Em seu terceiro disco, o recém-lançado “Nosso chão”, a cantora e compositora paulista Bia Goes propõe uma homenagem à brasilidade, com um passeio por diversos ritmos, incluindo ijexa, jinká, congo de ouro, xote, carimbó, samba chula e capoeira e o das zuelas (cantigas) do Candomblé Angola. O álbum tem oito canções, sendo três compostas por Bia, que é também produtora, arte-educadora e pesquisadora musical.
Em 15 anos de carreira, ela já dividiu o palco com Toquinho, Omara Portuondo, Toninho Horta, Sérgio Britto, Gabriel Satter, Nelson Sargento, Tiê, Leci Brandão, Oswaldinho do Acordeom e Dominguinhos.
Por seus trabalhos anteriores, os discos “Bia Goes – Todo mundo quer dançar baião” (2013) e “3 em 3x4 – Um retrato da valsa brasileira” (2011), foi finalista do Prêmio da Música Brasileira (2014), como melhor cantora regional, e do prêmio Profissionais da Música (2016) como melhor cantora.
“Meu caminho como cantora foi construído tendo como base a influência da música instrumental brasileira, absorvida desde muito cedo em casa com meus pais, o multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo e minha mãe, Silvia Goes, pianista, compositora e arranjadora”, conta ela.
Para criar “Nosso chão”, ela partiu das perguntas ‘O que é nosso?’, ‘Onde pisamos?’ e “O que saudamos em nossa vida?’. O time de parceiros que ela reuniu nesse trabalho conta com Peri, Douglas Germano e Ricardo Valverde, assinando as composições; o mestre griot Carlos de Assumpção, que declama trecho de sua poesia “Raízes”; o grupo de cultura popular Kyloatala (em “Guaracyewaba”) e o instrumentista, cantor e compositor Filó Machado (em “Moçambique”).
"A realidade está posta, você vai fazer o quê com ela? Que 'egrégora' você vai querer construir dentro da sua casa e de si para sobreviver a isso? A música fala disso, de olharmos para o povo como um só e um pouco indignados com a situação. Como é que pode ser assim e como é que a gente pode não olhar para o outro?"
Bia Goes, cantora e compositora
PANDEMIA
Bia conta que o álbum “foi forjado no meio da pandemia” e explica o processo de seleção das canções: “Eram músicas que faziam companhia para mim durante a vida, mas que eu ainda não havia considerado como canções para gravar. Na pandemia, eu e Ricardo Valverde, que é o diretor musical do CD e meu companheiro, nos vimos precisando resgatar o que fazia sentido. Uma vez que perdemos a possibilidade de sair de casa e nos comunicar com o mundo como fazíamos sempre, fomos resgatar o que fazia sentido para nós. Daí o nome ‘Nosso chão’”.
A cantora e o marido fazem parte da Casa de Candomblé Angola nzó Kyloatala. “Esse contato com eles também trouxe um significado do que é chão para mim. É a palavra que ganhou uma infinitude de significados. O chão não é só o lugar de pisar, é a segurança, o afeto e a referência. Tomando então o chão como referência e, no caso do Candomblé Angola, como reverência. Nesse CD, faço reverência à mãe Oxum e a Iemanjá nas canções ‘Oxum’ e no ‘tema para Odoyá’.”
Ela cita que há também um tema dedicado ao chão, “Guaracyewuaba”. “É uma cantiga que a gente chama de zuela. Conheci-a pelo caboclo do Pai Arariboia, dentro do nzó Kyloatala. Quando a ouvimos, atravessou a gente, pois é um canto gritado. O caboclo canta gritando e ficamos muito chocados com aquilo. E aí, volta para casa, sai da roça, do trabalho, volta para o apartamento e para essa vida mais urbana. Ricardo fez uma harmonia e colocou música nela. Meu irmão Thiago fez uma linda introdução de baixo para essa música.”
Bia diz que trazer para o CD essa canção que é da roça, essa amplitude que é uma casa de candomblé e esse convívio com os irmãos de gerações e profissões diferentes é também lembrar a referência e a reverência de comunidade. “Mas ela é para atingir mais pessoas, é para eu ficar em comunidade, não é para ficar sozinha no meu querer musical. No disco tem também composições autorais. Assino ‘Flor de sal’ e ‘Egrégora’, que fala dessa relação do presente.”
Um presente, mais uma vez, fortemente marcado pela realidade imposta pela pandemia, como explica a artista. “A realidade está posta, você vai fazer o quê com ela? Que 'egrégora' você vai querer construir dentro da sua casa e de si para sobreviver a isso? A música fala disso, de olharmos para o povo como um só e um pouco indignados com a situação. Como é que pode ser assim e como é que a gente pode não olhar para o outro?”.
DESCANSO
Bia assina ainda “Domingo”, uma capoeira que trata do ato de descansar. “Para que serve o domingo na vida? Engraçado, porque, na pandemia, muitas vezes o domingo é um dia como outro qualquer. Mas no meu, explico que, para mim, não é um dia, mas, sim, um verbo. Nesse verbo, respiro, retiro e reflito. Tive a honra de receber nessa canção Carlos de Asssumpção, que é um poeta de Franca (SP), que nos seus 90 anos foi reconhecido, ganhou prêmios e foi olhado pelo mundo. É um poeta da resistência e declama a poesia ‘Raízes’, que está presente no livro ‘Protesto e outros poemas’.”
A cantora comemora também a participação de Filó Machado no álbum. “Ele arrasou, quebrou tudo na música ‘Moçambique’. É muito generoso e cantou conosco.” Bia está feliz com o momento de lançar o álbum. “Apesar de tudo, ‘Nosso chão’ vem para ajudar a me firmar. Continuo compondo e aprendendo a dar valor às coisas que tenho. Estou cuidando do disco como um filho. Eu o fiz via lei Aldir Blanc. Consegui também fazer seis lives. Chamei o cineasta Lucas Kakuda para fazer a filmagem. Foram lives-show e estão disponíveis no meu canal no YouTube. Todas foram feitas no formato de cinema, nesse intuito mesmo de valorizar cada pequena canção, para saber plantar e compartilhar.”
Nas lives, Bia incluiu canções que fizeram parte de sua carreira. “Fui cantora da banda do Oswaldinho do Acordeom durante muitos anos e canto forró nas lives. Canto também ‘Torturas de amor’ (Waldick Soriano), um dos clássicos da MPB, ‘Espumas ao vento’ e outras coisas cantadas por Fagner. Cantei também umas zuelas em quimbundo, que aprendi no terreiro. Além disso, recebi o grupo de cultura popular Kyloatala.”
“Nosso chão”
.Bia Goes
.CDBaby
.Disponível nas plataformas digitais