beber após as 20h.

Assista ao trailer: 



Ao longo da história da humanidade o consumo de bebidas alcoólicas tem sido fonte inesgotável de alegres soluções e também de graves problemas. E não é outra coisa o que ocorre com o quarteto nessa trama, definida como uma tragicomédia. 

Ao introduzir em sua rotina uma ou outra dose de vodka ao longo do dia, uma taça de vinho antes do jantar, ou um drink despretensioso a qualquer hora, Martin começa a se reencontrar consigo mesmo e viver momentos de felicidade e euforia que há tempos não tinha com sua esposa e filhos. 





As cenas também mostram seu desempenho profissional se revigorando. Ele inclusive leva para as aulas menções sobre a relação com o álcool de grandes personalidades da história, como Winston Churchill, e conquista a confiança dos alunos . Os outros personagens também passam por uma fase de crescimento pessoal e, logo, a turma resolve aumentar a dose, o que evidentemente tem suas consequências, nem sempre positivas. 

Apesar das várias rodadas e doses duplas de drinks, taças de vinho e champagne, garrafas e mais garrafas de cerveja e da embriaguez mostrada desde os estágios mais brandos aos mais severos, a proposta tem conquistado a crítica e os jurados pela forma que extrapola a bebedeira e entra por temas sociais mais sensíveis. 

Para a crítica Devika Girish, do diário “The New York Times”, o filme “não é nem uma farsa nem uma provocação moralista. É uma tragicomédia doce e estranhamente modesta sobre os prazeres do excesso (principalmente banal)”.





História de um grupo de amigos de meia idade que decide experimentar levar a vida sob o efeito de álcool para garantir a felicidade concorre às estatuetas de melhor Diretor e Filme Internacional 


Em entrevista concedida ao portal norte-americano “Deadline”, o diretor definiu a produção como “uma investigação não só sobre o uso do álcool, mas sobre o incontrolável”. "Eu acho que, se há algo nesse filme como uma mensagem oculta, é uma batalha pelo incontrolável”, disse. Ao “Estado de São Paulo”, Vinterberg falou que também se trata de “substituir o tédio pela vitalidade, a curiosidade, a exploração e o risco". 

Se o álcool é um tema que pode despertar paixões e temores, justamente por essa ligação mútua com a tragédia e a comédia, vista na vida real e respeitada pelo filme, Vinterberg tem experiências em sua filmografia que o credenciaram para a proposta. 

Nos anos 1990, ele criou o movimento Dogma 95, ao lado do polêmico compatriota Lars Von Trier, visando promover um cinema mais cru, com maior peso para história e personagens e sem efeitos técnicos.

Como consequência, em 1998, dirigiu e lançou “Festa de família”, vencedor do Prêmio do Júri, em Cannes, naquele ano. Também misturando riso e dor, o filme conta sobre uma reunião de família que celebraria o 60.º aniversário de um patriarca, mas que acaba em constrangimento e confusão, quando o filho mais velho o acusa publicamente de abusar sexualmente tanto dele como de sua irmã gêmea, que havia se suicidado recentemente. 





Tragédia pessoal nos bastidores
 
A história de “Druk” envolve uma tragédia familiar do diretor. Apenas quatro dias depois do início das filmagens, sua filha mais velha, Ida, morreu aos 19 anos em um acidente de carro. Vinterberg pretendia que o longa fosse a estreia de Ida no cinema. Ela interpretaria uma das filhas de Martin, e as gravações ocorreriam em sua escola. 

O diretor contou em entrevista à revista “IndieWire” que, apesar de se sentir totalmente devastado pela perda, decidiu seguir em frente com o filme pela dedicação e empolgação que a filha tinha em relação ao projeto. 

“Não fazia sentido continuar, mas não fazia sentido não continuar. Ela teria odiado isso. Então decidimos fazer o filme para ela. Essa era a única maneira de fazermos isso”, afirmou. O ator Mads Mikkelsen disse à mesma publicação que o elenco também comprou a ideia e deu ao diretor todo o apoio possível nessas circunstâncias. O sucesso do filme, e sobretudo as indicações ao Oscar, anunciadas na última segunda-feira (15/3), são recebidos pelo diretor como uma homenagem ao “filme da filha”.





Depois da maior abertura aos filmes em outras línguas que não o inglês sinalizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood no ano passado, com a consagração do sul-coreano “Parasita”, fica a expectativa para a possibilidade de estatueta para Vinterberg. 

Na disputa de melhor direção, ele terá dupla concorrência feminina, de Chloé Zhao (“Nomadland”) e Emerald Fennell (“Bela vingança”), além de David Fincher (“Mank”) e Lee Isaac Chung (“Minari – Em busca da felicidade”). 

Entre os indicados a melhor Filme Internacional, o longa dinamarquês tem mais favoritismo. Ainda concorrem "Better days" (Hong Kong), "Collective" (Romênia), "O homem que vendeu sua pele" (Tunísia) e "Quo vadis, Aida?" (Bósnia e Herzegovina). 





No Globo de Ouro, premiação em que a categoria segue outros critérios, “Druk - Mais uma rodada” foi indicado, mas perdeu o troféu para “Minari – Em busca da felicidade”, que é norte-americano, mas majoritariamente falado em outro idioma.  
 
“Druk” tem estreia marcada no Brasil para a próxima quinta-feira (25/3. Com o agravamento da pandemia, chegando a estado crítico em quase todo o país nos últimos dias, os cinemas de muitas cidades estarão fechados, como é o caso de Belo Horizonte, que está sob toque de recolher. 

Segundo a distribuidora, a data não deve ser alterada, e o filme entrará em cartaz, por enquanto, apenas nas praças que tiverem possibilidade de exibi-lo. Nos  serviços de streaming NOW, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube, a estreia será no dia 16 de abril, nove dias antes da cerimônia do Oscar, marcada para 25/4. 

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