O cantor, ator, agitador cultural – e agora compositor – Pedro Miranda chega ao quarto disco, o primeiro com faixas autorais. “Da Gávea para o mundo” (Biscoito Fino) foi produzido pelo violonista, arranjador e compositor carioca Luís Filipe de Lima, que já trabalhou com Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Nei Lopes e Elza Soares, entre outras estrelas do samba.
Apenas uma das sete canções foi composta durante a pandemia: “Vontade de sair”, parceria de Pedro com Cristóvão Bastos. “Comecei a investir nesse projeto depois do meu terceiro disco, ‘O samba original’, que conquistou o Prêmio da Música Brasileira em 2017. Deu vontade de gravar coisas minhas. Como os shows foram diminuindo, pensei que poderia pintar alguma grana com direito autoral”, conta.
MAXIXE
Miranda decidiu se esforçar para compor, porém nada muito metódico. “A primeira que saiu foi ‘Pó pará’, parceria com o João Cavalcanti. Disse pra ele: ‘Estou com umas melodias aqui, você não quer botar umas letras nelas?’. Pelo celular, João mandou um maxixe meio salseado”, relembra.
Ainda inseguro, Pedro foi recebendo retorno positivo de melodias e letras que mostrava aos amigos. “Vi que não precisava ser igual ao Chico Buarque, Cartola ou Dona Ivone Lara. O que faria seria único, algo que somente eu poderia fazer”, comenta.
Gravado em fevereiro de 2021, o álbum traz 10 faixas, além de participações especiais de parceiros de Miranda nos projetos Samba da Gávea, Forró da Gávea e Choro na Rua, que transformaram o Bairro da Gávea, onde ele mora, em polo cultural carioca.
Três faixas não foram compostas por Pedro: “Da Gávea para o mundo” (Luís Filipe de Lima e Joyce Moreno), “Samba da Gávea” (João Batista de Oliveira e Osvaldo Lobo) e “Umbigo” (Cezar Mendes e Arnaldo Antunes). As outras são parcerias dele com João Cavalcanti (“Pó pará”), Cristovão Bastos (“Vontade de sair”), Alfredo Del-Penho (“Desengaiola”), Rodrigo Linares (“Camboinhas”), Moyseis Marques (“Meu pecado é sorrir”), Ricardinho Matos (“De mirada em mirada”) e Jean Garfunkel (“Remanso do avô”).
Miranda integrou o Grupo Semente ao lado de Tereza Cristina, João Callado, Bernardo Dantas e Ricardo Cotrim. Cria da Lapa carioca, dedicou-se à carreira e se cansou de ouvir que suas interpretações têm algo de autoral. “Diziam que as músicas pareciam ser minhas, embora não fossem. Parece que me aproprio do repertório”, comenta. “Comecei a compor e quando percebi, já tinha canções para fazer um disco inteiro.”
AUTOAJUDA
No caso de João Cavalcanti, Miranda fez a melodia. Com Alfredo Del-Penho o processo foi inverso. “Bati cabeça até sair a letra de ‘Desengaiola’. Engraçado, quando mostrei para ele, não havia gostado do que tinha escrito. Era quase um samba de autoajuda. Mas Alfredo adorou, acabou abrindo o disco dele com ela. Aí, percebi: não é que tem mesmo um borogodó?”.
O compositor estreante conta que “a que doeu menos” foi “Meu pecado é sorrir”, letrada por Moyseis Marques. “Não sei se estava mais seguro, mas fiquei menos envergonhado, menos crítico.”
O “auge”, segundo ele, foi quando recebeu a melodia de Cristóvão Bastos. No início, Pedro propôs um dueto. “Mandava mensagens e ele respondia: ‘Vamos ver, estou meio enrolado’. Acho que queria escapar desse negócio de dueto”, diverte-se. Mas Bastos lhe sugeriu escrever a letra. “Pensei: Deus do céu, o que falo agora? Fazer letra para uma melodia de Cristóvão Bastos, quanta honra! Respondi: faço. Certo dia, acordei, abri a janela, estava um tremendo sol, um dia lindo e a gente sem poder sair de casa. De uma tacada só, meio aos prantos, surgiu ‘Vontade de sair’”.
Bastos aprovou, achou que a canção remetia a Dorival Caymmi e estimulou Miranda a escrever a segunda parte. “A primeira era meio sofrimento (com a pandemia), a segunda seria o que eu gostaria de fazer. Aí me deu o estalo de falar dos eventos da Gávea, do choro, do samba e do forró.”
Aliás, o bairro da Zona Sul carioca é quase “parceiro” do disco. “Pensei: promovo um evento de forró, tenho de cantar uma música minha nele. Gravei com a própria turma do Forró da Gávea. E fui convidando coletivos tão importantes pra mim ao longo dos anos. Há um samba de 1942 gravado pela turma do Samba da Gávea, por exemplo. Quem nos apresentou essa (canção) foi o Carlos Monte, pai da Marisa Monte.”
PRAÇA
O primeiro álbum autoral de Pedro Miranda traz, segundo ele, “muita história” relacionada às atrações que promove. “O choro na praça de que falo nas músicas era promovido pela gente uma vez por mês na rua.”
A inspiração não veio apenas do Rio de Janeiro. Em 2019, Miranda se apresentou no Festival Choro Jazz , na praia cearense de Jericoacoara. “Conheci o Ricardinho Matos, que tem uma roda de samba e um forró lá, o Forró Detrás da Igreja, com o grupo Baião de Quatro. Fiquei impressionado com eles.” Resultado: Ricardo Matos virou parceiro em “De mirada em mirada”.
“DA GÁVEA PARA O MUNDO”
De Pedro Miranda
Biscoito Fino
10 faixas
Disponível nas plataformas digitais