Fundada em 2005, a Aquela Companhia de Teatro imaginava um 2020 de grandes encontros com o público para celebrar seus 15 anos de existência. Com a pandemia, esse plano teve que ser modificado, e o grupo carioca fará suas comemorações virtualmente, oferecendo ao público a mostra “Aquela Cia de teatro: 15 anos + 1”, viabilizada pela Lei Aldir Blanc.
Entre esta segunda-feira (29/3) e a próxima quinta (1º/4), serão exibidos alguns dos principais espetáculos do repertório da companhia, além de algumas novidades e debates com convidados.
Principal processo criativo do coletivo nesse período, a chamada “Trilogia carioca”, que engloba os espetáculos “Cara de cavalo” (2012), "Caranguejo overdrive" (2015) e "Guanabara canibal"(2018), é a principal atração. A gravação de cada uma das três peças será exibida na íntegra e gratuitamente, no canal da companhia no YouTube.
Focadas no resgate histórico da construção social da cidade do Rio de Janeiro, elas serão debatidas por personalidades, logo após a transmissão. Em seguida, a companhia ainda apresentará releituras das montagens, elaboradas durante a pandemia.
Além disso, parte da inédita "Chega de saudade!", nova produção da Aquela Companhia sobre o surgimento da bossa nova, será mostrada. "É um olhar para o nosso repertório, para 15 anos de produção, mas apontando para a frente, para essa linguagem digital", afirma o dramaturgo e diretor Pedro Kosovski, um dos fundadores do grupo.
''Esses últimos oito anos foram de um adensamento histórico sufocante no Brasil e no mundo, muitas vezes com uma sensação de terror. Mas a arte e a cultura são os únicos caminhos possíveis para se relacionar com isso''
Pedro Kosovski, dramaturgo e cofundador da Aquela Companhia
Em "Cara de cavalo", a dramaturgia visita as origens da violência urbana no Rio e suas ligações com o poder do Estado, os militares e a polícia. Já "Caranguejo overdrive", concebida no contexto da Olimpíada de 2016, que se aproximava, o tema é a gentrificação e a desigualdade na ocupação do espaço urbano percebidos na capital carioca. A mais recente, "Guanabara canibal", aborda a resistência da população indígena originária da região, duramente atacada ao longo da história.
Embora falem do passado, os trabalhos ganham nova interpretação no caótico presente do Brasil. "O teatro e as artes carregam a possibilidade de a gente ensaiar a vida", diz Kosovski. Segundo ele, as peças da trilogia mostram "feridas e violências que foram justificadas pela teatralização da nossa história, que é uma construção que justifica certos interesses e genocídios que presenciamos e continuamos a presenciar".
Para o dramaturgo, a possibilidade de refletir sobre o passado é a chave para se entender o presente. "Essas obras partem de certa relação com a memória e com a história. Enquanto artistas, tocamos no que acontece de mais emergente e presente no nosso momento”, diz.
“Uma das melhores perspectivas para tocar no presente é abrir a memória e o tempo. Assim foi a trilogia e assim será com 'Chega de saudade'. Elas permitem um olhar da cultura para a história brasileira, construída através de tantos traumas que voltam de tempos em tempos."
Como exemplo, ele cita "Cara de cavalo", lançada em 2012. "Naquela época, alguns temas estavam adormecidos. O ano seguinte, 2013, foi um marco. Esses últimos oito anos foram de um adensamento histórico sufocante no Brasil e no mundo, muitas vezes com uma sensação de terror. Mas a arte e a cultura são os únicos caminhos possíveis para se relacionar com isso", afirma Kosovski.
Parceiro em toda a trajetória da companhia, o diretor Marco André Nunes destaca o caráter retrospectivo da mostra virtual. "Queremos não só trabalhar com o lançamento do 'Chega de saudade!', que é inédito, mas com a possibilidade de refletir, de olhar para trás, sobretudo nesse momento tão difícil, na tentativa de olhar para o passado para entender o presente", diz.
Nunes reforça que esse processo reflexivo será ampliado com a participação dos convidados, após a exibição da gravação de cada peça. "É importante ampliar o pensamento sobre os espetáculos. Não vamos conversar apenas sobre eles, mas sobre as questões que cada um aborda. Então vamos falar de segurança pública, de urbanização, que tantas vezes é impositiva, do início traumático do povoamento do Rio de Janeiro, sobre como se tentou dizimar a população e sua cultura", enumera.
A lista de convidados inclui a arquiteta e vereadora eleita pelo PT-RJ Tainá de Paula, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, o filósofo Ailton Krenak, a escritora Eliane Potiguara e o músico Roberto Menescal. Após as conversas com eles, serão exibidos os experimentos visuais inéditos sobre a trilogia carioca, gravados na pandemia, "com a linguagem das lives", segundo Pedro Kosovski, e também a prévia de "Chega de saudade!", que o grupo pretende apresentar na íntegra ainda neste ano.
Agenda
Confira a programação comemorativa aos 15 anos de fundação d’Aquela Companhia de Teatro
» Segunda-feira, 29/3
"Cara de cavalo"
• 19h – Exibição do espetáculo gravado em 2012, no Teatro Tom Jobim (RJ)
• 20h30 – Conversa com Luiz Eduardo Soares
• 21h30 – Experimento audiovisual : "Cara de cavalo 2021"
» Terça-feira, 30/3
"Caranguejo overdrive"
• 19h – Exibição do espetáculo gravado em 2019, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto (RJ)
• 20h30 – Conversa com
Tainá de Paula
• 21h30 – Experimento audiovisual : "Caranguejo overdrive 2021"
» Quarta-feira, 31/3
» Quarta-feira, 31/3
"Guanabara canibal" (foto)
• 19h – Exibição do vídeo gravado em 2017, no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ)
• 20h30– Conversa com Ailton Krenak e Eliane Potiguara
• 21h30 – Experimento audiovisual: "Guanabara canibal 2021"
» Quinta-feira, 1º/4
"Chega de saudade!"
• 20h30 – Conversa com Roberto Menescal
• 21h30 – Experimento audiovisual: "Chega de saudade!"