Jornal Estado de Minas

DEBATE

Biógrafo explica o que é mito e o que é história na saga de Tiradentes

Em 7 de setembro de 2022, a declaração de Independência do Brasil por dom Pedro I completará 200 anos. A complexidade dos fatores históricos que levaram ao Grito do Ipiranga e seus desdobramentos têm ampla dimensão, que começa a ser discutida desde já pela Academia Mineira de Letras (AML).





A partir desta quarta-feira, 21 de abril, a instituição apresentará a série de 22 entrevistas com autores e autoras que já abordaram a temática em suas obras. A programação, gratuita e on-line, se estende até 2022.

“Queremos gerar conhecimento crítico e reflexivo. A data, a efemeridade, é um pretexto, mas um pretexto importante que vai mobilizar as atenções de todo mundo. Por isso, queremos aproveitar a oportunidade para refletir, conversar e abrir interlocuções com pessoas que escreveram livros a respeito”, explica Rogério Tavares, presidente da Academia Mineira de Letras e responsável pelas conversas com os convidados.

JORNALISTAS

Neste ano, serão realizadas 11 entrevistas. O foco inicial é direcionado a jornalistas que publicaram obras relacionadas ao contexto da Independência. Em 2022, as conversas serão com escritores que levaram o tema para a literatura. Quem abre o evento na quarta-feira (21/4) é o jornalista Lucas Figueiredo, autor do livro “O Tiradentes: Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier” (Companhia das Letras, 2018).




“Cada pessoa tem seu mito pessoal do Tiradentes, ou seja, cada um tem um Tiradentes na cabeça e todos eles são muito diferentes do Joaquim José da Silva Xavier”, afirma Lucas. A biografia é fruto de um árduo trabalho de pesquisa do jornalista realizado no Brasil, Estados Unidos, França e Portugal.

“Existe documentação razoavelmente grande no Brasil e no exterior, mas a história tem muitos buracos. Adolescente, Tiradentes pediu oficialmente à Coroa portuguesa para ser emancipado e ter direito à herança depois de ficar órfão. A partir desse fato, há um buraco enorme que vai até a vida adulta dele. São 10 anos em que ninguém saiba o que aconteceu”, observa.

Incertezas pairam também sobre a aparência do alferes. “Não sabemos como ele era. Sabemos que era um homem oficialmente branco, de pai e mãe declarados como brancos, que aos 40 anos já tinha cabelos brancos. E ponto final. O que mais se disser sobre a figura, o biótipo, será chute, porque isso não está em lugar nenhum”, comenta.





Por outro lado, os registros permitem compreender o personagem histórico. “Quando foi preso, apreenderam os bens dele e fizeram um relatório sobre tudo que ele tinha. Tudo mesmo: copos, garfos e roupas, com descrição de cada peça. Assim, é possível saber como ele se vestia. Pesquisando a moda da época, era alguém que gostava de roupas mais coloridas, tecidos finos, uma pessoa vaidosa”, revela o jornalista.

“Temos buracos da história, pontos de interrogação, mas ao mesmo tempo há muita documentação. São migalhas, mas quando todas são reunidas para estudar e comparar, consegue-se traçar um perfil com muitos detalhes e colocar o Tiradentes de pé. Coloco no livro o que é possível ver sobre ele”, afirma.

“Joaquim José da Silva Xavier não foi o líder máximo da Conjuração Mineira, como muita gente diz, mas foi um líder importante. Na prática, era o principal líder militar do movimento que propunha uma revolução que poderia ser sangrenta. Não era pouca coisa”, destaca Figueiredo.





“Foi ele quem concebeu a ação militar de forma mais bem acabada. Era diferente dos outros conjurados. Não era homem de negócios, fazendeiro ou poderoso, mas longe de ser pé-rapado. Era oficial da cavalaria, alferes é o primeiro nível do oficialato. O posto não era alto, mas também não era baixo. Ele ganha destaque na Conjuração por ser capaz de fazer as maiores articulações, pois tinha contato tanto com a ralé e as camadas mais humildes quanto com as mais altas. Era um cara que falava com os escravos e com o governador”, esclarece.

ROMPIMENTO

Para Figueiredo, não é possível afirmar que a Inconfidência Mineira teve ligação direta com a Independência. “Mas foi o primeiro movimento na colônia que idealiza e tenta colocar em prática um rompimento com Portugal”, observa. Embora em 1789 a ideia sobre o que seria o território brasileiro a ser emancipado fosse outra, o que foi idealizado em Minas teve influência em 1822 e em 1889, na proclamação da República, acredita.

Lucas Figueiredo diz que revisitar a história de Tiradentes amplia não só a compreensão sobre a Independência, mas sobre o Brasil contemporâneo. “É um país muito difícil de entender. A tragédia brasileira é, em muitos pontos, um enigma mesmo. A busca por entender Tiradentes é a busca por entender o Brasil. Por isso voltamos tanto a ele. Todas as vezes em que o país está em crise, alguém resgata Tiradentes”, afirma. “Ele é o patrono da Polícia Militar de Minas Gerais e tivemos ainda o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), de esquerda, que atuou na luta armada contra a ditadura militar.”

22 ENTREVISTAS NO BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA
Projeto da Academia Mineira de Letras. O jornalista Lucas Figueiredo é o convidado de quarta-feira (21/4), às 19h30, com transmissão pelo canal da AML no YouTube. Informações: www.academiamineiradeletras.org.br

Assista: 






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