Denise Fraga estava em cartaz em Belo Horizonte com o monólogo “Eu de você”, quando a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, em março do ano passado, suspendendo indefinidamente a temporada do espetáculo no CCBB.
“Fiquei muito triste quando tudo parou, porque parecia que eu tinha levado uma rasteira enquanto estava correndo. A peça estava indo muito bem. Tinha feito uma temporada incrível em São Paulo, e a gente estava na segunda cidade, que era BH”, conta a atriz. “Fui pra casa e chorei bastante.”
Neste fim de semana, Denise Fraga abre a 1ª Mostra Teatro On-Line APTI (Associação de Produtores Teatrais Independentes), com um espetáculo em prol de artistas que ficaram sem renda devido à pandemia. A mostra exibirá 20 peças, até agosto. O texto que a atriz escolheu para participar da programação foi "Galileu e eu - A arte da dúvida”, que ela montou em 2015.
“Foi meio absurdo eu ter feito o Galileu, porque ele não é, digamos, um papel para mim. Mas resolvi fazer de tanto que eu queria dizer esse texto. Para mim, é um dos maiores textos da dramaturgia, porque é de uma inteligência absurda. O (Bertolt) Brecht é genial, mas esse texto dele é muito redondo, é um show de argumento e réplica. Por isso eu falei: não interessa ser uma mulher (no papel), a estrela dessa peça é o texto.”
A peça de Brecht narra parte da biografia do astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), que revolucionou a ciência ao provar o movimento da Terra em torno do Sol, mas foi obrigado a negar publicamente a tese para não ser queimado nas fogueiras da Santa Inquisição.
QUARENTENA
Para fugir da angústia nos primeiros meses de pandemia, Denise fez uma espécie de adaptação de “Eu de você” para o ambiente digital, com a websérie “Horas em casa”, na qual encena relatos enviados pelo público sobre a quarentena, disponível em seu canal no YouTube. Paralelamente, ela começou a ensaiar “Galileu e eu” para o projeto Sesc EmCasa.
No espetáculo, a atriz relaciona a trajetória do astrônomo, o texto de Brecht e a história de como a peça lhe comoveu, aliando o humor e a reflexão na busca do conhecimento. Para escrever o roteiro, Denise leu três biografias de Galileu Galilei.
“O grande valor do Galileu está em não se contentar com o que está estabelecido, com o próprio conhecimento em si. Ele era um investigador cotidiano da própria ciência. No monólogo final, ele fala sobre ‘a nossa nova arte da dúvida’. Adoro essa expressão porque sempre acho que nosso trabalho será tanto melhor quanto menos certezas você tiver.”
A direção da versão digital de “Galileu e eu - A arte da dúvida” é de Luiz Villaça, marido de Denise. Na gravação, ela abriu mão do suntuoso figurino do espetáculo, trocado por uma roupa preta, e deixou de lado a peruca de Galileu, optando por apenas prender os cabelos. Em 50 minutos de apresentação, a atriz recorre a uns poucos objetos de cena e promete algumas “surpresinhas”
Na avaliação de Denise, o teatro virtual foi uma porta aberta durante a pandemia que nunca mais será fechada. Mas ela lamenta a ausência da reverberação do público ao vivo. “‘Galileu e eu’ foi a peça com a qual senti mais prazer em cena, porque eu tinha na plateia uma reação que nunca experimentei. A peça é um show de ironia, então as pessoas riam daquela coisa inteligente, do humor e da ironia ali, cavando a estrada do pensamento. Isso é muito bonito.”
Encenar esse espetáculo é também uma forma de valorizar a ciência e se contrapor à onda negacionista, na opinião da atriz. “Eu fiquei muito, muito, muito feliz de poder falar esse texto neste momento. Acho que é um bálsamo trazer à tona as centelhas de Galileu quando as pessoas estão falando em terra plana”, afirma.
E convida o público a mergulhar nessa discussão virtualmente, em meio ao turbilhão de absurdos vividos no país. “O texto é muito incrível nestes tempos. A gente às vezes fica com preguiça dessa discussão, mas ele (o texto) não é panfletário, é de puro conhecimento e vai fundo na alma da gente.”
CONFIRA COMO
ASSISTIR À MOSTRA
A 1ª Mostra Teatro On-Line APTI tem o objetivo de arrecadar fundos para a compra de cestas básicas a serem distribuídas a profissionais das artes cênicas impossibilitados de trabalhar na pandemia. A gestão dos recursos arrecadados será feita pelo Fundo Marlene Collé. Até agosto, serão oferecidas duas peças sob demanda a cada final de semana. Os espetáculos ficam disponíveis para o público durante 48h. O espectador pode optar entre três valores de ingresso, que correspondem à sua doação para o fundo: R$ 25, R$ 50 e R$ 100. A relação dos espetáculos e a venda de bilhetes estão disponíveis no site da Associação de Produtores de Teatro Independentes: www.apti.org.br/mostra-de-teatro.