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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Trilogia da Cia. Acidental põe direita e esquerda brasileiras na berlinda

Série on-line aborda a atuação do presidente Bolsonaro e o fracasso da oposição em conquistar apoio popular em 2018. Ódio e medo são temas do projeto


03/04/2021 06:00 - atualizado 03/04/2021 07:33

Atores da Cia. Acidental discutem impasses da sociedade brasileira na trilogia
Atores da Cia. Acidental discutem impasses da sociedade brasileira na trilogia "Afetos políticos" (foto: Cacá Bernardes/divulgação)

A Cia. de Teatro Acidental lança, neste sábado (3/4), dois vídeos da trilogia “Afetos políticos”, que investiga os sentimentos presentes na evolução da crise da democracia vivida pelo país desde junho de 2013. Formado por ex-alunos da Unicamp, o grupo começou estudando a relação do ódio com a ascensão da extrema- direita brasileira em “O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer” (2014), peça inspirada na beligerância crescente nas redes sociais e na atuação de Jair Bolsonaro, ainda deputado federal, e de seu guru, Olavo de Carvalho.
No início, a companhia não pretendia transformar o projeto em trilogia. Porém, a partir do avanço da crise política e dos debates em torno dela, surgiu o mote para o segundo ato, “E o que fizemos foi ficar lá ou algo assim” (2019), que aborda o medo que fez setores da classe média erguerem “muros”, influenciados pela “lógica do condomínio”, conceito desenvolvido pelo psicanalista Christian Dunker.

AUTOCRÍTICA Depois da eleição do presidente Jair Bolsonaro, a companhia decidiu aprofundar a reflexão sobre os impasses enfrentados pelo espectro político progressista. “Na atual situação, faz pouco sentido focar nossas energias em falar novamente sobre a direita. A gente já reparou que não tem diálogo entre esquerda e direita nos dias de hoje. Então, parecia mais eficaz falar sobre nós mesmos. Nesse sentido, é uma forma de autocrítica”, afirma o dramaturgo Artur Kon.
 

"Nós (progressistas) tentamos fazer as pessoas sentirem culpa por votar no Bolsonaro, com argumentos relacionados ao regresso de políticas sociais, à privação de direitos e à ameaça às minorias. Por mais que esse tipo de lógica pareça racional, ela é pouco mobilizadora"

Artur Kon, dramaturgo

 
 
No experimento cênico que estreia neste sábado (3/4), o coletivo paulista compartilha com o público sua pesquisa para a elaboração de “Culpa”, o terceiro e último ato da trilogia. Dirigido por Artur Kon, Chico Lima, Mariana Dias, Mariana Otero e Mariana Zink, o projeto questiona a ação da esquerda para combater os sentimentos de medo e ódio durante as eleições de 2018.
 
“Nós (progressistas) tentamos fazer as pessoas sentirem culpa por votar no Bolsonaro, com argumentos relacionados ao regresso de políticas sociais, à privação de direitos e à ameaça às minorias. Por mais que esse tipo de lógica pareça racional, ela é pouco mobilizadora. A culpa é muito mais paralisadora que mobilizadora. Isso talvez explique o fracasso em 2018”, diz Artur Kon, que assina o último ato da trilogia “Afetos políticos”.
 
Com base nessa provocação, o grupo passou a debater formas de combater o ódio e o medo, em busca de uma solução para a polarização política no Brasil. “Não vamos conseguir mobilizar o outro lado (a direita) falando que eles são horrorosos. Talvez a gente precise repensar nossas estratégias. Por isso, ‘Culpa’ surgiu”, comenta Kon.
 
Em vez de discutir o “golpe” ou a ascensão de Bolsonaro, o grupo aborda discursos e afetos em torno do contexto político atual, por meio de “A decisão” (1930), do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Nessa trama, um grupo de agitadores da União Soviética viaja para a China para impulsionar a revolução comunista local. Porém, um daqueles militantes, jovem idealista e impaciente, é sacrificado ao pôr em risco o movimento e a vida dos colegas. Depois de tomar a difícil decisão, o grupo precisa explicá-la ao Coro de Controle da URSS.
 
Brecht acreditava que esse roteiro seria a oportunidade de experimentar diferentes papéis de uma história e desenvolver posições em relação a ela. Um exercício para ser feito por todos – sem divisão entre atores e público –, para que juntos pudessem discutir a realidade e aprender com ela.
Para Artur Kon, a obra de Brecht se conecta com o tema da culpa e o atual contexto político brasileiro por meio do militante “que atrapalha a revolução porque queria muito fazer essa revolução”. “Isso significa que não basta estar do lado certo, ter razão, ficar do lado dos oprimidos. É preciso agir corretamente, ter ação produtiva. Esse é o mote da peça”, explica.
 
O projeto se divide em duas séries de vídeo. No “Lado A”, o grupo encena “A decisão”, inspirado na estética das novas mídias digitais, como o aplicativo Tik Tok. Videochamadas, por exemplo, oferecem “janelas” para simular o Coro de Controle que julga a decisão dos agitadores. Assim como nos memes difundidos pelas redes sociais, os atores, algumas vezes, desempenham mais de um papel no enredo.
 
“Isso era muito interessante, fazia total sentido para nosso material. A gente queria que fosse divertido. Geralmente, a peça didática de Brecht é tratada como algo solene, chato e elitista. Mas ele sempre disse que teatro deve ser divertido e dar prazer ao público. Isso nos cativou”, comenta Artur Kon. A ideia é adaptar as questões colocadas por Brecht ao Brasil contemporâneo.
 
INCONSCIENTE No “Lado B”, a montagem experimental “E se a porta cair seguiremos sentados apenas mais visíveis” traz discursos de figuras abstratas explicando e defendendo suas posições. “A ideia é captar o discurso hegemônico que nunca se explicita como tal, ele é um pouco inconsciente. Na vida, o que a gente ouve são pequenos fragmentos dele. A ideia é trazer à tona o que seriam essas manifestações ao juntar fragmentos e reconstituir esse discurso”, revela Artur Kon.
 
O dramaturgo conta que o desafio foi enorme, mas ficou contente com o resultado. “Estamos muito curiosos para as pessoas assistirem. Acho que (o projeto) cumpre o objetivo de experimentar e propor algo para ver que debate vai surgir dali.”
 
Neste sábado (3/4), será lançado o prólogo do projeto. Ao longo de nove semanas, dois episódios de cada série serão disponibilizados on-line gratuitamente para o público, com apoio da Lei Aldir Blanc.
Ao fim da experiência, a Cia. de Teatro Acidental planeja lançar a peça definitiva no palco, ainda sem previsão de data devido ao avanço da pandemia.

*Estagiário sob supervisão da  editora-assistente Ângela Faria
 
“CULPA”

Trilogia “Afetos políticos”, com Cia. de Teatro Acidental. Estreia hoje (3/4), às 20h. Dois episódios de cada série (“Lado A” e “Lado B”) serão disponibilizados ao longo de nove semanas, aos sábados. Gratuito. Transmissão pelo Facebook e YouTube da Oficina Cultural Oswald de Andrade e no site da Cia. de Teatro Acidental 


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