Com vários filmes na disputa pelo Oscar neste domingo (25/4), a Netflix impõe sua marca em todo o planeta. Junto da Disney, é um dos poucos grupos de entretenimento capazes de criar referências culturais mundiais.
As duas séries mais pesquisadas no Google na Argentina em 2020? “Cobra Kai” e “Gambito da rainha”, produções da Netflix, plataforma que tem mais de 200 milhões de assinantes – cerca de dois terços deles fora da América do Norte.
Na Índia, outra série da plataforma, “La casa de papel”, lidera as buscas, assim como na Nigéria, enquanto no Egito ocupa o quinto lugar.
No Brasil, segundo o site Omelete, a exibição da terceira temporada de “Cobra Kai”, no início de janeiro, provocou aumento de 75% das buscas no Google por escolas de caratê.
No Iraque, opositores do governo transmitiram um vídeo usando macacões e máscaras popularizados por “La casa de papel”. Na Espanha, mascarados foram às ruas, em Madri, protestar contra o fechamento de unidades da Nissan em Barcelona.
SUCESSO
Em todos os quatro cantos do globo, a Netflix se tornou o primeiro destino de quem procura um novo título de sucesso no mundo, escreveu recentemente Oliver Skinner, chefe de marketing da empresa de dublagem Voices.Capaz de exibir ao mesmo tempo uma série traduzida para dezenas de idiomas, algo inédito, a plataforma conseguiu várias vezes nos últimos meses orientar a conversa dominante nas redes sociais sobre seu conteúdo. Seja a série de documentários “Tiger king”, sobre a rivalidade entre um criador de felinos e a proprietária de um santuário de proteção dos animais, ou “Lupin”, seriado de ficção francês estrelado por Omar Sy sobre o ladrão que se vinga dos ricos que cometeram injustiças contra seu pai.
No entanto, há considerável lacuna entre as séries da plataforma e os filmes produzidos por ela. Apesar das 35 indicações ao Oscar 2021, nenhum desses longas-metragens teve grande impacto popular. Nem “Mank”, com 10 indicações (o líder desta edição), nem “Os 7 de Chicago”, com seis, nem “A voz suprema do blues” com cinco.
Na cena televisiva mais fragmentada da história do audiovisual, algumas séries da Netflix “têm a mesma influência cultural das três principais redes americanas até os anos 1980”, diz Gabriel Rossman, referindo-se às gigantes ABC, CBS e NBC. Rossman é professor de sociologia com especialização na indústria do entretenimento na Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), nos Estados Unidos.
O especialista, porém, acredita que a gigante já atingiu seu auge. A partir de agora, a plataforma deve enfrentar a ascensão de fortes concorrentes, como a Disney+ e a Amazon Prime, que planejam limitar a hegemonia da rival usando a mesma estratégia dela: atrações em inglês e séries produzidas localmente.
Recentemente, a Netflix divulgou resultados que indicam os primeiros sinais de desaceleração. A empresa espera ganhar apenas 1 milhão de assinantes no segundo trimestre deste ano, contra 10 milhões no mesmo período de 2020, resultado impulsionado pelo confinamento social imposto pela pandemia.
A Netflix, que cresceu antes de seus concorrentes, mantém grande vantagem graças aos dados sobre hábitos de consumo de suas 207 milhões de contas, diz Aswin Punathambekar, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.
“Isso permite que entenda as tendências além da demografia e decida quais séries solicitar”, explica.
DISNEY
A pegada deixada pelo grande “N” vermelho é sem precedentes? “Isso equivale a questionar se a influência cultural da Netflix é mais forte do que a da Disney. Não tenho certeza se é o caso no momento”, diz Louis Wiart, professor do Departamento de Ciências da Informação e Comunicação da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.De acordo com ele, certo é que os novos mercados emergentes na Ásia e na América Latina são prioridade para a empresa devido ao surgimento de uma classe média “que vem acessando novos modos de consumo digital e cultural com forte afinidade com a plataforma”.
Para melhorar a performance no exterior e também atender à legislação local, a Netflix produz cada vez mais conteúdo regional. E colhe os frutos disso. Pela primeira vez, conseguiu fazer de uma série espanhola (“La casa de papel”) e de uma produção francesa (“Lupin”) sucessos mundiais.
“A Netflix produz conteúdos locais, mas para o mercado global. Eles podem ser exportados para todo o planeta”, aponta Wiart. “Isso implica no risco de padronização, mas também de 'folclorização' dos conteúdos, ou seja, de busca por obras que valorizem aspectos típicos do território”, ressalta.
“Esses conteúdos da Netflix têm forte sotaque hollywoodiano. 'La révolution' realmente faz você pensar em um blockbuster e há muitos casos como este”, observa o professor Louis Wiart, referindo-se ao seriado de ficção que reimagina a Revolução Francesa. (AFP)