Jornal Estado de Minas

CINEMA

Entenda os escândalos que levaram ao cancelamento do Globo de Ouro


Bastante abalada e modificada pela pandemia, a temporada de premiações de Hollywood mal entregou seus troféus em 2021 e já precisa lidar com uma grande mudança para 2022. A rede de TV norte-americana NBC anunciou nesta semana que não irá transmitir a cerimônia do Globo de Ouro, uma das mais badaladas do mundo, no próximo ano. Na prática, o prêmio não será realizado. 





A decisão é o mais duro golpe decorrente da crise enfrentada há alguns meses pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês), responsável pelo prêmio. A emissora justificou a decisão dizendo não acreditar que a associação será capaz de executar a tempo as mudanças necessárias em resposta às acusações em torno da pouca (ou nenhuma) diversidade de seu corpo de integrantes. 

Entre os quase 90 membros atuais da associação, não há sequer uma pessoa negra, conforme revelou, em fevereiro passado, o Los Angeles Times. O jornal também apontou sérias questões éticas envolvendo a relação da HFPA com os estúdios, colocando em dúvida a lisura da premiação. Muitos dos membros votantes no prêmio recebiam benefícios de produtoras de filmes e séries concorrentes, conforme ficou demonstrado.

Um exemplo foi a viagem de 30 correspondentes, a convite da Paramount Network, para acompanhar filmagens da série “Emily em Paris”, na capital francesa, em 2019. Com despesas pagas pelo estúdio, eles foram hospedados em um hotel de luxo e tiveram acesso a outras benesses. 





Para surpresa da crítica internacional, a produção conhecida por seus clichês e amenidades acabou indicada ao Globo de Ouro em duas categorias, preterindo outros títulos considerados superiores até por uma integrante da equipe de “Emily em Paris”, que se disse constrangida com a situação.

SUBORNO

O Los Angeles Times citou outros episódios de possível compra de indicações ao prêmio e trouxe à tona casos do passado em que produções pouco cotadas acabaram favorecidas de forma suspeita. Não obstante, a 78ª edição da premiação foi realizada em 28 de fevereiro passado, dias depois da publicação da reportagem. 

Os prêmios principais ficaram com “Nomadland” (melhor filme de drama), “Borat: Fita de cinema seguinte” (melhor filme musical ou comédia) e “The crown” e “Schitt's creek”, como melhores séries dramática e de comédia, respectivamente. 

Embora tenha negado as acusações de corrupção, a associação anunciou,  uma semana depois da cerimônia, que tomaria medidas para ter uma representatividade mais ampla entre seus integrantes e para melhorar suas práticas administrativas. 





Um dos maiores especialistas em igualdade racial dos EUA, Shaun Harper foi contratado como consultor de diversidade estratégica. A empresa Ropes & Gray assumiu a consultoria jurídica, com o objetivo de fazer uma “revisão abrangente das políticas do HFPA”. No comunicado, a entidade afirmou “compreender a importância de construir uma organização mais inclusiva e de nos tornarmos mais transparentes em nossas operações”.

Harper, no entanto, rapidamente anunciou sua saída, dizendo não ter confiança na possibilidade de executar a transformação necessária na estrutura da organização. Da parte de Hollywood, a pressão sobre a HFPA continuou aumentando. 

Um grupo formado por 100 das maiores agências de artistas nos EUA e na Europa sinalizou em 15 de março que haveria boicote ao prêmio caso medidas mais contundentes não fossem adotadas. 

Em carta aberta, o grupo fez um apelo para a associação erradicar “a prática generalizada de comportamento discriminatório, não profissional, impropriedade ética e suposta corrupção financeira endêmica da HFPA, financiada pela Dick Clark Productions, MRC, NBCUniversal e Comcast”, envolvendo, portanto, os parceiros da entidade na realização do prêmio.





Na semana passada, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood finalmente anunciou as ações que pretendia tomar. A proposta aprovada em votação abre espaço imediato a 20 novos jornalistas membros, com foco em pessoas não brancas. A médio prazo (18 meses), aumenta o número total em 50%, também com o objetivo de diversificar o perfil do votante da HFPA. Além disso, ficam definidas restrições no recebimento de presentes ou de qualquer outro tipo de benefício.

O anúncio foi considerado insuficiente e visto como uma tentativa de mascarar um problema estrutural. A partir daí, não apenas os agentes dos atores, mas os próprios pesos-pesados de Hollywood passaram a se manifestar.

