Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

'Sobre Terezas' revela horror vivido por pacientes da Clínica Serra Verde


Em 2012, quando a Clínica Serra Verde fechou as portas, 149 pacientes foram transferidos para o hospital transitório, onde passaram a ser atendidos pela equipe de desinstitucionalização. Entre os integrantes estava a terapeuta ocupacional Carol Oliveira, que acompanhou de perto o dia a dia de pessoas que passaram cerca de 30 anos indevidamente apartadas da sociedade. Também atriz, ela observava a adaptação deles com olhos atentos e, aos poucos, foi registrando aqueles momentos.





“Colecionei fotos, histórias, áudios, vídeos. Depois de assistir a uma peça da (atriz) Janaina Leite, em São Paulo, comecei a pensar nas formas de transformar os registros numa criação artística”, comenta Carol.

Assim nasceu “Sobre Terezas”, experimento teatral que estreia nesta terça-feira (18/5), Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Às 21h, por meio da plataforma Zoom, Carol Oliveira entra ao vivo para relembrar as histórias que coletou naquela época, destacando o processo de ressocialização a que os pacientes foram submetidos.

Com cerca de 15 minutos, a experimentação mescla ficção e realidade. A título de confidencialidade, os nomes dos pacientes foram ocultados – todos eles são Tereza.

“Um dos textos fala sobre a mulher que, ao ser transferida para o hospital transitório, passou a deixar o cabelo crescer. Em muitos casos, o cabelo do paciente é todo raspado, por questão de higiene mesmo. Certo dia, logo depois que conseguiu ir até o salão fazer um corte, ela chegou ao hospital e lá estava formada a fila para cortar o cabelo”, conta Carol.





Ao entrar em contato com familiares para pedir autorização do uso de imagem, a atriz teve a felicidade de encontrar Leonardo, filho de Maria Paulina. A atriz solicitava a liberação do vídeo em que a paciente cantava uma música de Roberto Carlos.

“Ele me contou que familiares não conseguiam fazer visitas no Serra Verde. Revelou que nas vezes em que conseguiu entrar, os pacientes estavam nus, comiam fezes e sofriam todo o tipo de atrocidade. Era a verdadeira animalização do ser humano”, afirma Carol.

Para a atriz, faz todo o sentido encenar seu projeto no Dia da Luta Antimanicomial. Viabilizado por meio da Lei Aldir Blanc, “Sobre Terezas” mostra os efeitos da vida em clausura em instituições psiquiátricas.





“Lugar de tratamento é na cidade e na sociedade. É claro que a internação pode ser necessária, mas não pode acontecer à revelia, como forma de punição. É muito perigosa a política que o governo Bolsonaro tem em relação a isso. Aqui em BH, somos muito sortudos por ter uma rede pública de saúde mental”, afirma a atriz.

Terapeuta ocupacional no Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam AD), onde trabalha com pessoas em sofrimento psíquico e uso abusivo de álcool e outras drogas, não é de hoje que Carol Oliveira trava uma batalha para incluir os pacientes na agenda cultural da capital. Antes da pandemia, ela tentou levá-los para assistir a espetáculos teatrais, mas as datas das apresentações, sempre aos fins de semana, a impediram.

ESPECIAL 
Em uma dessas ocasiões, ela promoveu a sessão especial da peça “Uma tendência para a alegria”, da Cia. 5 Cabeças, da qual faz parte. A apresentação ocorreu numa quarta-feira.





“Percebo a necessidade urgente de unirmos saúde e arte”, analisa. “Na pandemia, isso ficou ainda mais claro. A arte nos traz leveza e nos salva, assim como a saúde mental.”

Atualmente, a atriz tenta captar recursos para o projeto “Três fadas moribundas”, que leva apresentações teatrais para dentro dos centros de saúde, visando não só os pacientes, mas também os funcionários. “Ainda estamos escrevendo o projeto, mas ele é voltado para todo mundo que trabalha na saúde. Estamos todos exaustos e precisando dessa válvula de escape”, conclui.

“SOBRE TEREZAS”
Experimentação cênica com Carol Oliveira. Nesta terça-feira (18/5), às 21h, por meio da plataforma Zoom. Gratuito, com retirada de ingressos por meio da plataforma Sympla.

audima