"Como devo chorá-los?", projeto de artes cênicas que faz uma releitura de "Antígona", estreia nesta terça-feira (27/4), às 20h. Mesclando teatro, cinema, artes visuais e intervenção urbana, a performance dirigida por Marina Vianna pretende identificar as ressonâncias e ecos da tragédia grega no Brasil de hoje.
No clássico de Sófocles, a jovem Antígona desafia a ordem do rei para enterrar o corpo do irmão, que o governante tirano ordenara que apodrecesse insepulto. Ela sabia que a desobediência seria punida com a morte, mas escolhe ser fiel aos seus valores, certa de que eles são superiores aos ditames de um governante ilegítimo.
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Todos esses aspectos estão presentes em "Como devo chorá-los?". Idealizado pelos atores Bernardo Marinho, Chandelly Braz e Pedro Henrique Müller, o projeto tem como inspiração o texto original de Sófocles e as versões dele assinadas por Bertolt Brecht e a escritora canadense Anne Carson.
DESMONTAGEM
"Trata-se de uma 'desmontagem'. Partimos da leitura dessas três versões e criamos textos, dramaturgias, vídeos, cenas. É como se a gente tivesse tratado essas 'Antígonas' como um vaso chinês, que pegamos e estraçalhamos. O projeto é a reunião de um monte de caquinhos que preenchem as lacunas desse trabalho desenvolvido e lançado remotamente", explica.
Um site abrigará os trabalhos, que ficarão disponíveis até o próximo domingo (2/5), sempre das 20h às 23h. Fora desse horário, a página exibe um cartaz do projeto. Viabilizado via Lei Aldir Blanc, "Como devo chorá-los?" também conta com as atrizes Juliana França e Zahy Guajajara.
"Eles escreveram, atuaram e, de certa forma, se autodirigiram. Muito do trabalho os atores fizeram sozinhos. A gente abusou da tecnologia nos ensaios e nas gravações. Isso me encantou bastante. Como essas plataformas possibilitam o encontro entre as pessoas neste momento em que a presença significa risco!", diz.
Além dos vídeos que cada um dos cinco atores produziu, a equipe realizou gravações em Japeri, na Baixada Fluminense, e intervenções urbanas com projeções em diferentes pontos do Rio de Janeiro.
Segundo Marina Vianna, o projeto se assemelha a uma exposição de artes visuais. "Os trabalhos estarão lá expostos em uma ordem específica. Mas o mais interessante é que não há um jeito 'certo' de consumi-los", observa.
A proposta é que o público construa sua própria narrativa, ao transitar pelos vídeos, fotos, textos e áudios disponíveis. "O projeto é fruto de uma série de fragmentos criados separadamente. Então, não faria sentido construí-lo como uma coisa só. Não tem cola. Se a gente o transformasse em uma coisa só, ele perderia essa heterogeneidade tão particular. Seria um monstrengo. Decidimos assumir essa nova abordagem. Esse site é como uma caverna para a qual o público vai entre Japeri e Tebas (a cidade de Antígona)", brinca a diretora.
Nas outras experiências de teatro on-line que teve durante a pandemia, Marina Vianna enfrentou dificuldades, principalmente quando a transmissão era simultânea. Mesmo assim, ela celebra o formato como alternativa de sobrevivência das artes cênicas.
"O encontro é insubstituível. Está todo mundo louco para correr para o abraço. Mas me impressiona, no meio da pandemia, a gente conseguir se encontrar virtualmente. Nada mata a capacidade humana de criar e estabelecer contato, mesmo que virtual."
Para ela, isso também se relaciona com “Antígona”. "Desde o início da minha carreira, essa personagem é, para mim, uma bússola ética. Ela erra, ela tem razão, ela é crítica. Ela gera dúvida. Um tipo de dúvida salutar, positiva. Nesse momento, a arte e os artistas estão desempenhando exatamente esse papel."
“COMO DEVO CHORÁ-LOS?”
Direção: Marina Vianna. Experimento multilinguagem a partir do texto original e de duas versões de “Antígona”. Desta terça-feira (27/4) até domingo (2/5), das 20h às 23h, no site comodevochoralos.com.br