Compreender como era o homem por trás da fama era o objetivo de Felipe Novaes com o documentário “Chorão: Marginal alado”, sua estreia na direção de longas-metragens. O filme chega nesta quinta-feira (8/4) às plataformas de streaming e também às salas de cinema, nas cidades brasileiras em que elas estão abertas, o que não é o caso de Belo Horizonte.
“As pessoas endeusavam ou demonizavam muito o Chorão. Estamos muito acostumados a ver o Chorão na mídia, aquela persona pública nas emissoras, mas fiquei muito curioso para entender quem era essa pessoa e como chegou naquele final trágico. Queria conhecer um pouco da trajetória e das contradições dele. Não precisava pesquisar muito para entender que era uma figura muito controversa”, comentou o diretor, em entrevista coletiva realizada virtualmente para a divulgação do filme.
Premiado na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2019, o documentário procura fazer um retrato multifacetado da personalidade do vocalista da banda Charlie Brown Jr., que se tornou ídolo de uma geração e morreu em março de 2013, aos 42 anos, de overdose, num período em que atravessava uma intensa crise emocional.
Além de reconstruir a trajetória da banda e contar histórias de bastidores, o filme traz depoimentos dos remanescentes do Charlie Brown Jr., de familiares e amigos de Chorão, como também de uma série de nomes da música, como Zeca Baleiro, Marcelo Nova, Rick Bonadio e João Gordo.
A produção reuniu e analisou 1.200 horas de material em vídeo, entre arquivos de TV, internet e do acervo pessoal de Chorão. Imagens da banda na estrada, de camarins e gravações apresentam a intimidade do cantor longe dos palcos.
A cena de Chorão orientando uma fã sem condições financeiras para comprar seus discos a baixar suas músicas pela Internet chama a atenção ao revelar seu lado benevolente, pouco conhecido do público em geral.
“Ali é possível condensar muita coisa, não só esse fascínio por parte dos fãs, mas também enxergar um momento muito íntimo, a entrega genuína que ele tinha em relação ao público e as suas contradições também”, afirma o diretor. “É um cara que vivia da venda de discos e direitos autorais dizendo para uma fã: baixa o som, não precisa se preocupar em gastar com isso. Aquilo me toca muito, porque você não precisa dizer muita coisa, é só mostrar.”
SENTIMENTOS
O que Felipe Novaes também tentou mostrar é que Chorão conseguia ser dócil e agressivo, talentoso e imprudente, terno e violento. Segundo relatos para o filme, um pequeno problema ganhava proporções muito maiores para o cantor.
O que Felipe Novaes também tentou mostrar é que Chorão conseguia ser dócil e agressivo, talentoso e imprudente, terno e violento. Segundo relatos para o filme, um pequeno problema ganhava proporções muito maiores para o cantor.
“Às vezes, esquecemos que os ídolos são pessoas normais como a gente, com seus problemas e suas questões. Olhando as imagens e mergulhando nessa pesquisa, ficou claro quanto o Chorão lidava mesmo com essas questões pessoais. As polêmicas também mexiam com ele. Então, às vezes, existia uma dificuldade grande dele em conseguir lidar com esses sentimentos mais dificeis que todos nós temos”, afirma o diretor.
A relação de amor e ódio entre o vocalista do Charlie Brown Jr. e o baixista Champignon exemplifica essa complexidade no filme. Champignon (1978-2013) foi recrutado para a banda aos 12 anos e acolhido por Chorão como um filho. Depois do sucesso, a amizade entre os dois, aos poucos, se tornou um poço de polêmicas, com conflitos envolvendo ciúmes e disputas internas.
Um vídeo de Chorão ofendendo e humilhando o baixista em público, durante um show, em 2012, dá a dimensão de como a relação entre os dois se deteriorou e de quanta agressividade Chorão podia dirigir a alguém do seu círculo íntimo.
"É um cara que tem um coração gigante, uma pessoa muito boa, mas, quando tem raiva de alguém, ele tem muita raiva. E ele não é do tipo de cara que perdoa", diz Champignon, num depoimento para o documentário, gravado seis meses após a morte de Chorão. Sete dias depois da entrevista para o diretor Felipe Novaes, o baixista se suicidou, em setembro de 2013, deixando a esposa que estava grávida.
“O Champignon é o silêncio mais constrangedor que a gente construiu e não estava no roteiro”, revela o roteirista e produtor executivo Hugo Prata, diretor de “Elis” (2016). Segundo ele, a equipe apresentou a obra para a sua viúva antes do lançamento. Emocionada, ela agradeceu a equipe, dizendo que o documento será útil para mostrar à filha o que aconteceu com seu pai.
FAMA
A produção se preocupou em não definir a vida de alguém a partir de uma morte precoce, utilizado o episódio para discutir outras questões. Felipe Novaes acredita que a pressão da fama teve um papel crucial para o fim de Chorão. O documentário mostra o custo do sucesso em meio à vida na estrada, distante da família, e a responsabilidade de gerir a banda e a equipe de apoio, com diversos profissionais.
Nesse contexto, o abuso de drogas é apresentado como uma forma de Chorão fugir dos seus problemas cotidianos e propõe uma reflexão sobre o tema. “Muita gente tem a ideia errada de que quem morre dessa forma (de overdose) está numa festa, alegre, curtindo a vida. Mas quase nunca é assim. A gente pode mostrar um pouco para as pessoas que aquilo (a morte) tinha um sentido, como tudo aconteceu”, afirma Felipe.
O diretor atribui a dificuldade do cantor em lidar com a imensa carga de emoções ao contexto no qual estava inserido. “O Chorão vivia nesse ambiente do rock, que é mais maculino. Nós, homens, principalmente naquela época, não fomos ensinados a lidar com as emoções do jeito que a gente conversa hoje em dia”, aponta.
“A vida pressupõe momentos legais e sofridos. Todos nós sentimos isso, em escalas diferentes. Acho que a gente está falando de um artista que sentia com um pouco mais de ímpeto. Talvez ele não tivesse tantos instrumentos para extravasar isso, a não ser na música”, comenta.
O documentário explora como, muitas vezes, o que Chorão tinha a dizer não cabia somente em suas letras, que até hoje fazem sucesso entre diferentes públicos e faixas etárias. Na opinião do diretor, a personalidade conturbada do cantor, que se definia como um “pedregulho do rock”, o impedia de extravasar algumas dores.
“O Chorão era um rapaz como todos nós, que não foi ensinado a lidar com sentimentos assim. E quando você mistura talento, intensidade, mídia, fama, as coisas às vezes desandam”, conclui Felipe Novaes.
“Chorão - Marginal alado”
Documentário de Felipe Novaes. 80 min. O filme estreia nesta quinta-feira (8/4) nas plataformas Now, Google Play, Apple TV, Vivo Play, Looke e Youtube.
*Estagiário sob a supervisão da editora Silvana Arantes