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Estado de Minas AUDIOVISUAL

Documentário de animação argentino sobre caso de estupro chega ao Brasil

'Vicenta' é atração desta terça (13/4) do festival É Tudo Verdade, cuja edição deste ano é virtual e gratuita


13/04/2021 04:00 - atualizado 13/04/2021 07:17

O longa argentino ''Vicenta'' reproduz a longa batalha judicial travada por uma família, após um episódio de abuso sexual ocorrido no país vizinho, em 2006(foto: É Tudo Verdade /Divulgação)
O longa argentino ''Vicenta'' reproduz a longa batalha judicial travada por uma família, após um episódio de abuso sexual ocorrido no país vizinho, em 2006 (foto: É Tudo Verdade /Divulgação)
Em dezembro de 2020, a Argentina aprovou o aborto legal e seguro para gestações até a 14ª semana. A decisão foi conquistada após muitos anos da luta das mulheres do país vizinho, impulsionada por casos como o de Vicenta Avendaño. 

Moradora da periferia de Buenos Aires, pobre e analfabeta, ela descobriu que Laura, sua filha mais nova, portadora de deficiência mental, estava grávida, depois de ser abusada sexualmente por um tio. 

Para tentar obter o direito de a filha interromper a gestação, a mãe da vítima teve que enfrentar várias instâncias judiciais, chegando até a Suprema Corte do país. Essa história é contada no filme “Vicenta”, de Darío Doria, que será exibido nesta terça-feira (13/4), na programação do festival É Tudo Verdade. 

Além da temática, o documentário se destaca pela forma, já que foi todo filmado em animação. Se historicamente as animações são mais associadas à fantasia e às narrativas lúdicas, o formato também tem grande valor informativo e tem sido de grande valia para o cinema documental, como comprova a edição deste ano do festival. 

'É interessante entender que isso nasce de uma necessidade que o próprio projeto tem. Tanto no 'Vicenta' quanto no 'Fug'%u2019, o cineasta tinha uma história para contar em que seus protagonistas não queriam aparecer. Como tornar isso visível sem as duas principais ferramentas dos documentários, a entrevista e o registro direto?'

Amir Labaki, fundador e diretor do festival É Tudo Verdade



O animadoc é atração de hoje no É Tudo Verdade, cuja edição deste ano é virtual e gratuita (foto: É Tudo Verdade /Divulgação)
O animadoc é atração de hoje no É Tudo Verdade, cuja edição deste ano é virtual e gratuita  (foto: É Tudo Verdade /Divulgação)

REFUGIADO

A abertura, no último dia 8, foi com o filme dinamarquês “Fuga”. O longa já havia vencido o Festival de Sundance na categoria melhor documentário, pela forma notável que conta a saga de Amin Nawabi, um refugiado homossexual do Afeganistão que luta para se estabelecer na Europa. A história real é contada por meio de desenhos animados. 

Apesar de ainda parecer inusitado, o uso desses recursos gráficos em documentários não é de agora. O documentário de guerra “Valsa com Bashir”, de Ari Goldman, causou enorme impacto desde sua estreia, no Festival de Cannes, em 2008. Em 2014, o francês “Jasmine”, de Alain Ughetto, venceu a mostra competitiva internacional no É Tudo Verdade. 

O filme sobre a história pessoal do diretor e seu romance com a iraniana Jasmine também faz uso da animação nas cenas. Para Amir Labaki, fundador e diretor desse que é um dos mais importantes eventos do mundo dedicado ao cinema documental, trata-se de uma forma de extrapolar barreiras existentes para contar uma história real através de imagens.

“É interessante entender que isso nasce de uma necessidade que o próprio projeto tem. Tanto no ‘Vicenta’ quanto no ‘Fuga’, o cineasta tinha uma história para contar em que seus protagonistas não queriam aparecer. Como tornar isso visível sem as duas principais ferramentas dos documentários, a entrevista e o registro direto?”, questiona Labaki. Para ele, “a animação é uma forma muito importante de contar essa história real, expandindo suas possibilidades”.

O diretor lembra que os "animadocs" vêm se popularizando nos últimos anos, ocupando até categorias específicas em alguns festivais. Ele cita como exemplo “Bem-vindo à Chechênia”, exibido no ano passado na 44ª Mostra Internacional de cinema de São Paulo. 

O documentário sobre a violenta perseguição do governo da Chechênia contra a população LGBT usa recursos animados para preservar a identidade de alguns depoentes. A estrutura também é uma forma de a produção driblar as dificuldades de realizar filmagens naquele país devido à atuação opressora do governo.  

