Desde o início da pandemia do novo coronavírus, em março de 2020, o teatro vem adaptando seu formato para seguir levando histórias ao público, mesmo a distância. Após mais de um ano de encontros presenciais dificultados, o distanciamento social vem impactando também a dramaturgia dos espetáculos encenados virtualmente.
Em “Siete momentos de cualquier manera”, o texto da argentina Beatriz Catani conta sobre a solidão de algumas mulheres em suas casas e os desafios de conviver com elas mesmas. A encenação é feita a distância pelas atrizes, sendo que Ângela Mourão e Vanéssia Gomes estão no Brasil; Ana Correa, no Peru; Amalia Kassai, no Chile; e Beatriz Catani em seu país natal.
Criada no segundo semestre de 2020 para o concurso Cenas do Confinamento, do Festival de Cádiz, na Espanha, a exibição do espetáculo é uma das atrações do Festival Via Dupla, que começa nesta segunda-feira (26/4).
O evento é realizado pelo grupo mineiro Teatro Andante e tem o objetivo de mostrar peças que abordam, de alguma maneira, questões ligadas aos melancólicos tempos atuais.
Até o próximo dia 3 de maio, serão exibidos nove espetáculos produzidos na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Uruguai e na Espanha. Ângela Mourão, que também é uma das curadoras do festival e fundadora do Teatro Andante, afirma que “nada substitui a respiração e o suor do ator em cena, caracterizando o teatro”. Segundo ela, “essa fruição presencial é o que diferencia o teatro da TV e do cinema”, mas é necessária a adequação à nova realidade da crise sanitária, com o uso da tecnologia.
IMORTAL
“Um amigo costuma dizer que o teatro é mais antigo que o dinheiro e, portanto, é imortal. Seguimos por essa necessidade e tentativa de reinventar para sobreviver. O teatro já passou por todas as crises que o mundo viveu até hoje, então vamos sobreviver a mais essa também”, diz a atriz. O festival é realizado com recursos da Lei Aldir Blanc.
A curadoria conta ainda com Marcelo Bones, cofundador do Teatro Andante, o uruguaio Gustavo Zidan e o colombiano Octavio Arbeláez. “O festival tem esse objetivo de manter em movimento nossos impulsos criativos e nossa capacidade de articulação, criação e de estarmos juntos em rede”, diz Ângela.
Segundo a atriz e curadora, “nessa coletividade é que conseguiremos seguir em frente e sair dessa crise menos combalidos. Por isso essa curadoria diversa, com nossos parceiros da América Latina”.
A escolha das peças, segundo ela, é “uma tentativa de entender como o teatro fez para conseguir levar a cabo essa sobrevivência e essa atividade coletiva de criação nesses tempos”.
Como foram produzidas durante a quarentena, as obras “trazem em si essa matéria prima, que é estar nessa situação extraordinária de incertezas, dúvidas, medo, solidão e sempre refletindo a respeito disso”.
A abertura, às 18h desta segunda, terá o debate “O que aconteceu com o teatro e os festivais durante a pandemia?”, com participação de integrantes da Redelae (Red Euro-Latinoamericana de Artes Escénicas). A exibição dos espetáculos será a partir de terça (27/4).
Cada peça ficará disponível no canal do Grupo Teatro Andante no YouTube desde a estreia até às 23h59 do dia seguinte. A primeira a ser exibida é a coprodução entre Brasil e Uruguai “Dos hermanas – Capítulo I” , dirigida por Claudia Sánchez.
Dividida em quatro capítulos, exibidos um a cada dia, até sexta-feira, a trama conta sobre Flor (Florencia Santángelo), que tem seu apartamento no Rio de Janeiro invadido por um intruso. Ela então recorre à irmã, interpretada por Leonor Chavarrìa, que vive em Montevideo (Uruguai) e terá que se virar, a distância, para ajudá-la. Apesar dos apuros, o contexto de dificuldade acaba estreitando os laços entre elas.
“Siete momentos de cualquier manera” estreia na quinta-feira (29/4), às 20h. “É uma montagem baseada nas sensações das pessoas convivendo com sua própria casa, sua própria imagem e o próprio som de voz por tanto tempo”, explica o diretor brasileiro André Carreira.
ECO
Ele deixa claro que não se trata de uma abordagem que pretende discutir as formas digitais de interação usadas durante a pandemia, como o Zoom e o WhatsApp. O foco, segundo o diretor, é na ideia de “estar sozinho, falar com pensamentos e enfrentar esse eco de nós mesmos”.
Carreira avalia que o fazer teatral, desde o início da pandemia, tem sido um ato de resistência. “É um momento em que não interessa se o que fazemos é teatro ou não. O importante é que as pessoas do teatro estão tentando resistir economicamente e criativamente, fazendo o possível como artistas, inventando formas de produzir, criar e usar esse espaço da internet, diante de uma pandemia e do abandono do governo federal ao setor artístico”, afirma.
Ele lembra que, na peça, as atrizes captaram suas próprias imagens para as cenas. Um exemplo desse esforço produtivo citado por ele.
Em “Tudo que coube numa VHS”, do grupo recifense Magiluth, o público é conduzido individualmente, via WhatsApp e links para outras plataformas, por um percurso que compartilha as memórias de um personagem sobre um relacionamento.
“Esse trabalho surge movido por essa questão da pandemia mesmo. Foi um trabalho criado a partir do desespero. Não foi algo pensado para acontecer, não estávamos elaborando algo nesse formato”, conta Giordano Castro, um dos integrantes do Magiluth.
“Tivemos muitos projetos interrompidos pela pandemia, havíamos estreado um espetáculo (“Apenas o fim do mundo”, 2019) indicado aos prêmios Shell e APCA e acabado de inaugurar um espaço em Recife, e o grupo entrou em situação de falência. Tentamos algo que fosse possível na pandemia e assim surgiu ‘Tudo que coube numa VHS.’”
Ele define a iniciativa como uma alternativa às propostas teatrais que se tornaram mais comuns durante a pandemia, mais amparadas pelo vídeo. “Esse trabalho a partir da câmera nós não tínhamos o domínio e nem era nosso interesse. Então nosso espetáculo provoca esse lugar da impessoalidade, tentando uma relação de um para o outro. Não estamos apresentando em uma sala, para dezenas. Estamos propondo algo diretamente para uma pessoa.”
Cada espectador deve se inscrever para ser "guiado" pela história por 30 minutos. Por ser uma ação individual, o número de vagas para a experiência é limitado. O agendamento gratuito está disponível na plataforma Sympla. A montagem vai ao ar no próximo domingo (2/5), entre 18h e 22h.
A programação do festival ainda terá a exibição das peças “Chão de pequenos”, da Companhia Negra de Teatro (Brasil); “Pequena coleção de frases em tempos de profundos pensamentos", de Silvia Gomez, com direção de Narciso Telles; “Solo me acuerdo de eso”, de Johan Velandia (Colômbia); “La Noche devora a sus hijos”, da Cia. Timbre 4 (Argentina); LivroCenAção, do Grupo Trama (Brasil) e “ANA - También a nosotros nos llevará el olvido”, de Mario Vega (Espanha).
Festival Via Dupla
Desta segunda-feira (26/4) a 3/5. Transmissão gratuita pelo YouTube do Grupo Teatro Andante. A peça “Tudo que coube numa VHS” será transmitida pela plataforma Lets Events.
ESPETÁCULOS E DEBATES
Confira a programação do festival
26/4 (segunda)
18h – “O que aconteceu com o teatro e os festivais durante a pandemia?”
Debate com participantes de Redelae (Red Euro-Latinoamericana de Artes Escénicas) e convidados
27/4 (terça)
19h – “Dos hermanas – Capítulo I”
20h – “Chão de pequenos”
28/4 (quarta)
19h – “Dos hermanas – Capítulo II”
20h – “Pequena coleção de frases em tempos de profundos pensamentos
29/4 (quinta)
19h – “Dos hermanas - Capítulo III”
20h – “Siete momentos de cualquier manera”
30/4 (sexta)
18h – “Como os criadores se lançaram às novidades trazidas pela pandemia?”
Debate com criadores cênicos
19h – “Dos hermanas - Capítulo IV”
20h – “Solo me acuerdo de eso”
1º/5 (sábado)
19h – “La noche devora a sus hijos”
20h – “LivroCenAção”
2/5 (domingo)
17h – “ANA - También a nosotros nos llevará el olvido”
18h às 22h – “Tudo que coube numa VHS”
3/5 (segunda)
18h – “O que acontecerá com o teatro e os festivais depois da pandemia?”
Debate com participantes de Redelae (Red Euro-Latinoamericana de Artes Escénicas) e convidados