Jornal Estado de Minas

CINEMA

Idoso com demência de 'Meu pai' é inspirado na avó do diretor

 
Nascido em 31 de dezembro de 1937, o britânico Anthony Hopkins tornou-se o mais idoso indicado ao Oscar de melhor ator. Aos 83 anos, ele confirma sua grande fase ao concorrer pelo segundo ano consecutivo à estatueta. 





Em 2020, Hopkins foi indicado à disputa de melhor ator coadjuvante pelo papel de Bento XVI em “Dois papas”, longa internacional dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles que tem Francisco (Jonathan Pryce) como protagonista. O prêmio ficou com  Brad Pitt, por “Era uma vez em… Hollywood”, de Quentin Tarantino . 

Neste ano, o filme que deu a indicação a Hopkins é “Meu pai”, no qual interpreta um homem de sua própria idade, mas em condições de saúde física e mental totalmente opostas às suas. 

Se Hopkins é capaz de decorar textos meticulosamente e encená-los com maestria, o personagem, também chamado Anthony, é um entre tantos idosos do mundo que chegaram a essa faixa etária no limiar entre a gestão da própria vida e a perda das faculdades mentais por causa da demência





O filme dirigido pelo francês Florian Zeller conta a história desse homem que se acha ainda capaz de morar sozinho em um apartamento em Londres, enquanto sua filha insiste em contratar uma cuidadora para ele. 

Embora não apresente grandes debilidades motoras ou outro problema de saúde mais sério, a dificuldade que ele tem de se lembrar das coisas ou compreendê-las com a devida clareza é evidente. 

Um cenário quase trivial, não fosse a maneira muito particular com a qual o roteiro compartilha com o espectador a confusão mental vivida pelo protagonista. 
 

DEMISSÃO

No começo da história, ele recebe a filha Anne (Olivia Colman) em seu apartamento e é confrontado por ela sobre por que se desentendeu com a última cuidadora, que acabou pedindo demissão. 

Ele dá sua versão da rusga, dizendo suspeitar que a moça roubou seu relógio, ideia da qual a filha consegue dissuadi-lo. Anne avisa ao pai que precisará encontrar rapidamente outra profissional para acompanhá-lo, pois ela está de mudança para Paris com um novo amor que vive na capital francesa. 





Na sequência, a realidade parece ser outra. Anthony é surpreendido ao se deparar com um estranho, interpretado por Mark Gatiss, em seu apartamento. Ele afirma ser marido de Anne e dono do imóvel. A filha aparece, e o pai não a reconhece, em um dos momentos em que ele parece claramente se confundir. 

Em boa parte das cenas, quase todas ambientadas dentro do mesmo apartamento, quem assiste é guiado pela percepção de Anthony sobre os acontecimentos e pessoas ao seu redor. 

O apartamento é realmente dele? Anne é casada ou acabou de encontrar um novo companheiro depois de um tempo solteira? As questões surgidas para Anthony, que ainda imagina ter certeza em relação a algumas delas, deixam o espectador permanentemente em dúvida.

Em algumas cenas, Anne tem a aparência da atriz Olivia Williams, como naquela em que o pai não reconhece a filha. Por sua vez, o personagem Paul, apresentado como marido de Anne, se alterna entre os atores Mark Gatiss e Rufus Sewell. 





ANGÚSTIA

Com esse embaralhamento de identidades, é possível acompanhar a angústia desse protagonista, relutante em aceitar sua situação. As coisas ficam mais fortes quando chega Laura, a nova cuidadora, interpretada por Imogen Poots. 

Anthony diz que ela se parece muito com sua outra filha, que, por algum motivo desconhecido do espectador, está ausente. Sem necessariamente responder a todas essas dúvidas, o filme coloca tal confusão como a realidade estabelecida para o personagem. 

Paralelamente, há o lado de Anne, tão bem vivido por Olivia Colman que deu à atriz vencedora do Oscar em 2019 por “A favorita” uma nova indicação, desta vez como coadjuvante. 

A filha precisa de sensibilidade para lidar com a situação de fragilidade do pai, ao mesmo tempo em que sofre com os rompantes da personalidade dele, cada vez mais afetada pela idade. Ele não vê problemas em constrangê-la, por exemplo, falando que a irmã sempre foi sua preferida, entre outras agressões.

“Meu pai” se centra na busca de Anne por uma solução digna para os problemas do pai e os reflexos emocionais da situação na relação entre pai e filha. As qualidades do longa foram reconhecidas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood com um total de seis indicações ao Oscar. 





Além das já citadas para Hopkins e Colman, o filme concorre a melhor roteiro adaptado (Christopher Hampton e Florian Zeller), melhor edição, melhor design de produção e melhor filme. 

Olivia Colman, que interpreta a filha do protagonista, também concorre a uma estatueta no próximo dia 25 (foto: Califórnia Filmes/Divulgação)

DEMÊNCIA

Zeller disse ao site norte-americano Deadline que seu interesse por contar essa história está relacionado ao fato de sua avó, que era como uma mãe para ele, ter começado a desenvolver demência quando ele tinha 15 anos. A partir dessa experiência pessoal, buscou uma história mais universal. 

“Todo mundo tem um pai e todo mundo tem, ou terá, que lidar com esse tipo de dilema agora, ou seja, o que você faz com as pessoas que ama quando elas estão começando a perder o rumo? ”, declarou. 

Dramaturgo, Florian Zeller escreveu originalmente uma peça teatral e contou com a ajuda de Christopher Hampton para adaptá-la para o cinema. “Meu pai” é sua estreia como diretor de filmes. Ele contou que pensou em Hopkins para o papel desde quando começou a escrever a peça. Tanto é assim que deu ao personagem a mesma data de aniversário do ator. 

Anthony Hopkins elogiou o roteiro do longa e a parceria com Olivia Colman no set, em entrevista à revista The New Yorker . “Na nossa primeira cena juntos, ela entra na sala e diz: ‘O que está acontecendo? O que aconteceu?’. E eu digo: ‘O que você quer dizer com o que aconteceu?’. São frases que, obviamente, significam irritação ou irascibilidade. Se você trabalha com alguém como Olivia, tudo se torna muito fácil”, disse. 





Ele observou que “atuar não é obrigatório”. E ponderou: “Acho que, por ter 83 anos, estou mais perto dessa idade, daquela idade perigosa em que isso poderia acontecer. Espero em Deus que não. É por isso que toco piano, pinto e aprendo poesia”. 

Vencedor do Oscar de melhor ator em 1992, por “O silêncio dos inocentes”, e indicado em outras quatro ocasiões anteriores, Anthony Hopkins disputará a estatueta com Riz Ahmed (“O som do silêncio”), Steven Yeun (“Minari – Em busca da felicidade”), Gary Oldman  (“Mank”) e Chadwick Boseman, que concorre ao Oscar póstumo por “A voz suprema do blues” e é considerado favorito. 

A cerimônia de entrega das estatuetas será em 25 de abril. A previsão é de que “Meu pai” chegue às plataformas de streaming no Brasil no próximo dia 7. 

Ator e sua única filha têm relação rompida

Se em “Meu pai” o personagem de Anthony Hopkins tem uma intensa relação paternal, na vida real o ator britânico vive uma situação bem diferente. Entre 1967 e 1972, ele foi casado com Petronella Barker, com quem teve Abigail Hopkins, sua única filha, nascida em 1968 (52 anos). 





Porém, Anthony não a vê, nem sequer fala com ela, há cerca de 20 anos. Ele assume isso publicamente. Em 2018, o assunto veio à tona na mídia internacional e ele confirmou o rompimento em entrevistas. 

“Não acho que eu tenha sido frio, eu não sou uma pessoa fria. As escolhas dela são as escolhas dela. Eu fiz o melhor que pude, mas ok, caso alguém não queira fazer parte da minha vida, tudo bem. Vá e faça o que quer que você queira”, declarou ao diário britânico The Times.

Nessa mesma época, o ator declarou que não fazia ideia de como era a vida da filha e não sabia nem mesmo se ela tinha tido filhos e, consequentemente, se ele era avô. “Pessoas se separam. Famílias se separam e, você sabe, a vida segue. As pessoas fazem escolhas. Eu não me importo, de uma forma ou de outra”, afirmou, em outra entrevista.





No começo dos anos 1990, os dois até tinham algum contato, quando ela iniciava uma carreira artística, que incluiu pequenas participações no cinema. Abigail atuou, por exemplo, no filme “Vestígios do dia” (1993), estrelado pelo pai. Hoje é cantora, compositora e diretora de teatro.

Em 2006, ela contou ao também inglês The Telegraph que, durante a infância e a adolescência, via o pai no máximo uma vez por ano. Abigail Hopkins disse ainda que enfrentou problemas sérios relacionados ao abuso de álcool e tranquilizantes e teve depressão. Tudo isso, disse ela, teve relação com a ausência do pai. 

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