Foram 16 anos sem publicar um livro desde “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios'', em 2005 . Tempo suficiente para Marçal Aquino dizer que se sente “um escritor de primeiro livro” com o lançamento de “Baixo esplendor” pela Companhia das Letras, no último dia 9/4.
O jornalista, escritor e roteirista de 63 anos se diz curioso em saber como será a recepção de leitores formados nesse hiato marcado por tantas novidades, entre elas o surgimento das redes sociais. A expectativa, segundo Aquino, é que o público possa se reencontrar com as ruas por meio da leitura, algo que ele experimentou no processo de escrita, segundo conta.
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Marçal Aquino exibe narrativa tensa e impiedosa em 'Baixo esplendor'
O período longe da literatura foi ocupado pela produção de roteiros para filmes e séries de TV, como “O caçador”, “Supermax” e “Força-tarefa”, exibidas pela TV Globo. O surgimento da trama que possibilitou o reencontro com essa outra escrita foi espontâneo, diz o autor, mas potencializado pelo isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus e a consequente saudade da vida nas ruas.
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O escritor conta que “esbarrou em um trecho do meio do livro” ainda em 2018. O contato imaginário virou uma anotação sobre uma cena em que Miguel, que viria a ser o protagonista, leva um menino a uma casa de mulheres, no Centro de São Paulo. Algo desconexo do veio principal da história, mas que permitiu ao escritor iniciar o que se transformaria em “Baixo esplendor”.
“Depois disso, eu descobri que Miguel tem uma história com a irmã do chefe do bando em que ele se infiltrou e entendo que esse, sim, é um dos eixos. Tudo espontâneo, não mexo no tempo, e tudo vai se encaixando, inclusive o menino na casa de mulheres”, relata.
Aquino diz que o tempo “solitário e silencioso” em casa foi decisivo para o andamento da obra, concluída em agosto do ano passado, mais de um ano antes do prazo imaginado.
Diante dessas condições favoráveis à escrita, ele alimentou suas inspirações com a experiência dos anos atuando como repórter policial em São Paulo. O resultado é a história de Miguel, um agente da polícia que se infiltra em uma quadrilha de roubo de carga, no ano de 1973.
Em meio à tensão da operação, o protagonista se envolve em um amor tórrido com Nádia, a irmã do chefe do bando. Uma construção que ele prefere definir como “um drama criminal” em vez de um clássico romance policial, reforçando novamente a espontaneidade de criação.
“Costumo guardar, há muito tempo, notícias policiais, recortes dos mais inusitados e bizarros. Eu os utilizo nos roteiros que escrevo com o Fernando Bonassi para a TV. Neste ano, já com o livro pronto, coincidentemente, fui ver esses arquivos e encontrei uma notícia que falava sobre um policial que estava trabalhando infiltrado e se apaixonou por alguém do bando. É a gênese do meu livro, sem que eu tivesse me dado conta. Era algo que podia estar no meu subconsciente. Eu não sei o que estou escrevendo e, de repente, vejo que há amor numa novela policial”, comenta.
A relação amorosa dos personagens é descrita em “ Baixo esplendor” sem pudores em sua intimidade. Essa é uma característica de obras anteriores do autor, assim como a ambientação em um submundo urbano.
“Olhando para trás, alguns elementos são caros ao que eu escrevo e poderia soar como repetição. Porém, o que muitos críticos chamam de repetição é a reafirmação de um estilo. O submundo é o meu cenário e, de uns anos para cá, gosto muito de histórias de amor. O amor é a única coisa subversiva, é a única coisa capaz de fazer alguém mudar de ideia. Então procuro histórias capazes de examinar as relações entre homens e mulheres”, argumenta o autor.
Segundo ele, “é possível misturar o amor a um ambiente hostil”. Aquino cita como exemplo o seu livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, mas observa que, desta vez, “o amor aparece num tempo hostil, com o policial balançado, mas mergulhado no personagem que assume, a ponto de pensar em confrontar até o Exército. Uma história de amor tem essa função. A pergunta que paira na história é: até onde as pessoas estão dispostas a ir em nome do amor?”.
Se a forma da narrativa é consequência de um estilo consolidado, o tempo em que ela se passa foi escolhido sob alguns critérios, embora o escritor reitere a espontaneidade do processo também nesse aspecto.
“Não tinha uma época definida para a história, mas, quando comecei a reler os primeiros trechos escritos, notei que não havia nenhum símbolo de modernidade. Ninguém na história atendia um celular. Hoje, isso acontece o tempo todo, de maneira brutal, como mostram as séries. Então percebi que se passaria em 1973. Um ano duro da repressão, mas do qual eu me lembro bem. Tinha 15 anos, tenho muitas lembranças do que se passava, das músicas, etc.”, comenta.
Embora a trama do livro não se concentre no contexto político da ditadura militar brasileira (1964-1985), Marçal Aquino aproveitou para direcionar o olhar a algumas especificidades da época do regime.
“Pela primeira vez, quis abordar um Brasil na paranoia, numa época de repressão forte. Especificamente, queria tratar de como era a bandidagem nesse tempo. Havia o Esquadrão da Morte, que era um grupo de extermínio, entre outros aspectos. É um caldo diferente do que já escrevi, mas não é uma história sobre ditadura. No livro, há um enlace, mas não era meu interesse esmiuçar a ditadura em si”, afirma.
O escritor participará, nesta terça-feira (20/4), do projeto Sempre Um Papo, que contará também com a participação de Tonny Bellotto. Integrante da banda Titãs, Bellotto também é autor de diversos romances policiais, com destaque para a série protagonizada pelo detetive Remo Bellini. Mediada por Afonso Borges, a conversa será on-line, com transmissão gratuita pelos canais do Sempre Um Papo no YouTube, Instagram e Facebook.
#SempreUmPapoEmCasa com Marçal Aquino e Tony Bellotto
Nesta terça-feira (20/4), às 19h, nos canais do Sempre Um Papo no Youtube (www.youtube.com/c/SempreUmPapo), Facebook (www.facebook.com/SempreUmPapo/) e Instagram (www.instagram.com/sempreumpapo/). Gratuito
“Baixo esplendor”
Marçal Aquino
Companhia das Letras (264 págs.)
R$ 49,90 e R$ 29,90 (e-book)