O baixista mineiro Felipe dos Santos lança o primeiro álbum prometendo romper padrões elitistas que, segundo ele, vigoram na música de Belo Horizonte. O título do disco é quilométrico: “Meu amigo tilelê diz que sou brega mas eu acho isso um pouco problemático”.
Política, diversidade, ecologia, família, preconceito e Beatles estão presentes nas letras de Felipe, de 30 anos, que se autointitula “operário da música” e dividiu seu álbum de estreia em quatro compactos.
“Até o tamanho do título é pouco usual hoje em dia. Isso me permitiu explorar várias facetas e temas, o que acabou influenciando arranjos e as letras. Achei o processo bem rico, gostei muito de fazer o
álbum
. É uma experiência linda pra mim”, afirma, ao comentar o caráter experimental de seu trabalho.
''Até o tamanho do título é pouco usual hoje em dia. Isso me permitiu explorar várias facetas e temas, o que acabou influenciando arranjos e as letras''
Felipe dos Santos, músico
BARZINHO
Ainda adolescente, Felipe formou sua primeira banda , coisa de garotos. O belo-horizontino fez apresentações voz e violão em barzinhos, deu aulas particulares de violão para crianças e começou a compor as faixas de “Meu amigo tilelê...” em 2011.
Em 2017, quando sua outra banda, a Sindiskato, acabou após cinco anos de atividades, ele decidiu iniciar a carreira solo voltada para o trabalho autoral. “Até aquele momento, minha função era de operário. Eu era alguém que tocava o repertório de outros artistas”, explica.
Desengavetar as canções compostas desde a adolescência tem sido “maravilhoso”, diz, revelando que escreve letras desde criança. “Minha mãe ainda guarda poemas que fiz quando tinha 9, 10 anos. Era muito fofinho”, brinca.
A motivação para assumir o lado autoral veio de uma conversa com o amigo, o cantor e compositor Sidarta Riani. Foi esse papo, aliás, que inspirou o longo título de seu álbum de estreia.
“Quando apresentei algumas composições ao Sidarta, ele fez o comentário de que eu tinha uma pegada brega. Na época, achei o comentário problemático. Ele queria dizer que a composição era cafona, e esse tipo de percepção sempre está ligado à música popular, do povão, visão que tende a ser um pouco elitista”, afirma Felipe.
O baixista e compositor deixa claro que o comentário de Sidarta não foi em tom de crítica, pelo contrário. Mesmo assim, defende a necessidade de um outro olhar a respeito do gosto popular.
Felipe dividiu o repertório do novo álbum em quatro compactos, que abordam temas distintos e se juntam para formar o nome do álbum. De acordo com ele, essa opção remete à sua trajetória artística diversificada, lembrando que já se apresentou em igrejas, bares e festas universitárias, foi professor de violão e cantou com bandas sertanejas.
Os dois primeiros compactos formam o Lado A, explica o baixista. “Meu amigo tilelê...” remete às amizades e à família. Na faixa “Choveu”, por exemplo, Felipe faz um tributo à avó.
“Diz que sou brega” se refere ao cancioneiro popular, criticando a pecha de brega aplicada a certas representações culturais, como é o caso da onda beatlemaníaca, nos anos 1960, com suas versões em português para hits dos Beatles.
O Lado B é político. O compacto “Mas eu acho isso” se refere a questões sociais que impactaram Felipe. Aqui, ele aborda o caso da menina Ágatha, de 8 anos, morta pela polícia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, quando voltava para casa com a mãe. O compositor fala também sobre o céu de BH em 2018, coberto por cinzas vindas de queimadas na Amazônia.
A quarta parte do projeto, “Um pouco problemático”, só será lançada no segundo semestre. Felipe dos Santos antecipa que ela trará relatos confessionais.
“MEU AMIGO TILELÊ DIZ QUE
SOU BREGA MAS EU ACHO ISSO
UM POUCO PROBLEMÁTICO”
• Disco de Felipe dos Santos
• Dez faixas
• Disponível nas plataformas digitais
Saiba mais
O QUE É TILELÊ
De acordo com dicionário informal na internet, tilelê é uma espécie de hippie contemporâneo, geralmente universitário, adepto de culturas alternativas, ligado à música produzida por artistas independentes e fã dos tambores e ritmos de matriz africana. Em BH, o termo é muito utilizado para jovens ligados à cultura do tambor disseminada por blocos de carnaval e atividades comandadas por Maurício Tizumba, percussionista, ator e compositor à frente da associação cultural Tambor Mineiro. De acordo com Tizumba, o termo tilelê remete a refrões onamotopaicos de canções do congado.
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria