Cantora, compositora e atriz nascida no Rio de Grande do Norte, Juliana Linhares mora há mais de 10 anos no Rio de Janeiro, mas nunca se acostumou com a maneira como o Sudeste enxerga sua região natal.
Após assistir à peça ''A invenção do Nordeste'', do Grupo Carmin, baseada no livro de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ela decidiu tratar dos estereótipos regionais em seu recém-lançado disco de estreia, ''Nordeste ficção'', disponível nas plataformas digitais.
''Quando eu vi a peça, fiquei muito mexida'', conta. ''Primeiro, porque o grupo é potiguar; segundo, porque eles ganharam prêmio de melhor espetáculo no Rio, concorrendo com peças locais; e terceiro, porque o tema é impressionante. O Nordeste é a única região inventada do país. E é muito interessante pensar o que ele representa hoje para o país, tanto em termos de riqueza e política, quanto submissão.''
Por ser ela mesma uma ''retirante'', a artista sente na pele o que é carregar os estereótipos associados a quem veio do Nordeste do país. ''Não vivi a maioria deles. Não passei fome, não vivi a seca, o sol, a chita. Meu sotaque e o lugar de onde venho carregam um monte de sentimentos mitificados'', afirma.
Nas 11 faixas que compõem o trabalho, Juliana tentou criar uma nova ideia de Nordeste, recorrendo a grandes referências da música brasileira e atualizando-as.
PONTES
''Meu disco é uma tentativa de abrir a chama da questão. Quero fazer pontes. Mostrar a dimensão maior da música regional. Passear por referências plurais. É a visão do Nordeste não como um, mas como muitos, que as pessoas ainda nem conhecem. É a invenção de um Nordeste que pode ser inventado de novo'', diz.
Para isso, ela contou com a ajuda de Elísio Freitas, que assina a produção, e Marcus Preto, responsável pela direção artística. ''Nordeste ficção'' é um disco construído a muitas mãos. Entre os célebres músicos que ajudaram a compor o trabalho estão Tom Zé, autor de ''Aburguesar'', e Chico César, que compôs as melodias de ''Lambada na lambida'' e ''Embrulho''.
Juliana Linhares divide ''Meu amor afinal de contas'' com Zeca Baleiro. A faixa, lançada como single para anunciar o álbum, ganhou clipe dirigido por Mariana Moraes em que os cantores interagem virtualmente.
De acordo com a cantora e compositora, o trabalho funciona como uma ode aos álbuns lançados por músicos nordestinos entre as décadas de 1970 e 1980. ''É aquele momento em que a música nordestina era revolucionária. E isso também representa uma saída do esteriótipo'', afirma.
Em relação a outras faixas do álbum ela tem uma ligação afetiva. '''Tareco e mariola' é uma música que cantei a minha vida inteira. Já 'Bolero de Isabel' conheci ainda adolescente'', conta.
O disco traz ainda ''Bombinha'', a primeira faixa, que foi escrita pelo cantor e compositor sueco radicado no Brasil Carlos Posada. ''Quem explode é bombinha/ Eu quero é cantar pros meus/ Deixa que eu mesmo decido/ Que rainha sou eu'', canta Juliana.
Já a derradeira ''Frivião'', composição da cantora em parceria com Rafael Barbosa, assume tom político ao falar de uma ''pessoa nefasta''.
''Nordeste ficção'' é o primeiro disco solo de Juliana Linhares, que também é vocalista da banda Pietá. O grupo, cuja formação conta com os músicos cariocas Frederico Demarca e Rafael Lorga, tem na discografia os álbuns ''Leve o que quiser'' (2015) e ''Santo sossego'' (2016). Recentemente, o trio lançou o single ''Perfume de araçá''.
Com a banda, a artista ficou conhecida pela forte presença de palco. Impedida de fazer um show de lançamento do trabalho em virtude da pandemia, ela já imagina que o retorno será uma catarse.
''Quem já me viu com o Pietá sabe que eu sou do palco. Quando penso no show do 'Nordeste ficção', imagino as brincadeiras, aquela roda punk no final. Penso no efeito de ficção que eu quero causar. Eu me jogo muito quando estou no palco e não vejo a hora de poder mostrar a potência da minha voz depois dessa pandemia.''
“Nordeste ficção”
De Juliana Linhares
Independente
Disponível nas plataformas digitais