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Estado de Minas AUDIOVISUAL

Premiada série de ficção 'Chernobyl' antecipou dramas reais da COVID-19

Lançada em 2019, produção da HBO mostrou o negacionismo em conflito com a ciência e a postura condenável dos políticos durante tragédia ocorrida na Ucrânia


29/04/2021 04:00 - atualizado 29/04/2021 07:46

Perigo da radiação nuclear que se espalhou a partir da usina ucraniana remete à violenta escalada do novo coronavírus(foto: FOTOS: HBO/DIVULGAÇÃO)
Perigo da radiação nuclear que se espalhou a partir da usina ucraniana remete à violenta escalada do novo coronavírus (foto: FOTOS: HBO/DIVULGAÇÃO)

Partículas invisíveis a olho nu e nocivas à saúde dominam a cidade, colocando em risco a vida da população. Apenas a intervenção rápida das autoridades poderia evitar que o problema se espalhasse rapidamente, tanto por regiões mais próximas quanto para outros países, deixando milhões de mortos. É do novo coronavírus que estamos falando? Pode ser. Mas a premissa também serve para o acidente nuclear de Chernobyl, que completou 35 anos na segunda-feira (26/4).

A tragédia soviética já foi retratada em filmes e documentários ao longo de mais de três décadas, mas nenhuma reconstituição fez tanto sucesso como “Chernobyl”, produção da HBO . Lançada em maio de 2019, conquistou rapidamente a atenção do público. Aclamada pela crítica, levou os prêmios Emmy e Globo de Ouro de melhor minissérie.
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Em "Chernobyl", o cientista Valery Legasov (Jared Harris) enfrenta a ignorância de políticos e burocratas

REFLEXÃO 
Assistir a “Chernobyl” agora, durante a pandemia de COVID-19, torna-se um exercício de reflexão ainda mais interessante. É impossível não associar a produção do diretor Johan Renck à crise global que vivemos. Muitos elementos estão ali: o correto alarmismo dos cientistas, a luta dos profissionais de saúde, o drama pessoal dos contaminados, a burocracia e o negacionismo de parte do governo.

Químico responsável pela comissão de investigação do acidente na usina em Pripyat, o protagonista Valery Legasov (Jared Harris) trava uma batalha incansável contra a burocracia do Estado soviético. A princípio, o governo buscou abafar o fato, mas voltou atrás quando se deu conta de que a radiação atingia países vizinhos e estampava as manchetes da mídia internacional.

O incessante debate entre a luz da ciência e as trevas do negacionismo conduz o fio narrativo em diversos momentos da trama. É o que também conduz nossas vidas diante da COVID-19.

O alerta de Legasov ao governo soviético se compara ao do médico chinês Li Wenliang. O oftalmologista foi um dos primeiros a entender e relatar casos de síndrome respiratória do novo coronavírus em Wuhan, na China, em dezembro de 2019. Acabou investigado pela polícia, acusado de espalhar “rumores” sobre o surto na internet.

Apenas em 20 de janeiro de 2020, o país declarou estado de emergência pela presença do Sars-CoV-2. Li Wenliang integrou o time de crise no Hospital Central de Wuhan até ser contaminado pelo vírus. Morreu em 6 de fevereiro, antes de a COVID-19 se tornar inimigo global.

A pandemia traz à tona incontáveis histórias de luto e de superação que, no futuro, certamente serão narradas de forma documental ou ficcional. Os últimos dias de vida de Wenliang estarão entre elas.

Porém, o que torna “Chernobyl” uma série primorosa é não se limitar apenas aos aspectos técnico-científicos. O drama pessoal dos infectados e das equipes de saúde fez parte do enredo, bem representado pelo casal Lyudmilla (Jessie Buckley) e Vasily (Adam Nagaitis).

Em seu desfecho, a série tenta responder à pergunta que se faz ao longo de toda a narrativa: quem foi o grande culpado (ou culpados) pelo acidente nuclear?. O julgamento, que ocupa o quinto e último episódios, se distancia da realidade em vários aspectos. Ao contrário do que mostra a produção da HBO, nem Legasov nem Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard), vice-presidente do Conselho de Ministros da União Soviética, foram interrogados no tribunal que julgou os possíveis crimes cometidos em Chernobyl .

O autor Craig Mazin diz que a opção por inserir Legasov nas cenas do episódio final teve a intenção de encerrar sua jornada e a mensagem científica sobre Chernobyl de maneira digna.

O julgamento de Anatoli Dyatlov (Paul Ritter), engenheiro supervisor da usina de Pripyat, nos faz questionar: também serão julgados os que, de alguma forma, colaboraram para a transmissão da COVID-19 em todo o mundo? Quantos crimes foram cometidos no Brasil e em outros países? O acidente de Chernobyl, no fim das contas, foi muito menos difuso e letal do que a pandemia que vivemos, apesar de ser até hoje o maior desastre nuclear da história. Direta e indiretamente, foram entre 4 mil e 100 mil mortos, segundo estimativas extraoficiais.


FUTURO 
Ainda não está claro se, no futuro, nos lembraremos do mercado central de Wuhan como o epicentro da COVID-19, apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) descartar o local como a origem do vírus, ou se construiremos memoriais para os mais de 3 milhões de vidas perdidas até o momento, segundo a Universidade Johns Hopkins.

Seja na arte ou na realidade, o que o acidente nuclear e o coronavírus ensinam é a necessidade de lembrar o passado para não repeti-lo. 

“CHERNOBYL”
Primeira temporada da série criada por Craig Mazin. Direção: Johan Renck. Os cinco episódios estão disponibilizados na plataforma HBO Go


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