O ator Mark Ruffalo, premiado neste ano por seu papel em ''I know this much is true'', disse que não consegue se sentir %u201Corgulhoso ou feliz%u201D por ter recebido o Globo de Ouro (foto: NBCUniversal/Divulgação)

PROTESTOS

No Twitter, o ator Mark Ruffalo, premiado neste ano, escreveu: "Agora é a hora de intensificar e corrigir os erros do passado. Honestamente, como um vencedor recente do Globo de Ouro, não posso me sentir orgulhoso ou feliz por receber este prêmio".





A atriz Scarlett Johansson classificou a HFPA como "uma organização que foi legitimada por pessoas como Harvey Weinstein (ex-produtor, condenado a mais de 20 anos de prisão por estupro) para ganhar o reconhecimento da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood".

Ela revelou que participar do Globo de Ouro e dos eventos e entrevistas que o precediam implicava “enfrentar questões e comentários sexistas de certos membros da associação que beiravam o assédio sexual”.

“A menos que haja uma reforma fundamental necessária dentro da organização, acredito que é hora de dar um passo atrás em relação à HFPA e nos concentrar na importância e na força da unidade dentro de nossos sindicatos e da indústria como um todo”, disse a estrela.





Tom Cruise se juntou às manifestações e devolveu os três troféus que recebeu no Globo de Ouro – de melhor ator por “Jerry Maguire: A grande virada” (1997) e  “Nascido em 4 de julho” (1990); e melhor ator coadjuvante por “Magnólia” (2000). Ele enviou os troféus para a sede da HFPA, em Los Angeles.

Por fim, a  Netflix, que teve produções próprias premiadas em nove categorias na última edição, anunciou seu rompimento com o Globo de Ouro.  "Não acreditamos que essas novas políticas propostas resolverão os desafios sistêmicos de inclusão e diversidade da HFPA, nem a ausência de transparência de suas operações", afirmou Ted Sarandos, um dos diretores-executivos da Netflix.

O mesmo caminho foi tomado pela Amazon e, posteriormente, pela WarnerMedia, outras empresas de grande influência no setor. 

Diante dessa sequência de fatos, a NBC, principal financiadora do Globo de Ouro, decidiu se afastar da HFPA e anunciou que não irá transmitir o Globo de Ouro em 2022. A emissora pagaria US$ 60 milhões pelos direitos de transmissão.





No comunicado, no entanto, a NBC deixa brecha para retomar a relação com a associação, caso as mudanças de fato se concretizem. “Supondo que a organização execute seu plano, temos esperança de estar em posição de transmitir o programa em janeiro de 2023.”

A Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood divulgou sua resposta em forma de comunicado. “Independentemente da próxima data de transmissão do Globo de Ouro, a implementação de mudanças transformacionais o mais rapidamente – e da forma mais cuidadosa possível – continua sendo a principal prioridade para nossa organização”, diz o texto.

Contudo, boa parte da imprensa especializada em cinema nos Estados Unidos aposta que este seja o fim do Globo de Ouro. E o início de uma virada na forma como Hollywood distribui seus prêmios. 

TIROS EM HOLLYWOOD

Confira o passo a passo da crise de credibilidade do Globo de Ouro desatada neste ano

21 de fevereiro – Reportagem do Los Angeles Times revela que a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood não tem nenhum integrante negro e aponta práticas equivalentes a suborno na escolha dos indicados

26 de fevereiro – O movimento Time’s Up lança campanha de protesto em reação aos fatos revelados pela reportagem

28 de fevereiro – Cerimônia de entrega dos prêmios da 78ª edição do Globo de Ouro é realizada

9 de março – A HFPA  anuncia que tomará medidas para ampliar a diversidade entre seus membros

15 de março – Representantes de artistas sinalizam intenção de boicotar o Globo de Ouro caso não haja mudanças efetivas

(foto: Moloshok/REUTERS)

20 de abril – O ex-presidente da HFPA (por oito mandatos) Philip Berk (foto) é expulso da associação após vir a público e-mail no qual se referia ao Black Lives Matter como um “movimento de ódio racista” 

3 de maio – A HFPA anuncia a admissão imediata de 20 novos integrantes, com foco em jornalistas não brancos, e ampliação de 50% do número de votantes ao longo dos próximos 18 meses. Benefícios e presentes para membros também ficam proibidos

7 de maio – Netflix anuncia rompimento com a HFPA por julgar as ações insuficientes. Astros de Hollywood começam a falar publicamente contra a HFPA. Amazon e WarnerMedia também anunciam rompimento com a entidade e com o Globo de Ouro 

10 de maio – A NBC anuncia que não irá transmitir o Globo de Ouro em 2022




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