Luiz Gonzaga, a principal referência da música pernambucana, foi uma espécie de padrinho do Quinteto Violado. Ao ouvir o arranjo do grupo para o clássico “Asa branca”, Gonzagão afirmou que aquela era a melhor leitura de sua obra. Gilberto Gil, ao acabar de chegar de Londres, exílio imposto pela ditadura militar, chamou aquela sonoridade de “free nordestino”.
Com trajetória marcada por trabalhos relevantes, 56 discos, vários prêmios e turnês pelo Brasil, além de países da América Latina, Europa e África, o Quinteto Violado chega aos 50 anos em franca atividade. Para dar início à celebração, lançou o single “Tempo” (Atração Fonográfica) nas plataformas digitais.
O autor dessa canção é Dudu Alves, tecladista e diretor musical do Quinteto, que tem como companheiros Marcelo Melo (voz, violão e único remanescente da formação original), Ciano Alves (flauta), Sandro Lins (baixo) e Roberto Medeiros (bateria).
Com produção de Pedro Francisco de Souza, “Tempo”, uma espécie de repente moderno, busca valorizar a cultura popular e a identidade nordestina.
O relançamento de “Lá vêm os violados” (Cepe), livro do jornalista José Teles publicado originalmente em 2012, também faz parte da festa de cinco décadas da banda, que vem gravando lives nesta pandemia. Apresentado em 29 de janeiro, um desses shows on-line se chamou justamente “50 anos do Quinteto Violado” e está disponível no YouTube. O grupo promete lançar outros três singles e um álbum de inéditas.
Nesta entrevista, os músicos Marcelo Melo e Dudu Alves comentam a trajetória e o futuro do Quinteto Violado.
"Estamos antenados com o que está acontecendo na música. CD não é mais usual, a moda é lançar singles"
Dudu Alves, músico
A letra do single “Tempo”, composta por você, pode ser vista como um retrato multifacetado do Quinteto Violado?
DUDU ALVES – Sim, sempre (fomos) multifacetados. Fazemos a música do mundo sem perder a nossa identidade nordestina. “Tempo” é um repente moderno, com a nossa roupagem. Durante a gravação no estúdio, a emoção tomou conta de todos por nos fazer voltar a 1971, quando fomos batizados de Quinteto Violado. Foi um momento marcante, que vem com estilo moderno de gravação, sob a coordenação de Pedro Francisco de Souza, o nosso produtor.
São 50 anos de carreira. Que significado essa longevidade tem para o grupo?
MARCELO MELO – A longevidade dessa trajetória aconteceu de forma natural, muito embora tenhamos perdido alguns integrantes. Inicialmente, em 2006, o Luciano (Lira Pimentel). Depois perdemos Toinho Alves, que partiu em 2008, vítima de um infarto fulminante. Mas mantivemos sempre o Quinteto seguindo a proposta que eu havia desenvolvido com Toinho. Agregamos dois sobrinhos de Toinho, que são o Ciano (flauta) e o Roberto (bateria), além de Dudu Alves, filho de Toinho, também administrador da empresa que gere o grupo. Isso fez com que mantivéssemos a índole musical familiar, sem deixar o Quinteto envelhecer, trazendo sempre dados novos, obedecendo à proposta que trazemos desde o início da nossa formação, em 1971.
"O Quinteto chega aos 50 anos elogiado por Gonzagão, Gilberto Gil, Caetano Veloso e pelos críticos"
Marcelo Melo, músico
Haverá um álbum comemorativo do cinquentenário ou a opção é lançar singles?
DUDU ALVES – Estamos antenados com o que está acontecendo na música. CD não é mais usual, a moda é lançar singles. Nós e nossa gravadora, a Atração Fonográfica, acordamos que pelo menos neste momento vamos seguir a onda, lançando singles a cada três meses. Mesmo sabendo do rumo que os lançamentos seguiram, estamos incluindo nossa proposta no Fundo de Cultura de Pernambuco para a gravação de um álbum de inéditas e autorais do Quinteto. Se for aprovado, ele só será lançado no início do segundo semestre de 2022.
Qual foi a contribuição do Quinteto Violado para as músicas nordestina e brasileira?
MARCELO MELO – A leitura que a gente fez da música regional nordestina foi importante no sentido do comportamento musical. A gente trouxe uma contribuição porque apresentou realce diferenciado nos arranjos, agregando influências que tínhamos da música erudita, dos folguedos populares, dos cancioneiros e dos gêneros musicais dos ciclos culturais nordestinos.
Como driblar os problemas causados pela pandemia para celebrar esta data tão importante para o Quinteto Violado?
DUDU ALVES – Em 2020, fomos pegos de surpresa. Tudo parou. Paramos uma turnê nacional em parceria com a Banda de Pau e Corda, não tivemos são-joão. Tivemos de nos reinventar. Partimos para a gravação de clipes, a exemplo de “Asa branca – A voz do Nordeste”, lançado no ano passado, que contou com as participações de Sando, nosso primeiro flautista, Elba Ramalho, Chico César, Lenine, Zeca Baleiro e Geraldo Azevedo. Também fizemos outra live em comemoração dos 100 anos de Zé Dantas, parceiro de Luiz Gonzaga, patrocinada pela Prefeitura de Carnaíba, terra natal do homenageado.
