"Nenhum músico quer ficar em seu porão durante o resto da vida praticando escalas"
Dave Grohl, guitarrista e diretor
Dave Grohl pensou que estava fazendo um filme nostálgico sobre o início de carreira de músicos famosos. Mas então veio a pandemia. Em parte pelo design e em parte pelas circunstâncias, “What drives us” (“O que nos move”, em livre tradução) se tornou um documentário surpreendentemente emocional em relação ao poder dos shows ao vivo e à dor de sua ausência.
O líder da banda Foo Fighters provou ser um verdadeiro contador de histórias, tanto no documentário “Sound City”, sobre um lendário estúdio de música da Califórnia, quanto na série “Sonic highways” (HBO). Seu novo trabalho está disponível na plataforma Amazon Prime Vídeo.
ROCK
O documentário foca em uma experiência comum à maioria dos músicos, principalmente de grupos de rock. Em algum momento, eles performam a ação figurativa de entrar numa van com os integrantes da banda e levar sua música para a estrada.
“Você tem que entrar em uma van se quiser ter sucesso neste ramo”, diz Ringo Starr, que se lembrou de quando os Beatles se amontoaram para se aquecer depois que o para-brisa arrebentou em uma noite fria.
Grohl começa trocando histórias de van com mais de duas dúzias de músicos. As entrevistas ficam mais profundas à medida que eles falam por que entraram nessa vida – daí o duplo sentido do título “What drives us”. Ele começou a editar as entrevistas depois que a pandemia surgiu e percebeu o quanto a necessidade de compartilhar música em palcos se tornou um tema comum.
“Era parte da conversa”, diz Grohl. “Mas conforme o tempo passava e estávamos famintos por isso, percebi que era a parte mais importante da conversa. É por isso que fazemos isso. Nenhum músico quer ficar em seu porão durante o resto da vida praticando escalas.”
As histórias são engraçadas e, às vezes, comoventes. Flea, do Red Hot Chili Peppers, fala sobre a música como fuga de uma infância abusiva. “Aqui está o seu ingresso dourado para Oz: saia por aí em uma van e toque música com amigos”, comenta.
The Edge, do U2, cresceu numa pequena cidade aoNorte de Dublin, onde não há nada para fazer. “É por isso que começamos a nos interessar por explosivos”, diz. Até o dia em que assistir a “A hard day’s night” fez com que ele e seus amigos se dedicassem a algo mais produtivo.
St. Vincent e Lars Ulrich, do Metallica, e Brian Johnson, do AC/DC, participaram do filme de forma eloquente. Em uma turnê com uma van, “você fica muito, muito perto das pessoas, perto de tal forma que as pessoas que trabalham em um banco nunca poderiam imaginar”, comenta St. Vincent.
Grohl dirige a van vermelha que o Foo Fighters usava no início da banda. Sua filha de 15 anos quer se dedicar à música, e o documentário a deixou mais entusiasmada em seguir os passos do pai.
O ex-Nirvana tem relacionamento com os colegas músicos que cineastas ou jornalistas não conseguiriam ter. Afinal de contas, eles estiveram no mesmo assento, ou bagageiro.
“Músicos têm uma espécie de experiência extrassensorial entre si, que geralmente é compartilhada quando os instrumentos estão ligados”, revela. “Tive ótimas conversas com músicos em que não dissemos uma palavra. Apenas tocamos instrumentos juntos e, às vezes, essas podem ser as conversas mais reveladoras”, afirma o líder do Foo Fighters.
Sociável e sincero de um modo surpreendente, é difícil não se deixar levar pelo entusiasmo de Grohl, de 52 anos. Durante a pandemia, as atividades dele incluíram competições de bateria on-line com uma garota britânica de 10 anos, Nandi Bushell, além de escrever e gravar uma canção com Mick Jagger.
Dave Grohl também escreve um livro sobre algumas aventuras de sua vida. Terminou de gravar uma série de TV com estrelas do rock e suas mães, incluindo a dele.
Desde seus dias na cena punk rock underground em Washington, a música sempre foi sinônimo de comunidade para Grohl. Ele se lembra de estar nos bastidores de festivais com todos os tipos de artistas tocando uma variedade de estilos. “Andava de camarim em camarim, batia na porta com uma garrafa de uísque na mão e dizia: 'Cara, vamos sair juntos, somos músicos'”, revela.
Ele não tem ideia de com quantos colegas já dividiu uma garrafa de uísque. “Adoro estar com músicos”, diz. “Músicos podem ser muito divertidos. De certa forma, somos como alienígenas. De alguma maneira, somos eletricistas. Mas coloque todos nós juntos e seremos como uma convenção de esquisitos. Amo estar no meio disso.”
Se há um tema que permeia o filme é humanizar a vida, que pode parecer distante ou exótica para quem está de fora. É como se Grohl, basicamente, estivesse batendo na porta do espectador de seu documentário.
PALCO
Os shows estão voltando a ocorrer na Europa, pelo menos em pequena escala. Grohl conta que é constantemente questionado por pessoas na rua sobre quando as atividades estarão normalizadas. Ele adoraria saber a resposta. Sonha com isso, subir ao palco e receber aplausos antes do primeiro acorde de guitarra.
O guitarrista e documentarista diz esperar que essa seja uma experiência avassaladora. “Você pode abrir seu laptop e ir para o YouTube assistir a apresentações ao vivo de bandas”, comenta. “Pode ser legal, pode ser quase emocionante. Mas a experiência real e partilhada com os outros por estar lá presencialmente quando o show está acontecendo é outra coisa.” (Estadão Conteúdo)
”WHAT DRIVES US”
Filme de Dave Grohl
Disponível na Amazon Prime Video