Jornal Estado de Minas

TELEVISÃO

Série sobre a música dos anos 80 gravada em BH estreia no Canal Brasil


Carlos Alberto (Gui Calzavara) é um cantor careca que paga suas contas tocando bossa nova em boates. Pois travestido como o cigano Enzo, com peruca e camisa vermelha decotada, ele toma de assalto as rádios e os programas de TV, levando as fãs à loucura. O assédio é tamanho que Carlos Alberto não aguenta o tranco. Pede pra sair.





O cantor Terry não tem essa opção. Cantando em inglês o hit “Summer holiday”, o galã importado tem que desaparecer quando o verdadeiro Terry morre do outro lado do Atlântico. O pobre Geraldo (Gerson Marques), garotão do interior, pega um ônibus e volta para casa para que a farsa não venha a público.

Tais armações são contadas com graça e nostalgia na série “Hit parade”. A produção, em oito episódios, do Canal Brasil, que estreia nesta sexta (21/5) na TV paga e na plataforma Globoplay, recupera, por meio da ficção, uma parte importante da produção cultural brasileira.

“A década de 1980 foi a época em que a música jovem triunfou no país. Houve tentativas anteriores, como a Jovem Guarda, a geração Raul Seixas, Secos e Molhados, mas, por mais importantes que elas tenham sido, foram limitadas”, afirma o jornalista e roteirista André Barcinski, criador da série.





“Nos anos 1960, quando foi lançado o programa ‘Jovem Guarda’, poucos brasileiros tinham TV. Foi na virada dos anos 1970 para os 1980 que o Brasil inteiro começou a abraçar a música jovem”, diz Barcinski.

TRIO 

Missiê Jack (Robert Frank) e Simão (Túlio Starling) passam de patrão e empregado numa gravadora a rivais no negócio
Hit parade” acompanha um grupo de músicos e produtores que querem fazer sucesso, lançando artistas a toque de caixa, a partir de 1984. No centro da narrativa está o trio Simão (Túlio Starling), Lídia (Bárbara Colen) e Missiê Jack (Robert Frank). 

Os dois primeiros são um casal. Simão tenta, há anos, emplacar como cantor, mas Jack, então o todo-poderoso da indústria fonográfica, não lhe dá chances. Quando rouba uma canção de Simão, ele se junta à mulher para criar a gravadora Sensacional Records e competir com o ex-chefe. O programa “TV do Lobinho” (Odilon Esteves) é o local em que todos os artistas se apresentam.





Belo Horizonte é o cenário da trama, ainda que a narrativa não localize a cidade onde a história é ambientada. Mas vários lugares bastante conhecidos estão na tela, como o Palácio das Artes, a antiga sede da TV Alterosa, a casa de shows Matriz, a boate do PIC. 

Foi o cineasta Marcelo Caetano (belo-horizontino radicado há 15 anos em São Paulo), convidado por Barcinski para dirigir a série, quem trouxe a produção para cá. Tanto por isso, o elenco é majoritariamente mineiro.

“Uma questão definidora foi a relação da cidade com o patrimônio e a arquitetura. Belo Horizonte ainda tem espaços muito preservados. Em São Paulo, você vai filmar numa casa antiga e encontra janela de alumínio, porcelanato no chão. A relação do mineiro com a preservação é mais consciente”, diz Caetano, que filmou, por exemplo, na rua em que nasceu e onde viveu até os 15 anos, no Bairro São Lucas.





“Hit parade” se apresenta como uma comédia que vai ganhando ares dramáticos em seu desenrolar. “Em 2014, lancei o livro ‘Pavões misteriosos’, sobre a indústria musical dos anos 1970 e 1980. As histórias do mercado são mostradas no cinema e na mídia de maneira unidimensional. Os anos 1980 são sempre alegres, um período de redemocratização, do novo rock”, diz Barcinski. 

Ele pontua que, no entanto, “pouco se fala das brigas corporativas, pois foi quando as grandes gravadoras se profissionalizaram, o jabá ficou forte, houve um aumento gigantesco do consumo de cocaína. Enfim, os anos 1980 não foram tão solares e bonitos como se convencionou chamar”.

Série de baixo orçamento – “Foi um quinto (do valor) de uma série brasileira barata da Netflix”, diz Caetano –, “Hit parade” foi rodada em BH no segundo semestre de 2019. É a primeira série dirigida por Caetano, que estreou em longas em 2017 com “Corpo elétrico”. 





