Foi numa noite de insônia da diretora Monique Gardenberg (“Benjamim”, “Ó paí, ó”, “Paraíso perdido”) que nasceu a ideia para a primeira série original de ficção brasileira da Amazon Prime Video, que estreia nesta sexta-feira (26/3).
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No primeiro episódio, "Hipocondríaco", somos apresentados a João (Gregório Duvivier), um verdadeiro paranoico da pandemia. Dominado pelo medo, o personagem se isola em seu quarto e se recusa a compartilhar o mesmo espaço com os familiares, com receio de ser contaminado pelo vírus. Mesmo distante da rotina doméstica, ele perturba a dinâmica da casa, impondo normas rígidas para manter a mãe, a esposa e o filho seguros.
O limite entre a cautela necessária e responsável para deter a disseminação do vírus e o distúrbio do pânico que ele pode provocar é o tema do episódio. Trazer o riso de forma consciente para este contexto de crise sanitária mundial era um dos objetivos da diretora.
“Vejo a comédia com uma função corretiva. Com muito jeito, ela coloca um espelho diante da sociedade que está refletindo tudo, tanto sua graça como a feiúra. Esse foi o meu norte, usar a comédia como uma chave para a crítica impiedosa”, diz Monique, que divide a direção da série com Charly Braun, Pedro Coutinho e Rafael Primot.
Na opinião de Duvivier, "Hipocondríaco" demonstra como o confinamento pode exacerbar as desigualdades de gênero. “É o homem que pode se trancar no quarto e não ver a própria família, colocando o seu corpo em primeiro lugar. Tem algo na hipocondria desse personagem que é machista, e a série fala disso com certeza”, afirma.
Para o ator, trabalhar na encruzilhada entre a comédia e o drama é o grande barato. “É um desafio, claro, porque você está o tempo todo esbarrando na percepção da nossa mortalidade e no potencial de depressão, mas, ao mesmo tempo, pode ser um grande impulso para gargalhar de tudo isso. As coisas que eu mais gosto fazem rir e emocionam”, afirma.
Em “Colapso”, a relação entre o investidor do mercado financeiro Edgar (Gabriel Godoy) e seu porteiro Zé (Rafael Portugal) expõe o contraste de visões sobre o enfrentamento à pandemia entre classes sociais diferentes.
Enquanto um, protegido em casa, defende a retomada das atividades econômicas a qualquer custo, o outro se preocupa com sua saúde por ser obrigado a continuar trabalhando em condições de risco.
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Confira as principais atrações das plataformas de streamingFilme 'Cabras da peste' aposta na brasilidade e lidera o Top 10 da NetflixDocumentário 'Fake famous', da HBO, revela esquema de compra de seguidores'The Nevers' é suspense sobre mulheres com estranhos poderes'Falcão e o Soldado Invernal' tem tragédia global semelhante à da pandemiaSérie espanhola 'La templanza' segue a trilha romântica de 'Bridgerton'Gabriel Godoy aprovou a abordagem sensível como uma maneira de conscientizar os espectadores. “Acho sensacional conseguir de uma forma cômica, leve dar uma porrada de reflexão”, comenta.
O roteiro fez o ator se lembrar da primeira morte por coronavírus registrada no Brasil, a de uma doméstica do Leblon, no Rio de Janeiro, infectada pela patroa, que regressara de uma viagem à Itália. A pandemia, na opinião do ator, teve o efeito de acelerar e escancarar as desigualdades no país.
“A família fica paranoica, mas só está preocupada com o próprio umbigo, e os funcionários seguem trabalhando. A reflexão não é macro, ela é egoísta muitas vezes. O nosso episódio fala muito disso”, diz. Ao fim de “Colapso”, são apresentados dados que expõem a diferença na taxa de mortalidade entre ricos e pobres no Brasil durante os meses de pandemia.
Os outros três episódios são “Sem saída”, sobre um casal no início do relacionamento que passa a morar junto em virtude da pandemia; “Sexo on-line”, no qual um casal enfrenta crise financeira e ela imagina que oferecer sexo virtual será a melhor solução para recompor as receitas, e “Cinderela”, sobre um morador do morro que finge nas redes sociais viver na mansão do chefe.
Gregório Duvivier expressa admiração pela preocupação que Monique teve de abordar histórias singulares neste contexto atípico. “Não são as mesmas narrativas que a gente tem visto por aí. Isso é o que acho mais interessante, a procura por não contar a história que todo mundo já sabe. Tem toda uma quantidade de relações humanas que atravessam esse confinamento. Falar de pandemia é uma maneira de abordar a solidão, mas também solidariedade, família, amor, hipocondria e morte”, diz ele.
“5x comédia” foi produzida de forma remota, seguindo os rígidos protocolos adotados pela Amazon Prime. Os atores gravaram as cenas diretamente de casa, contando com a ajuda de familiares para segurar a câmera, fazer os enquadramentos e elaborar o cenário. Gregorio Duvivier afirma que a ausência dos colegas para contracenar foi a maior dificuldade. “Não tem o abraço, o mano a mano. Essa foi a parte mais dificil.”
O diálogo entre os personagens se deu na forma de videochamadas, mensagens e conversas telefônicas, assumindo a estética do “novo normal”. A direção utilizou recursos do cinema para iludir o público e manter a impressão de uma produção presencial.
Monique afirma que a maior dificuldade foi criar narrativas que transcendessem a residência dos atores de forma remota. "O Rafael Portugal não saiu de casa e, no entanto, (na série) ele estava no hospital, no quartinho do zelador, na portaria de um prédio, dentro de um banheiro de luxo", exemplifica.
Mesmo trabalhando a distância, a equipe se sentiu unida pelo objetivo de produzir uma série que não deixasse a desejar em relação às demais. Antes das gravações, os atores conversavam de forma on-line com todos profissionais envolvidos em um set de filmagem presencial para fazer os ajustes finais.
“A gente sempre precisa do coletivo muito unido para fazer arte. No trabalho pandêmico, isso grita. A gente precisa escutar um ao outro, senão a coisa não acontece”, afirma Gabriel Godoy.
A experiência em home office enriqueceu a bagagem da equipe. “Foi desafiador e, ao mesmo tempo, extremamente reconfortante saber que é possível fazer remotamente. A gente precisa continuar criando para suportar essa angústia”, diz Monique.
Malu Miranda, diretora de conteúdo da Amazon Prime, revela que “5x comédia" não é a primeira série ficcional produzida no Brasil, mas foi escolhida para inaugurar o catálogo de produções nacionais devido à "urgência" do tema.
“Era importante por causa do registro. Esses momentos marcam gerações. A arte tem essa função de ser um espelho da sociedade e refletir sobre isso. É uma coisa que não se esgota. Produzimos de maneira segura, delicada e sensível. Foi um grande desafio”, afirma.
A plataforma prepara o lançamento de outras 10 séries brasileiras, entre elas “Lov3”, "Sentença" e “Desajustados”. O plano é que alguns desses títulos estreiem ainda neste ano.
“5x comédia”
Série dirigida por Monique Gardenberg, com Gregório Duvivier, Rafael Portugal, Samantha Schmutz, Yuri Marçal, Thati Lopes, Katiuscia Canoro, Gabriel Godoy e Roberta Rodrigues. Disponível a partir desta sexta (26/3), na Amazon Prime Video.
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes