Pedro Galvão
O pianista e compositor André Mehmari prepara para esta quinta-feira (29/4) uma apresentação de piano solo na qual ele pretende ter interação “fascinante” com o público, muito embora o instrumentista e a plateia irão se encontrar apenas no espaço virtual.
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No roteiro definido do recital, o repertório será dedicado a Noel Rosa (1910-1937), cuja obra é o tema do disco “Estrela da manhã”, lançado por Mehmari no ano passado.
“A música do Noel sempre esteve no meu repertório de piano solo, principalmente as parcerias dele com Vadico, mas não é segredo que passamos por um momento em que se faz necessário lembrar por que gostamos do Brasil, mesmo diante de tanta barbárie, tanta ignorância, tanto obscurantismo. Noel morreu com 26 anos, deixando uma obra genial. Isso é um tesouro do Brasil. Isso me faz lembrar por que eu ainda gosto disso, por que insisto”, diz.
Noite solitária
O pianista define o disco como “emblemático, profundamente intimista, noturno”, e conta como ele surgiu. “Num dia em que estava especialmente sensível, desci para o estúdio e liguei o gravador. Foi sem planejamento, sem arranjo. Esse disco foi gravado todo numa única madrugada, tem esse tom noturno. É meu mergulho na solidão, é profundamente introspectivo”, diz.
O resultado, em sua avaliação, “demonstra esse momento despretensioso da leitura e do encontro com o gênio Noel Rosa e o sentimento bom de ser brasileiro, apesar da barbárie”. O repertório apresenta o “lado B” do Poeta da Vila, por assim dizer. “Nós lembramos das marchinhas, de ‘As pastorinhas’, mas a música de Noel Rosa é muito mais ampla do que isso”, observa Mehmari.
No entanto, a apresentação de quinta não deixará de fora algumas das mais famosas canções de Noel, como “Com que roupa”, “Conversa de botequim” e a já citada “As pastorinhas”.
Após mais de um ano de pandemia do novo coronavírus, apresentar-se virtualmente, com o público “do outro lado da tela”, não é mais novidade para a maioria dos artistas da música. Ainda assim, parece cedo para afirmar que eles se acostumaram ao formato.
Para Mehmari, a adaptação é necessária, até porque essa alternativa para as apresentações “ao vivo” tende a ser duradoura.
Não que isso seja fácil. “Já toquei em mais de 30 países. Ver os palcos sumirem subitamente é difícil de lidar, mas sabemos que é algo muito maior e em todo o planeta. O digital não substitui, nem é essa a ideia. O digital pode ser um meio que complementa, não o que substitui (o palco)”, diz ele. O pianista observa que 2021 “já é o segundo ano” nessa situação.
“Temos que aprender a usar os meios da melhor forma possível. Palco é meio, disco é meio, estúdio é outro meio, e as lives são um meio que temos que explorar da melhor maneira”, afirma.
No Palco Virtual do Itaú Cultural, a transmissão é limitada a 300 pessoas. Os ingressos podem ser retirados gratuitamente, até o limite de capacidade. Na logística já usada por Mehmari em apresentações virtuais anteriores, um membro da produção vai intermediar pedidos, feitos via WhatsApp, e repassá-los ao pianista.
Pontes entre canções
“É algo de que gosto muito de fazer, criar pontes entre canções e ideias abstratas sobre temas. A improvisação junta bem as duas figuras, do compositor e do pianista. É muito estimulante”, comenta.
Dono de um estúdio muito bem equipado em São Paulo, ele conta que transformou o espaço em “usina de compartilhamento musical” durante a pandemia e local de “geração e preservação de cultura”.
Isso se reflete na gravação e lançamento de quatro álbuns ao longo do ano passado. Foram dois discos solo, “Estrela da manhã” e “Música para uns tempos de cólera”, além de duas parcerias. Uma delas é “Conversas com Bach”, com o violinista italiano Emmanuele Baldini, e a outra é “Nosso Brasil”, com o bandolinista e compositor Danilo Brito.
Neste ano, o estúdio já produziu mais um lançamento, “Um outro adeus”, em parceria com o violoncelista Rafael Cesario. Todos os trabalhos estão disponíveis nas plataformas digitais.
Durante a pandemia, Mehmari também dedicou mais tempo às composições. “Sempre tive uma produção forte nesse campo, sou um dos compositores mais solicitados no Brasil. No ano passado, houve um pico de encomendas para vários tipos de formações, desde orquestras até solo.”
Ele explica que, “em trânsito, isso era mais difícil”. Nesse sentido, a pandemia lhe proporcionou “mais concentração e um silêncio propício para compor música”, diz. “Adoro esse espaço de introspecção que é o estúdio, até mais que os palcos.”.
Adaptado às dificuldades do presente, ele pondera sobre o futuro e entende que alguns aspectos trazidos pela pandemia deverão permanecer na atividade musical. “Não me vejo entrando num avião sem máscara novamente, mesmo que não seja obrigatório. Serei muito mais seletivo quando as viagens voltarem”, afirma.
A última turnê internacional de André Mehmari foi encerrada no fim de 2019, no Japão, de onde ele voltou disposto a viajar menos e com um pacote de máscaras faciais na bagagem, mesmo sem saber que a pandemia estava por vir.
Se as viagens tendem a ficar mais “rarefeitas”, como ele avalia, por outro lado, Mehmari vê a possibilidade da reinvenção do setor cultural. “No meu caso, o meu centro de produção, que é meu estúdio, pode se tornar um espaço para visitações de públicos menores. Acredito que casas de shows menores vão florescer em detrimento dos megashows, e assim florescer também a música popular de melhor qualidade nesses espaços menores”, diz.
Em relação às lives, ele avalia que elas permanecerão. “Não com a força de agora, mas serão uma realidade na vida das pessoas. Em vez de um backstage para assinatura de CDs, poderemos ter encontros virtuais com o artista. São coisas que podem acontecer. No mais, é torcer para nos vacinarmos todos o quanto antes.”
PALCO VIRTUAL
Solo do pianista André Mehmari, com repertório dedicado a Noel Rosa e improvisações. No Palco Virtual do Itaú Cultural. Nesta quinta-feira (29/4), às 20h, na plataforma Sympla/Zoom. Ingressos gratuitos, disponíveis no site Sympla, limitados a 300 (cinco por pessoa, no máximo). Classificação livre, duração: 60 minutos. Mais informações no site do Itaú Cultural.