Buscando retratar a multiplicidade de uma cultura pouco conhecida no Brasil, a 2ª Mostra de Cinema Árabe Feminino exibe uma seleção de 40 filmes dirigidos por mulheres em países como Egito, Líbano, Palestina, Sudão e Marrocos, entre outros.
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'Brasil brasileiro' exibe 16 filmes da década de ouro do cinema nacionalMostra on-line Tiradentes em Cena busca novos caminhos para o teatroMostra on-line da Pierrot Lunar divulga 24 curtas de diretores iniciantesA curadoria do evento – assinada pelas brasileiras Analu Bambirra e Carol Almeida e pela egípcia Alia Ayman – assistiu a mais de 80 filmes da cinematografia árabe feminina para selecionar os títulos do ciclo. Contrapor o estereótipo do mundo arábe como exótico e distante, muitas vezes presente no olhar ocidental, foi um dos objetivos da curadoria.
“Existe essa ideia de que a mulher árabe é submissa, só sofre, e não tem direito nenhum. Esse festival mostra que, apenas em sua programação, existem mais de 40 mulheres (árabes) que dirigem filmes. As mulheres (árabes) podem e estão fazendo filmes, trazendo a sua subjetividade e as suas histórias”, afirma Analu Bambirra, que é formada em cinema e audiovisual pelo Uni-BH.
Segundo ela, as obras dialogam com a cinematografia brasileira em temáticas sociais, políticas e de ativismo feminino. “Ver ali a nossa realidade, coisas que fazem parte da gente, traz uma conexão com outros países do Sul global, que passaram por processos similares de colonização. Essa aproximação é algo muito importante para discutirmos nossas próprias vivências”, diz.
IDENTIFICAÇÃO
Analu Bambirra participou da curadoria da 1ª Mostra de Cinema Árabe Feminino, realizada de forma presencial no CCBB-RJ, em 2019, e notou a identificação do público com os filmes. “As pessoas me procuravam depois das sessões para comentar como os filmes conversavam com a realidade delas”, conta.
Entre os 40 filmes disponíveis na segunda edição do evento, 27 são inéditos no Brasil. É o caso de “Escritório de espera” (2017), “Barbès” (2019) e “Portão de Ceuta” (2019), da diretora marroquina Randa Maroufi, que opera no limite entre o documentário e a ficção, segundo comenta Analu.
"O trabalho dela está neste questionamento sobre até onde vai o real e o ensaiado; se são pessoas reais ou atores (na tela)”, diz a curadora. O debate pré-gravado com Randa Maroufi vai ao ar em 16 de junho próximo, às 13h.
Entre curtas, médias e longas-metragens de ficção e documentários, a programação da mostra apresenta um amplo panorama e algumas especificidades da cinematografia arábe. “A gente percebeu que muitos desses filmes procuram uma forma de existência possível e resistência na vida. Pode ser com a esperança e uma utopia de um futuro ou de um presente melhor”, aponta a curadora mineira, ressaltando a diferença em relação ao cinema produzido em Hollywood (EUA).
“Nem todos os filmes seguem uma narrativa hollywoodiana com três atos. A gente tentou abraçar diversas formas de se fazerem filmes, muitas delas independentes, não dentro de uma indústria tão grande quanto Hollywood. Tem filmes mais ensaísticos, políticos, poéticos e tem também aqueles com uma ficção mais clássica, então o público pode esperar um pouco disso, mas não só.”
A cineasta palestina Larissa Sansour, que se dedica ao gênero da ficção científica, é um dos destaques da mostra. Analu diz que a diretora faz uso de elementos típicos do gênero para criticar políticas e abordar questões relacionadas à sua terra natal. “É um pouco familiar e estranho para quem está acostumado com Hollywood, por exemplo.”
Kubrick
Em “Um êxodo espacial" (2008), Larissa Sansour adapta um trecho de “2001: Uma odisseia no espaço” (1968), de Stanley Kubrick, para o contexto político do Oriente Médio. Esse e outros três filmes da diretora serão exibidos: "In Vitro" (2019), "No futuro, eles comiam da melhor porcelana" (2015) e "Patrimônio nacional" (2012).
A cineasta comanda a masterclass “Um futuro anterior” no próximo dia 25, abordando as mudanças de significados em contextos artísticos da ficção científica e o enquadramento do discurso político nessa proposta.
Mulheres palestinas são o foco de dois filmes presentes na 2ª Mostra de Cinema Árabe Feminino. O documentário “O protesto silencioso: Jerusalém 1929”, de Mahasen Nasser Eldin, retrata um movimento político feminista no contexto da revolta de Buraq, enquanto “Mulheres palestinas”, da cineasta Jocelyne Saab, dá voz às vítimas frequentemente esquecidas na guerra entre Israel e Palestina.
A mesa-redonda “Palestinidades: Corpo e território”, no próximo dia 28, é outro destaque na programação. A intenção é provocar, a partir de uma perspectiva histórica, uma reflexão sobre a experiência subjetiva do conflito no território palestino, tendo como foco o corpo feminino. Participam do debate as palestinas Mahasen Nasser Eldin (cineasta; “O protesto silencioso”), Riham Isaac (artista performática e professora) e Dina Matar (professora e pesquisadora).
Na opinião de Analu Bambirra, a escalada no conflito israelo-palestino, com os ataques à Faixa de Gaza nas últimas semanas, torna o debate ainda mais relevante. “É uma forma de ouvi-los (os palestinos), porque o que nos chega é principalmente o lado de Israel.”
Para completar a imersão na cultura árabe, a 2ª Mostra de Cinema Árabe Feminino preparou uma playlist no Spotify com a trilha sonora dos filmes que participam do festival (com exceção daqueles com trilha original).
2ª Mostra de Cinema Árabe Feminino, do Centro Cultural Banco do Brasil
Desta quarta (19/5) a 27 de junho, no site www.cinemaarabefeminino.com. Acesso gratuito. Playlist:
https://cutt.ly/qbM3lLC
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes