O sonho americano desfeito no país que divide os cidadãos em vencedores e perdedores, sem dar segunda chance a quem fracassou. Esse é o fio condutor de “Vidas à margem”, criação do Grupo Tapa. Neste sábado (3/4), a exibição da peça faz parte do Festival de Verão Online, promovido pelo coletivo, com espetáculos gravados no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, e transmitidos pela plataforma Zoom.
O projeto conecta o Brasil à América dos perdedores, tema recorrente na dramaturgia dos EUA no século 20, abordado em peças de Tennessee Williams, Eugene O'Neill e Arthur Miller, entre outros. Na trama, um casal enfrenta a dificuldade de se relacionar em meio a dificuldades financeiras e à exclusão social, no contexto da depressão provocada pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.
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Aglomeração está liberada. Mas só lá do outro lado do planeta...Trilogia da Cia. Acidental põe direita e esquerda brasileiras na berlindaNatalia Timerman desnuda sem pudor vulnerabilidade femininaPrimeira edição on-line do Festival Criatura aposta na diversidadeTIETÊ O diretor Eduardo Tolentino, um dos fundadores do grupo Tapa, afirma que o texto remete ao Brasil contemporâneo. “Vivo no Centro de São Paulo e vejo muita gente similar aos perso- nagens. A gente vive uma crise, sobretudo neste momento, com a informatização e a perda dos empregos. Na peça, são duas histórias passadas entre o Hudson River e o East River, em Nova York, mas poderia ser aqui em São Paulo, entre o Tietê e o Pinheiros”, compara.
“Vidas à margem” também questiona a ilusão amorosa difundida pela indústria cultural norte-americana. Tolentino lembra que o ideal romântico do século 19 atribuía o impasse das relações unicamente às regras da sociedade, desconsiderando adversidades no âmbito da convivência amorosa.
“O problema é a diferença que surge quando duas pessoas vão viver juntas. As pessoas se iludem, acreditando que ser movido por desejo, pela libido, vai sustentar uma relação. Mas aparecem diferenças profundas e cobranças”, comenta.
O diretor define “Vidas à margem” como “história de desamor” em meio a um cenário de crise, como a que se vive agora. “Em vez de se unirem, quantos casais se separaram ao longo da pandemia? É muito difícil. Vivemos num mundo idealizado que acredita no sucesso material, mas o conto de fadas se desfaz quando a situação aperta. Isso está muito presente no cenário que estamos vivendo, com milhões de desempregados, inflação lá em cima e juros subindo. Como as relações se sustentam em meio a isso?”, questiona.
A peça é protagonizada pelo casal Flávio Tolezani e Natalia Gonsales. Contar com atores casados foi fundamental para produzir o espetáculo durante a pandemia. “Permitiu, inclusive, que eles tivessem intimidade física em cena, pois vivem juntos e não ficam expostos ao vírus. Não tem o menor problema eles se aproximarem, se tocarem, se abraçarem e se beijarem”, comenta o diretor.
O grupo produziu peças on-line de novembro a janeiro, mantendo a média de uma gravação por semana. “Foi um exercício muito legal, porque a gente estava num ritmo muito violento, nunca trabalhei tanto como na pandemia. Ensaiava uma coisa de manhã, outra de tarde e outra de noite. No fim de semana, uma delas era gravada”, revela.
APRENDIZADO A experiência foi útil para investigar novas linguagens. Mesmo atores com experiência em cinema e televisão tiveram de descobrir como transitar no meio on-line. Porém, Tolentino avisa: “Teatro on-line não é teatro, cinema e nem televisão. É outra via completamente diferente, que estamos experimentando e da qual não queremos abrir mão neste momento. São coisas que estamos aprendendo, assim como um dia a gente aprendeu a fazer teatro”, explica.
O novo meio possibilitou ao grupo expandir fronteiras e alcançar diferentes públicos, sem os custos de deslocamento dos eventos presenciais. “A gente vem observando o acesso de pessoas que nunca nos assistiram no teatro. Tem gente vindo da Austrália, Londres, Acre e do Rio Grande do Norte. É muito legal saber que você pode ter comunicação sem depender de um satélite, de uma rede de televisão ou do broadcast, que custa uma fortuna”, afirma o diretor.
*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria