O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles é subserviente, medíocre e participa de uma conspiração internacional para transformar o Brasil no país que liquidou a sua biodiversidade. A declaração foi feita por Ailton Krenak, ambientalista, escritor e líder indígena, em entrevista ao programa “Roda Viva”, na segunda-feira, dia 19 de abril. “Devemos investigar o Salles, deve estar a serviço de uma bandidagem poderosa. Mas ele não é articulado não. Ele é mesmo um sujeito subserviente”, afirmou Krenak.
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Ailton Krenak fala sobre literatura indígena no 'Letra em cena'Emicida, Gilberto Gil e Ailton Krenak falam sobre legado da músicaAilton Krenak recebe o Troféu Juca Pato 2020 e é eleito 'intelectual do ano'Ailton Krenak é eleito para a Academia Mineira de LetrasMostra reúne diretores indígenas que filmam a cultura de seus antepassadosAo responder ao articulista indígena Denilson Baniwa, que lhe perguntou qual seria o campeonato que Salles pretende financiar, ao querer abrir campos de futebol na floresta amazônica e em outras florestas, Krenak assinalou: “O campeonato do fim do mundo. Esse campeonato do fim do mundo, quando você é muito bem-sucedido nele, você acrescenta mais meio grau na temperatura do planeta. Aí torra todo mundo”, disse, discordando da apresentadora do programa Vera Magalhães, que classificara Salles como “articulado”, um ministro de muitas conexões importantes. “Uma pessoa articulada não é a mesma coisa que uma pessoa subserviente. Esse sujeito é medíocre, é subserviente, ele está ali para executar um plano danoso para a soberania ambiental do Brasil”, afirmou.
A participação de Ailton Krenak no programa da TV Cultura obteve grande repercussão e fez o nome do escritor figurar entre os assuntos mais comentados nas redes sociais. Para Krenak, Salles está a serviço de corporações interessadas em prejudicar o Brasil. “Está a serviço de corporações que querem colocar o Brasil na lona”, afirmou, salientando que no ínicio do século 21, o país era presença obrigatória em conferências do clima, considerado referência do ambientalismo no mundo. “Então você bota um ministro do Meio Ambiente para detonar com tudo o que esse país conseguiu conquistar no campo da gestão ambiental, para transformar numa sucata. É um grande desserviço que esse sujeito está fazendo”, destacou.
Indagado pelo jornalista Leão Serva se a gestão da Fundação Nacional do Índio (Funai), a exemplo do que fora considerada na ditadura militar, voltou a ser transformada no governo Bolsonaro numa “funerária nacional do índio”, Ailton Krenak sustentou serem os índios um problema administrativo para a República brasileira. “Quando a Inglaterra e a França estavam dividindo a África, criaram agências coloniais com esse formato para fazer o que o bureau de assuntos indígenas nos Estados Unidos faz até hoje. É a Funai americana”, sustentou.
“Esses estados coloniais não conseguiram se desenvolver com capacidade própria e ficam reproduzindo esses modelos, esses cacoetes. Então o estado brasileiro, desde que o Marechal Rondon, criou o serviço de proteção ao índio. Ficou implicado com essa questão de ter de dar conta em relação àquilo que a República brasileira faz com os índios. Ela vai matar, vai esfolar? Vai alugar como mão de obra barata para os vizinhos?”, indagou ele. “Somos um problema administrativo para o estado brasileiro. Então ele administra com essa coisa que é a Funai”, afirmou, considerando que se houvesse capacidade crítica interna, o Itamaraty tinha criado um programa com embaixadores falando várias línguas para tratar com os povos originários.
As tentativas do governo Bolsonaro de cooptar lideranças indígenas por meio de promessas de prosperidade envolvendo a exploração de suas terras foi apontada por Ailton Krenak como uma prática colonial, destinada ao fracasso.
“Em 1.600, 1700, os povos indígenas que viviam na Costa Atlântica foram mais cooptados pelo poder colonial do que assistimos hoje. Se você olhar a bacia do Prata no longo período em que as missões jesuíticas se estabeleceram, as missões de São Miguel, Santo ngelo e Santo Antônio aquela implantação daqueles centros de governo demandaram mais alianças e mais convocações do pensamento e da colaboração dos povos originários do que qualquer outro período posterior da história”, disse, acrescentando que nem por isso, aquelas missões se constituíram num centro de difusão do pensamento subalterno indígena em relação a Espanha e a Portugal. “Pelo contrário o povo guarani largou aquelas estruturas para trás e seguiu a sua vida dentro das florestas, inclusive saindo das fronteiras internas daquelas missões jesuíticas”, afirmou.
Reconhecendo ter recorrido a um exemplo histórico mais antigo, Krenak considerou que também durante a ditadura, o então presidente, o general Ernesto Geisel, usava a imagem dos índios. “Gostava de fazer festa no Mato Grosso do Sul com os índios segurando a bandeira do Brasil, enquanto a ditadura dizia ame-o ou deixe-o. Nem por isso no resto das décadas 70 e 80 os índios aderiram a qualquer sistema de governo”, afirmou.
“Essa propaganda tem muito a ver com os emblemas, as marcas. Agora a marca que quer explorar a imagem dos índios é essa marca do garimpo, do agronegócio, o agro é pop, todo esse besteirol capitalista. Mas o povo indígena vai passar por isso”, disse. Segundo Krenak, em 2018, diante da eleição de Bolsonaro, respondeu àqueles que lhe perguntaram como os índios sobreviveriam a um presidente que “pesa os negros por arrouba” e que não iria demarcar “nenhum milímetro de terra: “Eu disse olha, o povo indígena já enfrenta essa brutalidade toda há 500 anos. Estou preocupado é como os brasileiros não indígenas vão sobreviver a esse sujeito”.
Pandemia e tragédias ambientais de Brumadinho e de Mariana
“Estamos dentro desse quadro de sobreposição de tragédias, vivendo uma suspensão, uma suspensão dos sentidos. A pandemia e a série de eventos ambientais com consequências desencadeando eventos climáticos, nos desafia a pensar o que estamos fazendo com nossa experiência de comer, andar, se deslocar, viver na terra. É um desafio enorme, as pessoas estão muito chocadas com o cotidiano: cada dia um susto com o cotidiano, além das pessoas que perderam os seus afetos nesta pandemia, o que deixa a nossa vasta comunidade de humanos em estado de choque.
A questão indígena e a Constituição de 1988
“A nossa Constituição tem um capítulo destinado aos direitos dos índios. Mas o consenso não houve para além daquele momento (...) E nunca houve consenso. Quatro anos depois de promulgada a Constituição, pelo Rio Grande do Sul, Nelson Jobim, que depois foi ministro da Justiça, fez uma primeira resolução encaminhando o marco temporal que estabelece que os povos indígenas que já tinham os seus direitos reconhecidos até a Constituição de 1988 ficavam reconhecidos. E aqueles que não tinham sido reconhecidos até aquela data, não serão daí para frente. Que é o que o marco temporal estabelece: essa tentativa de golpe em relação aos direitos instituídos alguns anos antes. Então não durou sequer uma década. Não tem consenso. Em 1993 há tinha gente querendo rasgar aquele capítulo dos índios. “
Carlos Drummond de Andrade, a mineração e a máquina de comer o mundo
“Essa recorrente imagem da obra de Carlos Drummond de Andrade, e quem compartilha com ele essa poética de viver nessas montanhas, assistir a uma manobra, a narrativa sobre a colonização dessa região do Brasil, instituiu desde sempre a busca do diamante, a busca do ouro, ele fez o berço dessa narrativa das Minas Gerais. E essa narrativa que mimetiza o corpo do rio e depois faz desaparecer o próprio rio, e só sobra essa serpente de metal, ela está presente nos primeiros movimentos de abrir estradas na crista das serras, vindo de Paraty, atravessando as alturas das serras, passando pela Rola Moça, subindo a serra do Espinhaço, indo bater em Diamantina caçando diamante, fazendo algumas passagens para outros lados do corpo da serra e descendo o Santo Antônio, o Piracicaba e formando este que é o rio Doce. O Vale que esse mesmo pensamento, essa mesma narrativa ampla, pesada, vai chamar de Vale do Aço. A floresta do rio Doce cede lugar ao Vale do Aço. O rio cede também lugar a alguma coisa que vai ser só esse vale, uma superespecialização, no sentido capitalista dessa máquina de comer mundo. O Drummond é onipresente, porque passou quase o século 20 todo testemunhando essa invasão. Evocando os outros estragos históricos que essa atividade de fuçar a terra e de tirar de dentro dela, aquilo que dorme em mágico equilíbrio cósmico, mas que quando traz para fora vira doença, vira veneno. Drummond e meu amigo David Kopenawa denunciam a mesma coisa: os homens deveriam deixar dormir no fundo da terra isso que constitui o delírio de pessoas daqui de fora, o ouro, o minério, essa fúria de trazer para fora essa tragédia sanitária que estamos vivendo no mundo hoje, aos olhos do xamã com a morte de milhões de pessoas. Isso é de uma gravidade tão absurda que não daria para a gente limitar o comentário a um contexto do capitalismo regional, local, em nosso país, mas pensar esse capitalismo como máquina devoradora de mundo, e seguindo ainda a parelha de pensamento do Drummond e do xamã Yanomami, o mundo mercadoria não sossega, assim como esse trem que passa incansavelmente levando as montanhas embora. O que me fez pensar que aquela afirmação antiga, que se Maomé não vai à montanha, a montanha vai para Maomé. Talvez tenham levado nossas montanhas para outro lugar.”