Historicamente, maio é o mês em que a ancestralidade africana ocupa as ruas mineiras em celebrações ligadas ao reinado negro e ao congado . Sem a possibilidade de encontros presenciais devido à pandemia, a tradição se reinventa nos ambientes virtuais, ganhando a chance de alcançar novos públicos. É o caso do evento realizado pela associação cultural Tambor Mineiro desde quinta-feira, que será encerrado nesta segunda (17/5), às 20h, com um “ bate-papo musical” entre Sérgio Pererê, Maurício Tizumba e o público.
'' Se você pensar que somos descendentes de um povo que veio ao Brasil na condição de escravizado, ir às ruas com tambores e músicas desse povo, misturando dança, teatro e poesia, como é o carnaval, significa um enfrentamento''
Sérgio Pererê, músico
REFLEXÃO
O ciclo de conversas se iniciou em 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura. Na opinião de Pererê, a data é mais um momento de reflexão que de celebração. “Não há grande sentido na lei de abolição em si, mas os povos de herança banto, como o povo do reinado, do congado e da umbanda, transformaram a data no Dia dos Pretos Velhos. É interessante ressignificar. Não temos motivos para louvar a Lei Áurea, mas transformamos a ocasião em algo nosso, o que passa a fazer mais sentido”, argumenta.
De acordo com o cantor e compositor, o caminho desta reflexão é pavimentado pela cultura. Por isso, o encontro de hoje terá conversa e música. “Vamos dialogar e cantar. Estou selecionando algumas coisas minhas voltadas para esse lugar, além de músicas das festas do reinado. Não será um show, mas um bate-papo regado a
música
”, define Pererê.
A cultura é “arma contra o racismo”, defende o artista. “Estamos em Minas Gerais e temos de priorizar o reinado como expressão muito potente. Cultura é arma política, das maiores que temos. Se você pensar que somos descendentes de um povo que veio para o Brasil na condição de escravizado, ir para as ruas com tambores e músicas desse povo, misturando dança, teatro e poesia, como é o carnaval, significa um enfrentamento”, explica.
Os cortejos do reinado estão associados “à reconstituição de valores humanos como a dignidade e o direito”, diz o músico, enfatizando que este é o caminho para um Brasil mais democrático racialmente. “Estamos aqui para construir uma sociedade nova”, acredita.
Embora lamente o fato de as festividades do reinado não ocorrerem nas ruas este ano, Pererê destaca a capilaridade das transmissões virtuais, levando a cultura afro a novos públicos. “Isso torna os reinadeiros mais visíveis. Minas não abraça tanto o reinado, muita gente desconhece essa cultura. É como se o congadeiro só existisse nesta época do ano”, lamenta. “Porém, por meio da internet, muita gente está tendo contato com isso pela primeira vez. Gente que nunca foi a uma festa de reinado pode ver a fala de uma rainha, de um capitão, e entender que não é só folclore. Eles são pensadores, guardiões de uma cultura. O presencial, claro, conta muito nessa experiência, mas temos este outro lado positivo.”
Nesta tarde, das 14h às 16h, o Tambor Mineiro oferece a oficina “Som, corpo e tambor – Uma experiência musical”, ministrada por Bruno Messias e direcionada a crianças e adolescentes. As inscrições devem ser feitas pelo site Sympla. O evento é realizado com recursos da
Lei Aldir Blanc
.
CELEBRAÇÃO DE MAIO
Bate-papo com Sérgio Pererê e Maurício Tizumba. Evento gratuito promovido pelo Tambor Mineiro. Nesta segunda-feira (17/5), das 20h às 21h, no Instagram (
www.instagram.com/tambormineiro
).