Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

Aramis Trindade transforma tragédia de 'Romeu e Julieta' em monólogo

O ator pernambucano Aramis Trindade encena “Romeu e Julieta, cordel de Ariano Suassuna” nesta sexta (27/3) e sábado (28/3), com gravação 360 graus das performances, que serão transmitidas via Instagram. Na peça com a qual circula pelo país desde 2012, Aramis promove um cruzamento de linguagens, como as do teatro, da música e da literatura. 


“É um espetáculo em forma de cordel, que conta a história de amor de William Shakespeare, na visão do escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), misturando o erudito com o popular”, explica o artista. No primeiro ato, o ator interpreta as 98 sextilhas do cordel “A história de amor de Romeu e Julieta”, acompanhado por música ao estilo do Movimento Armorial. No segundo, ele reproduz uma mini-aula espetáculo de Suassuna. “O diferencial desta temporada está na experiência sensorial proporcionada pelas gravações em 360 graus”, comenta.





Ele esclarece que o formato proporciona ao espectador a sensação de estar presente em qualquer ambiente e em diferentes ângulos. “As imagens permitem que o espectador se sinta no local, como se real fosse e mais inserido na trama, escolhendo o seu próprio ponto de vista por meio dessa ferramenta.”

Em 1997, Aramis participou de uma montagem do espetáculo cujo elenco tinha 15 pessoas. “Naquela época, já vislumbrava a possibilidade de algum dia transformar o espetáculo em um monólogo”, conta o ator. Foi em 1999 que ele se encontrou com Suassuna nos estúdios da Rede Globo, durante as filmagens da série “O auto da compadecida”, adaptação da obra do paraibano.

“Disse pra ele: ‘Mestre, você se lembra daquela peça que fiz há dois anos?’. Ele respondeu, ‘Claro, claro’. Pois é, estava pensando em readaptá-la para um monólogo, não agora, mas daqui a alguns anos. Ele sinalizou que sim e, quando foi em 2011, quase 13 anos depois, fiz a adaptação e estreei no ano seguinte.”





Cada parte do espetáculo tem 20 minutos. Na aula-espetáculo, Aramis mimetiza Ariano falando sobre “a origem da peça, dos autores, do movimento armorial. Ariano ‘fala’ da versão de Aramis, que ele tinha acabado de ver, do primeiro ato, que é uma versão do teatro armorial, cujo movimento está completando 51 anos”. O ator lembra que “Ariano criou esse movimento. Na verdade ele propunha uma arte erudita brasileira, só que a partir da raiz popular da nossa cultura”.

O ator afirma que, na trilha sonora, é fácil o público perceber a porção erudita, “por causa das flautas transversas. E perceber o popular por causa dos pífanos”. Além disso, “ainda tem a flauta doce, no minueto, quando Romeu conhece Julieta durante a dança da tocha. Essa dança existe até hoje nas quadrilhas de são-joão, durante a troca de casais. Vou me situando, porém procurando manter o original. Na verdade, situo a obra mais de acordo com as comunidades regionais brasileiras”.

TRILHA 

Aramis explica que, a depender da encenação, o motivo da morte do casal é diferente do original. “Na verdade, há várias diferenças, mas o básico é igual. O mais bacana disso tudo é o cruzamento de linguagens que é a Inglaterra com o Nordeste brasileiro, ou seja, o erudito com o popular.”





O primeiro ato tem o tom da tragédia e o segundo, da comédia. “Nessa versão que faço, sou acompanhado pelos músicos Zé da Flauta, que já toca com Alceu Valença há mais de 30 anos. Ele fez a trilha sonora do poema para mim. Aliás, ele não só fez a trilha, como também colocou as flautas transversas, doce, pífanos e ainda convidou o Tuca Araújo, amigo em comum, para tocar uma viola de 12 cordas. Então, a música ficou bem armorial”, comenta Aramis.

O ator também convidou Dantas, filho de Suassuna, para fazer o cenário. “Sei que, além de artista plástico, ele é cenógrafo. Ele fez uma pequena arena para que eu pudesse ter o meu território emocional sagrado. O figurino é da também pernambucana Luciana Buarque, que reencontrei durante as gravações da série ‘Hoje é dia de Maria’, dirigida por Luiz Fernando Carvalho.”


Antes da pandemia do novo coronavírus, Aramis Trindade levou o espetáculo a diversas comunidades e escolas. “Pego um mecenas, no bom sentido da palavra, um fomentador, um empresário que me compra apresentações. Aí faço de graça na comunidade. Já fiz mais de 30, e as crianças adoram”, diz. Ele conta, que, certa vez, após a encenação em uma comunidade, uma criança se aproximou dele e perguntou: “O senhor é de qual estrangeiro?”. 





“Isso por causa do sotaque do personagem que imprimo no primeiro ato. Um narrador que é um misto de ator, cordelista, vaqueiro e homem do Nordeste. Ele tem o principal elo com o espírito mágico dos folhetos e fala da cultura popular.”

 Aramis Trindade está no elenco de "Nos tempos do imperador", próxima novela das 18h da Globo, e na nova temporada da série "Cine Holliúdy". Ele também rodou o longa-metragem "Depois do trem", de Joel Pizzini, no papel do protagonista, Joaquim Cardozo.

Com 42 anos de carreira no teatro, no circo, no cinema e na TV, o ator tem no currículo mais de 40 peças, 70 filmes, 28 séries e 12 novelas. Ele já foi o Visconde de Sabugosa no “Sítio do pica-pau amarelo”, o Cabo Setenta em “O auto da compadecida” e o Tenente Lindalvo de “Baile perfumado”, pelo qual recebeu o troféu Candango de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília. 

“ROMEU E JULIETA, CORDEL DE ARIANO SUASSUNA”
Monólogo com Aramis Trindade. Nesta sexta-feira (27/3) e sábado (28/3), às 21h, com transmissão gratuita pelo Instagram do ator.




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