Não há como não pensar em uma matrioska na medida em que a leitura de “O enigma do quarto 622” (Intrínseca) evolui. Novo romance policial do suíço Jöel Dicker, autor do best-seller “A verdade sobre o caso Harry Quebert” (2012), ele é apresentado em camadas. A cada nova sequência, o autor vai direto para uma passagem diferente, que parece não ter referência direta com a anterior, deixando o leitor, por vezes, no vácuo.
Lançado em maio de 2020 na França, “O enigma do quarto 622” foi um sucesso de vendas naquele país, que fez de Dicker, repentinamente, um fenômeno da literatura, aos 20 e poucos anos. Somente na França, o novo livro – quinto desde sua estreia, com “A verdade sobre nossos pais” (2010) – vendeu mais de meio milhão de exemplares no ano passado.
O livro nasceu de uma perda, a morte de seu editor, Bernard de Fallois (1926-2018), fundador da Éditions de Fallois. A obra é dedicada a ele e há passagens em que o escritor fala de sua relação com o homem décadas mais velho, que Dicker considerava ser seu melhor amigo. Seus livros sempre trazem um escritor como protagonista em meio a um crime. Mas, desta vez, em vez de um alter ego, Dicker colocou a si próprio na história.
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Pandemia rouba 'oxigênio' dos celeiros da música independente em BHNovo livro de Lionel Shriver mostra os EUA dominados por mexicanosConheça a Bahia subversiva de Jadsa, que lança o disco 'Olho de vidro'PASSADO Em luto pela morte de Fallois, ele se hospeda, no início de 2018, em um hotel de luxo nos Alpes suíços. Não demora a descobrir que o quarto que ocupava, o de número 622, tinha um passado nebuloso. Muitos anos antes, houve um assassinato ali.
O escritor é levado a investigar o que ocorreu por uma hóspede, que logo se torna sua amiga e assistente. Na maior parte da narrativa, não sabemos nem sequer quem foi assassinado, muito menos o assassino.
A partir deste mote, indo e vindo no tempo e misturando tanto sua narrativa como autor e investigador quanto acompanhando a trama que levou ao assassinato, o romance se desenvolve. O cenário, já que Dicker está retratando uma história suíça, são os conhecidos (e discretíssimos) bancos privados do país europeu.
Em Genebra, conhecemos a família Ebezner, proprietária de um tradicional banco que passa de pai para filho ao longo das gerações. Só que as coisas estão para mudar, e a presidência da instituição, vaga desde a morte do Ebezner que a ocupava, vira motivo de disputa.
Há o herdeiro natural, Macaire, um bon vivant meio limitado, mas de bom coração, que só quer o posto por vaidade. Ele é casado com a descendente de russos Anastasia, filha de uma alpinista sem nenhum escrúpulo.
O grande rival de Macaire é Lev Levovitch, o atual gênio das finanças do banco, que no passado era carregador de malas do hotel onde ocorreu o crime. Uma verdadeira fogueira das vaidades é montada, com personagens pitorescos, como um russo de forte influência no banco, um ator fracassado e parentes que só querem passar a perna uns nos outros.
São várias bonecas russas escondidas na trama, o que é interessante por um lado, já que leva a uma leitura mais ávida, mas exasperante por outro, pois o recurso torna-se um tanto repetitivo. Fato é que, como narrativa policial, funciona. Dicker é pobre na escrita, com personagens ingênuos e diálogos cheios de lugares comuns, mas engenhoso na forma de apresentar suas histórias.
“O ENIGMA DO QUARTO 622”
.De Jöel Dicker
.Intrínseca (528 págs.)
.R$ 64,90 (livro) e R$ 44,90 (e-book)