Premiado no Festival de Sundance deste ano, o dinamarquês ''Fuga'', sobre a crise migratória, foi o filme de abertura da mostra(foto: É Tudo Verdade /Divulgação)
Premiado no Festival de Sundance deste ano, o dinamarquês ''Fuga'', sobre a crise migratória, foi o filme de abertura da mostra (foto: É Tudo Verdade /Divulgação)

GENOCÍDIO

Labaki cita ainda o cineasta cambojano Rithy Panh, apontado por ele como uma grande referência nessa prática pelo trabalho feito em “A imagem que falta” (2013). O documentário em animação conta a história do genocídio ocorrido no Camboja entre 1975 e 1979, sob o regime do Khmer Vermelho, quando cerca de 2 milhões de pessoas foram mortas. 

Para remontar esse passado brutal, Panh usou miniaturas de argila e a narração em primeira pessoa. O filme venceu a mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes de 2013, e concorreu ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira no ano seguinte, quando a estatueta ficou com o italiano “A grande beleza”.

O diretor do festival avalia que o uso das animações nos documentários é uma tendência que deve aparecer ainda mais futuramente e comenta que “esses filmes existem para resolver desafios impostos aos cineastas de como fazer imagens sobre lugares e situações em que não se pode levar a câmera”. 

Nesse processo, diferentes técnicas são possíveis. Essa variedade é notada nos dois documentários do estilo apresentados este ano no É Tudo Verdade. Ele destaca que “Fuga” tem uma proposta mais direta de animação, enquanto “Vicenta” traz filmagens de bonecos, em um modelo mais parecido com o filme de Rithy Panh.

COMPLEXIDADE

Apesar do notável formato dos filmes, o mentor do festival reforça que eles se destacam também pelo conteúdo. "Fuga'’ é um dos filmes mais complexos de estrutura narrativa que vi recentemente. Ao mesmo tempo, tem o thriller, o drama, ele vai mudando, ficando mais poético, trazendo mais suspense no roteiro. Sobre ‘Vicenta’ não posso falar muito, pois ele está em competição, mas, tematicamente, é óbvio que fala sobre várias questões essenciais e delicadas”, afirma. 

Usando bonecos, sempre parados, em meio a efeitos de iluminação e som, o filme argentino reconta o drama familiar da protagonista que dá nome ao longa. Todo o processo, iniciado em 2006, é documentado. Desde quando é descoberta a chocante gravidez da filha Laura, de 19 anos – que “cresce, mas não cresce”, como é descrita sua condição mental pela narração feita por Liliana Herrero –, até a complicada batalha travada nos tribunais envolvendo a divisão da opinião pública e a Igreja Católica local. As protagonistas Vicenta, Laura e a filha mais velha, Valeria, aparecem em terceira pessoa, citadas pela narradora, que dá um tom sensível e dramático à trama. Trechos de reportagens televisivas da época sobre o caso também são inseridos, ampliando a profundidade informativa.

Em entrevista ao portal argentino Cinéfilo Serial, o diretor Darío Doria disse que a motivação para produzir o filme foi a forma como a mídia e a sociedade tratavam o assunto na época. “Era inverno de 2006 e lembro-me da indignação que tudo me provocava, o que a Vicenta estava passando em tribunais e hospitais e as barrigadas dadas pela mídia sobre a história. Um dia, depois de todos sabermos ao vivo pela TV que a interrupção legal da gravidez pedida por Vicenta para sua filha não aconteceria, a história sumiu da mídia. Vicenta não era mais notícia, não importava mais. A partir daquele momento é que me deu vontade de fazer este documentário”, contou o cineasta. 

Doria afirma que “o que se sabe foi triste e desanimador, mas o que aconteceu a seguir, fora dos holofotes da mídia, foi exatamente o contrário. A história tornou-se maravilhosa, emocionante, esperançosa, e foi então que soube que, em algum momento, iria fazer este filme”. 

Sobre a decisão de usar a animação com bonecos para contar essa história tão complexa, ele explica que “a única coisa clara no começo é que eu não queria fazer um filme de entrevista e material de arquivo, mas sim colocar o espectador ao lado de Vicenta, para que ele sentisse o que ela vivia”. 

A exibição de Vicenta será às 19h, pela plataforma Looke. O filme participa da Competição Internacional de Longas e Médias-Metragens. Os vencedores serão divulgados em 18 de abril, às 17h, com transmissão da cerimônia no YouTube do É Tudo Verdade. 

Realizada em formato totalmente on-line em 2021, o festival neste ano exibe 69 documentários de 23 países. A programação completa está disponível neste site


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