Jornal Estado de Minas

LITERATURA

Ana Maria Machado tem saudade das crianças e lança três livros na pandemia


 
O isolamento social, necessário para combater a pandemia da COVID-19, pode ser aborrecido para alguns, mas se revelou plenamente produtivo para a escritora Ana Maria Machado – de uma só vez, uma das maiores autoras da literatura infantojuvenil do país lança agora três livros: “Igualzinho a mim”, “A história que eu queria” e “O mesmo sonho”, todos pela editora Moderna.



Foram processos distintos de criação, pois alguns começaram a ser pensados há muitos anos, mas todos foram escritos durante o isolamento social, revela Ana Maria. “A ideia de “O mesmo sonho”, por exemplo, me acompanhava fazia 30 anos, pois nasceu a partir de uma pergunta feita pela minha filha, que era pequena: 'Mãe, você pode entrar nos meus sonhos? Eles ficam no meu travesseiro?'. Aquilo era fascinante, mas eu não conseguia dar continuidade, o que só aconteceu durante a pandemia.”
 
%u201CA HISTÓRIA QUE EU QUERIA%u201D . De Ana Maria Machado . Editora Moderna . 32 páginas . R$ 54 (foto: Moderna/reprodução)


FANTASIA

“O mesmo sonho” conta a história de Zeca, menino fascinado pelas fantasias que marcam o sono das pessoas. Quer entender como eles acontecem, se podem se repetir e por que cada um sonha de maneira tão distinta do outro. Ao descobrirem quais foram os sonhos de cada um, Zeca e sua turma decidem compartilhar as histórias. Para isso, pretendem unir todos os sonhos, cada um do seu jeito, para criar um lugar muito feliz.
 
%u201CO MESMO SONHO%u201D . De Ana Maria Machado . Editora Moderna . 32 páginas . R$ 54 (foto: Moderna/reprodução)
 
 
“Igualzinho a mim” também teve trajetória intensa até chegar ao formato ideal. Ana Maria conta que, no início, planejava uma história com bichos – primeiro, patinhos; depois, cachorrinhos –, mas a trama se esticava e não se sustentava. “Até que, num determinado dia da pandemia, me ocorreu que a história deveria ser contada quase como um poema, com texto metrificado. Aí, bastaram duas horas para o livro nascer.”




 
%u201CIGUALZINHO A MIM%u201D . De Ana Maria Machado . Editora Moderna . 32 páginas . R$ 55 (foto: Moderna/reprodução)
 
 
Essa obra trata das diferenças entre as pessoas: cada qual tem seu cabelo, sua voz, sua cor de pele; há quem goste de correr, de pular, de assistir à televisão; há quem more em diferentes tipos de casas e cidades; há quem tenha famílias compostas das mais variadas maneiras. Apesar de tantas diferenças, que tornam cada indivíduo único, existem também semelhanças: todos temos um coração no peito, os mesmos direitos e merecemos respeito – principalmente para ser do jeito que somos.

DIVERSIDADE

 “Pretendi discutir a noção de que somos parecidos”, conta a autora. “A criança, quando conhece outra pessoa, vê primeiro a semelhança, a igualdade, e faz isso com muita naturalidade. As diferenças vêm depois, à medida em que ela cresce e se insere cada vez mais na sociedade. Vivemos um momento em que as diferenças são cada vez mais acentuadas, por isso quis valorizar as semelhanças.”
 
A importância da solidariedade e de as pessoas serem mais colaborativas e criativas, respeitando a diversidade, inspirou o terceiro livro, “A história que eu queria”. A ideia surgiu por acaso, em junho de 2019, quando Ana foi à sede da editora Moderna, em São Paulo. “Estava no elevador quando, em uma parada, entraram duas moças e uma delas contava que a filha, ao descobrir onde a mãe trabalhava, ‘encomendou’ uma história de princesa.”




 
De acordo com a escritora, o cardápio de histórias que as crianças pedem a incentivou a imaginar a trama em que os pequenos criam o próprio repertório a partir de qualquer assunto, principalmente os mais banais.
 
Dessa forma, “A história que eu queria” acompanha Nanda, Carol e Beto, três amigos fascinados por narrativas diversas – enquanto Carol gosta de contos de fadas com muitas princesas, Nanda adora as tramas com astronautas e que se passam no espaço, já Beto é fissurado por dinossauros.
Como já devoraram tudo a respeito de suas preferências e até a internet não traz mais novidades, os amigos decidem criar seus próprios livros, que nascem aos poucos, a partir da colaboração de cada um.



“Eles inventam o que querem ler”, explica Ana Maria, que, há anos, mantém contato direto com crianças. “Curiosamente, as perguntas, em geral, são quase sempre as mesmas, e isso vale até para meninos e meninas de outros países, que falam outras línguas.”
 
De acordo com ela, o raciocínio de uma história bem contada e bem assimilada pelos pequenos está na letra de Chico Buarque para a canção “João e Maria” (“Agora eu era o herói/ E o meu cavalo só falava inglês/ A noiva do caubói/ Era você além das outras três”). “Aqui, o jogo de dramatização é muito forte e incentiva a criatividade”, pondera.
 
Com a pandemia e o isolamento social, Ana Maria Machado há muito não conversa pessoalmente com crianças, especialmente os sobrinhos. “Sinto falta do contato afetivo”, afirma. A escritora não imagina como este momento poderá afetar os pequenos, mas algo poderá acontecer, principalmente a partir da observação que eles fazem deste momento particular.





“Nasci em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, e me lembro de ver
minha mãe raspando o máximo que podia o papel que cobria a manteiga, pois havia racionamento. Tivemos, muitas vezes, de utilizar fogareiro à base de álcool para cozinhar”, relembra. “Criança é como esponja, absorve tudo com facilidade. O que mais preocupa hoje é a situação de pobreza coletiva no país.”

ADULTOS

Ganhadora, em 2000, do prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil, a escritora tem projetos para os adultos: no segundo semestre, espera lançar “Vestígios”, pela editora Alfaguara, seu primeiro livro de contos. As histórias se entrelaçam a partir de indícios deixados pelos personagens.
 
Outra obra, essa pela editora Ática, trará reflexões de Ana Maria a partir de reações de seus leitores. “São pensamentos sobre educação, sobre letras”, explica ela, que diz não ter planos para seu aniversário de 80 anos, em dezembro, na véspera do Natal. “Não planejei nada”, disfarça a ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras, instituição que presidiu entre 2012 e 2013. 

audima