O que Luiz Gonzaga representa para vocês?
MARCELO MELO – Somos discípulos de Luiz Gonzaga, a quem chamamos de nossa estrela-guia, o grande representante da música nordestina. Os arranjos que fizemos para a obra dele definiram a sonoridade do Quinteto Violado. Nossa leitura de “Asa branca” ele considerou o mais belo arranjo para sua obra. Assim, o Quinteto chega aos 50 anos elogiado por Gonzagão, Gilberto Gil, Caetano Veloso e pelos críticos.
A MPB diferente do Recife
Ao definir o Quinteto Violado como “free nordestino”, Gilberto Gil resumiu bem a alma do grupo, surgido em 1971, no Recife. As raízes estavam bem fincadas na cultura regional, mas com ouvidos bem abertos ao mundo. Assim como Chico Science e os rapazes do manguebeat fizeram 20 anos depois.
O jornalista José Teles, autor de “La vêm os violados”, a biografia da banda lançada em 2012, mostra que o Quinteto – tão influenciado por Gonzagão – soube acrescentar o tempero pop à sua sonoridade.
Se hoje ritmos cabo-verdianos, como a coladera, encantam jovens artistas brasileiros, os pernambucanos já estavam antenados naquele som no fim da década de 1980, quando gravaram “Ilhas de Cabo Verde”, LP lançado apenas por lá.
ARMORIAL
De acordo com Teles, o Quinteto Violado foi influenciado pelo sessentista Quarteto Novo (Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Théo de Barros e Airto Moreira), com sua musicalidade sofisticada e popular. E também erroneamente confundido pelos “sulistas” com o Movimento Armorial de Ariano Suassuna. Quando surgiu, aquele som era pouco (ou nada) compreendido no Sudeste, inclusive por jornalistas da área cultural.
Inicialmente, o grupo era formado por Antonio Alves, o Toinho, que trocou a química pela música; Marcelo Melo, agrônomo com mestrado na Bélgica que se tornou violonista; Luciano Pimentel, baterista, que cursou belas-artes; o administrador de empresas Fernando Filizola, que integrou banda de iê-iê-iê, tocou guitarra elétrica e se apaixonou pela viola caipira de 10 cordas; e o flautista Alexandre Johnson, o Sando, então pré-adolescente de 13 anos que substituiu Generino Luna.
Os baianos Gilberto Gil e Roberto Santana, ligado à gravadora Philips, perceberam o talento dos rapazes, que chamavam a atenção no Recife com um som diferente. Santana, inclusive, produziu projetos deles. Ao se apresentar em Nova Jerusalém, no interior pernambucano, o grupo foi recebido por garotos da cidade. “Lá vêm os violados”, gritavam eles. Assim foi o batismo, revivido na letra do single “Tempo”.
Em 1972, o disco de estreia, “Quinteto Violado”, lançamento da Philips, despertou a atenção do país para a bela versão de “Asa branca” – avalizada pelo próprio Gonzagão – inusitada e com toque de jazz.
Críticos chegaram a apontar o Quinteto como a nova face da MPB. Jovens se identificavam com o som raiz e moderno dos nordestinos, que reafirmavam a cultura popular no contexto da ditadura militar.
O Sul Maravilha se encantou pelo Quinteto Violado, que lançou os discos “Berra boi” (1973), “Música popular do Nordeste (1973, série assinada por Marcus Pereira) e “A feira” (1974). Em 1975, os pernambucanos eram atração do Midem, na França.
A partir da década de 1980, o Quinteto, que tanto sucesso fizera nos anos anteriores, viu seu espaço se estreitar na indústria fonográfica, mas nunca deixou de gravar. Passou a apostar em produções independentes. Lançou o elogiado “Quinteto canta Vandré” (1997). Em “Farinha do mesmo saco” (1999), gravou Chico Science, Lenine e Fred 04, a nova cena pernambucana.
JOVENS
No início dos anos 2000, apenas Toinho Alves e Marcelo Melo eram os representantes da formação original no quinteto, que passou a contar com os jovens Ciano, Roberto de Medeiros e Dudu Alves. A turma prosseguiu na estrada, lançando álbuns dedicados às obras de Gonzagão, Geraldo Vandré, Adoniram Barbosa, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos, entre outros.
Em entrevista à revista Continente, José Teles destacou a importância do Quinteto Violado para a cultura brasileira: “Bumba meu boi, maracatus, cocos, cirandas e frevos de bloco foram incorporados à linguagem da MPB no país inteiro. Até então, a música nordestina que se escutava no Sudeste era estilizada, com as exceções de praxe – Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e outros grandes do forró”.