“Artista tem altos e baixos. Eu já tive todos. Estou sempre inventando um modo de me reinventar”, afirma Gorete Milagres. A reinvenção de agora é uma volta às raízes. Desde março passado, a atriz nascida em Conselheiro Lafaiete está de volta a Belo Horizonte. Gorete viveu em São Paulo nos últimos 22 anos.
“Essa mudança veio com muita consciência. Veio de um desejo de estar perto da Lapinha da Serra, onde vou fazer um negócio, um plano B de carreira que sempre tive”, explica ela. A vontade de voltar nunca a deixou.
“Quando eu saí do SBT, em 2003, achei que era hora de retornar para o lugar que se ama. Mas tinha marido, filhas estudando. As meninas, nestes anos em São Paulo, chegaram a fazer prova para estudar no Dom Silvério três vezes. Acabava que não vínhamos, pintou trabalho no Rio, ficou difícil viabilizar tudo, e sempre adiando o retorno”, conta.
A despeito das mudanças, o plano A continua valendo. “Quero fazer séries, filmes, a vida para mim é o palco”, diz ela, que no próximo dia 30 de maio comemora 27 anos de sua maior criação, Filomena Maria de Jesus, a Filó. Em 1994, recém-formada pelo Teatro Universitário da UFMG (TU), foi convidada para fazer uma performance na programação alternativa do Festival Internacional de Teatro – Palco e Rua (FIT-BH).
No extinto Bar do Lulu, no bairro do Santo Antônio, Filó chegou pela rua, falando sem parar. Caminhou entre as mesas do espaço lotado, até que subiu em um pequeno palco. “Rolou um silêncio no bar. Foi ali que saiu pela primeira vez o bordão ‘Ô, coitado!’”, conta Gorete.
PROGRAMA DE TV
Em quase três décadas, Filó teve seu próprio programa de TV, virou campeã de audiência, protagonizou espetáculos, tornou-se personagem de livro, foi parar na internet. Mesmo que a personagem tenha crescido demais, Gorete fez outros papéis no cinema, na TV e no teatro.
Em seu antigo apartamento de Belo Horizonte ela planeja o futuro. As coisas já começaram a acontecer. “É o mesmo lugar onde encerrei um ciclo, quando me mudei para São Paulo. No dia em que eu estava pregando fotos no meu escritório, o telefone tocou e era um convite para um trabalho com a Filomena. Estamos conversando”, diz ela, sem adiantar muito sobre o novo projeto. Caso vingue, ela precisará ir uma vez por semana a São Paulo. Mas só a trabalho, pois a vida agora é aqui.
E acolá também. Há 20 anos Gorete tem um lote na Lapinha da Serra, região da Serra do Cipó. Há 10 comprou outro terreno. A área maior vai ser a sede da Casa do Fim do Mundo, um lugar em que ela quer plantar e cultivar. “Sou tataraneta, bisneta e filha de fazendeiro. Gosto da ideia de ter um lugar para chamar de meu. Quero fazer uma agrofloresta.”
No terreno menor, Gorete pretende construir uma casa para aluguel. Há também outro terreno, em Jericoacoara, no litoral cearense, em que ela pretende fazer o mesmo. “Frequento Jeri há uns cinco anos. Eu me apaixonei pelo lugar, virou meu parque de diversão e achei que era bom para investir. Da última vez que fui, fiquei dois meses. Dancei tanto forró que quebrei um ossinho do pé. Conquistei coisas na vida porque trabalhei muito. Está na hora de tentar realizar os sonhos.”
Mesmo com as alternativas, seu papel principal continua sendo a Gorete atriz. E Filomena, passados tantos anos, ainda é a protagonista. No ano passado, já durante a pandemia do novo coronavírus, ela gravou comerciais para a TV. Sempre ativa nas redes sociais, criou a série “Cozinhando com a Filó”, de receitas caseiras. “Fui com ela até dezembro, porque depois iniciei o processo de mudança, com reforma tanto da casa de São Paulo quanto do apartamento em Belo Horizonte.”
ORGÂNICOS
Gorete pretende retornar com a série culinária protagonizada pela personagem, desta vez com foco em alimentos orgânicos, vegetarianismo e veganismo. “Ainda como carne, mas só frango e peixe, e a cada dia, menos. Estou caminhando, revendo meus conceitos.” Quando a pandemia começou, a atriz estava apresentando o espetáculo “Filomena, 25 anos de peleja”.
Assim que for possível, quem sabe em 2022, ela pretende retornar aos palcos, com uma versão atualizada da montagem. “Aí serão 28 anos de peleja, e vou narrar a pandemia e tudo o que aconteceu com a Filó.”
O período de isolamento decorrente da crise sanitária também foi uma época de passar coisas a limpo. Em outubro de 2020, Gorete deu um depoimento para a campanha “A palavra de uma mulher”, seção criada pela revista “Cláudia” para denunciar violência decorrente de machismo.
No relato em primeira pessoa, a atriz revelou um histórico de agressões, incluindo uma tentativa de estupro na juventude, relações abusivas, além de confrontos no nível profissional. Foram anos de terapia para curar os traumas, que em um período da vida resultaram em uma Síndrome de Pânico.
As filhas – Alice, de 25 anos, atriz; e Maria, de 19, modelo – estiveram ao lado de Gorete todo o tempo. “A Alice me falou: ‘Mãe, é preciso falar. As pessoas têm que entender. E quando você cala, você consente, aceita. A gente tem que parar de normatizar a violência”, conta ela.
ALMA LAVADA
Hoje a alma está lavada. “Não dá para ficar com esse ‘bolo’ dentro de você. Estou na plenitude da vida, encerrando um ciclo e começando outro, então senti necessidade de verbalizar. Os envolvidos foram perdoados.”
E o que ela espera deste retorno a BH? “Não espero, já está acontecendo. O acolhimento do mineiro é muito bom. Com a pandemia, ainda estou distante da família, só vou encontrá-los depois que receber a segunda dose da vacina. O que quero é que as pessoas saibam que estou aqui, que quero fazer muita coisa em BH, seja espetáculos com a Filomena ou textos dramáticos.”
Mesmo levando milhares de pessoas ao riso, Gorete se diz muito dramática. “No fim de semana, fui ver o pôr do sol usando três máscaras. Me disseram: ‘Você não acha que está exagerando? A gente precisa viver um pouco.’ Quem disse que não estou vivendo? O que espero, a partir deste momento em que estamos, é viver, porque o resto é uma caixa de surpresas.”