Difícil encontrar alguém que tenha passado impunemente pela pandemia, que já se arrasta há mais de um ano, tendo deixado projetos suspensos e sonhos congelados. A ansiedade é o sentimento dominante desse período. E é por isso que o atraso de quase um ano no lançamento de "Depois a louca sou eu" não foi capaz de retirar a atualidade desse longa de Júlia Rezende.
Previsto para estrear nas salas de cinema em abril de 2020, o filme chegou à telona somente em fevereiro passado, nas capitais em que os cinemas estão funcionando, o que não é o caso de Belo Horizonte. Agora, o longa pode ser visto no streaming, no catálogo da Amazon Prime Video.
Adaptada do livro homônimo de Tati Bernardi, a história retrata a vida de Dani (Débora Falabella), que convive com medos e crises incontroláveis de ansiedade. Uma realidade que acompanha a personagem desde a infância. Das coisas mais banais, como ir a uma festa, passando por viagens e passeios, além dos encontros amorosos, tudo se transformava em um verdadeiro inferno para ela.
Pesa ainda mais o fato de a mãe superprotetora (Yara de Novaes) colocar a filha em situações bizarras, como a de recorrer a um curandeiro para solucionar seu transtorno de ansiedade. Mas Dani também se mete em situações estranhas por conta própria. Em uma dessas roubadas, ela encontra Gilberto (Gustavo Vaz), que tem os mesmos problemas que ela.
GERAÇÃO
Júlia Rezende diz que se encantou com a história a ponto de atravessar uma madrugada lendo o livro. Quando chegou à última página, estava convicta de que aquele era material para um longa. "O livro é a história da nossa geração, a geração Rivotril, em que todo mundo está medicado, tentando lidar com muita ansiedade", afirma.
A diretora da comédia dramática avalia que, mesmo antes da pandemia, as comparações e expectativas geradas pelas redes sociais já impunham um ambiente ansiogênico. Na opinião dela, Tati Bernardi consegue retratar com humor uma história que é muito dramática.
Júlia define a protagonista da trama como uma mulher forte, que está tentando sobreviver a si mesma. "Mesmo com toda a angústia que a paralisa em alguns momentos, ela está sempre indo em frente, buscando ajuda, tentando compreender o que acontece com ela."
Apesar de o perfil da personagem estar de bandeja no livro, a diretora diz que a adaptação para o cinema foi desafiadora. "O livro não oferecia uma narrativa linear. Não tinha começo, meio e fim. O Gustavo Lipstzein foi sagaz e conseguiu construir um roteiro vertiginoso com ritmo frenético em muitos momentos. Como diretora, foi desafiador adaptar aquele texto que já propunha linguagens e caminhos estéticos e narrativos para o filme", afirma.
O Estado de Minas conversou com Júlia Rezende, os atores Debora Falabella, Gustavo Vaz e Yara de Novaes, e a produtora Marisa Leão em coletiva virtual, em fevereiro passado, para divulgar o lançamento do filme nos cinemas.
Débora contou que exprimiu seu interesse em interpretar a protagonista do livro, antes mesmo de saber que havia um projeto para a transposição da história para o cinema. Para construir a personagem, no entanto, ela procurou ir além do texto. Com o roteiro nas mãos, a atriz teve a certeza de que deveria criar uma personagem, e não dar vida a alguém que já existia.
"Fomos inventando essa Dani. As experiências pessoais e de alguns amigos também foram decisivas na criação. Eu tinha muitas referências", afirma a atriz. Yara de Novaes afirma que seu ponto de partida para interpretar Silvia, a mãe superprotetora, foram suas experiências com os dois filhos, hoje com 28 e 22 anos.
"Chega um determinado momento na vida materna que você vira pessoa folclórica. Os filhos começam a lidar com você como se, a qualquer momento, você vai dizer alguma bobagem, seja lá qual for a trajetória que você tenha na vida", diz.
"Percebo esse conflito de lidar com todas as fragilidades, somos humanas. Inclusive a migração do filho da casa materna para a sua própria casa é difícil, esvaziador, perdem-se de alguma maneira todos os parâmetros e, ao mesmo tempo, a gente tem que ter uma relação de certeza."
Segundo Yara, muitas vezes esse conflito faz com que você evoque muito mais suas fragilidades do que suas certezas. "No caso da Silvia, percebemos uma relação de fragilidade que é multidirecional."
FUNÇÃO MATERNA
A atriz elogia a forma proposta pelo filme, que é conhecer a própria história. "Quando conseguimos dialogar com a nossa própria história com distanciamento, começamos a ter um certo repertório para lidar com emoções negativas ou frustrações."
Ela também comemora o fato de voltar a contracenar com Débora, com quem tem uma longa vida de parceria profissional e amizade. "Exerço de alguma maneira uma função meio materna para ela, porque sou mais velha e, de algum modo, construímos um caminho juntas."
Enquanto a pandemia paralisava os sonhos dos diretores e produtores de colocar suas histórias no cinema, Débora Falabella e Júlia Rezende levaram a rotina de Dani para as redes sociais com “O diário de uma quarentena”, que somou mais de 7 milhões de visualizações.
"Imagina a Dani agora, nessa pandemia? Ainda mais ela, com mania de limpeza, e que já vivia em quarentena por não gostar de sair de casa", brinca. Apesar das várias coincidências entre o filme e o contexto da crise sanitária , a ideia de levar a personagem do cinema para outra situação foi também uma maneira de manter o filme vivo.
O primeiro episódio da série, assinado por Tati Bernardi, foi feito de forma despretensiosa. As gravações foram feitas a distância, com Débora, Yara de Novaes e Júlia Rezende em suas respectivas casas. Os demais episódios foram escritos por Gustavo Lipstzein.
“Depois a louca sou eu”
Direção: Júlia Rezende.
Com Débora Falabella, Yara de Novaes e Gustavo Vaz. Brasil, 2020.
Disponível no Amazon Prime Video.