“Minha experiência de filmar ficção é fazer duas, três cenas por dia. Aqui tivemos 10 semanas para filmar oito episódios de 40 minutos cada um. Resolvi fazer cenas mais longas, com um trabalho de diálogo mais forte, para não ter uma filmagem muito enlouquecida”, conta.

Barcinski e Caetano agora estão envolvidos com outro projeto para o Canal Brasil, uma série também de ficção ambientada no início da década de 1990 na redação do extinto jornal paulistano Notícias Populares.

HIT PARADE

Série em oito episódios. 
Estreia nesta sexta (21/5), às 22h30, 
no Canal Brasil e na Globoplay.

Bárbara Colen é Lídia, que tem faro para identificar novos talentos e conduz a Sensacional Records junto com o marido, Simão

Ter a própria cidade como cenário mexeu com as memórias dos atores

Quem acompanha a produção teatral e audiovisual mineira vai logo identificar várias caras que estão em “Hit parade”, seja em papéis de mais vulto, seja em participações. Além dos já citados, também estão na série, em papéis menores, atores como Gláucia Vandeveld, Eduardo Moreira, Docy Moreira, Assis Benevenuto e Rodolfo Vaz. 





Veteranos da música também participam, caso da cantora Maria Alcina, que interpreta a si mesma como jurada do programa do Lobinho, além de Ovelha e Edy Star (este último impagável como o cantor brega Ivanhoé).

“Acho que é muito novo deslocar toda a produção de uma série para BH. Foi muito bonito ver a sua cidade ali. Eu tenho memórias afetivas com vários lugares onde filmamos”, diz Bárbara Colen. No set, ela relembra, a “cada hora chegava uma pessoa diferente, amigos de outros tempos”. “É muito legal os atores mineiros terem essa possibilidade, pois às vezes é muito difícil conseguir entrar nas produções do eixo Rio/São Paulo.”

TEATRO

 Protagonista da história, Simão é interpretado por Túlio Starling, belo-horizontino que deixou a cidade quando tinha 15 anos e hoje vive em São Paulo. “Foi em BH que comecei a fazer teatro, o primeiro espetáculo que vi na vida foi do Galpão. É a minha cidade, pois minha formação vem daí. Com tantos polos de produção já tradicionais, a série reuniu várias gerações.”





Ator e músico autodidata, Robert Frank entrou na série por meio de teste. Ele faria o Onésio (Luiz Rocha), que se torna braço direito de Simão na parte artística da Sensacional Records. “Eles me ligaram dizendo que meu teste foi bom, mas que me queriam como o antagonista, o Missiê Jack. Me deu até um friozinho na barriga, pois foi o maior papel que fiz.”

São as artimanhas de Jack que levam Simão e Lívia a criar uma gravadora concorrente, que também utilizou de métodos nada muito éticos para tentar emplacar seus artistas. Valia tudo. Dar uma televisão estéreo importada para um apresentador de TV (mesmo que no Brasil da época o sistema estéreo não funcionasse); criar uma festa para que a cantora em ascensão conquistasse o astro da novela, e por aí vai.

Os limites éticos dos personagens são bastante flexíveis, estando eles do lado que for. “Nos ensaios, fui entendendo que o Jack não é um vilão. Um monte de gente ali passa a perna no outro para poder sobreviver, viver na selva que é o mercado.” Jack tem falas ótimas, uma delas que diz muito sobre o universo pop: “Quarenta e duas palavras não é letra de música, é discurso de Fidel Castro”.




O ator se baseou em personagens notórios do showbusiness, como Carlos Imperial e Boni. “Só que são figuras brancas. Pensando no personagem, entendi que ele possivelmente tinha sido músico, então pensei em Sammy Davis Jr., com essa coisa meio canalhão, com camisas com golas compridas.”

Para Bárbara, o mais importante de sua personagem é ver como Lídia, ao longo da trama, não ficou apenas como a mulher do Simão. “Ela tem intuição para os novos talentos e segue coerente com seus princípios, não tem essa de se perder pelo dinheiro e pela ambição, fazendo um contraponto com a trajetória do Simão.” Túlio comenta que a leveza da primeira metade da série dá lugar a uma densidade maior na parte final da história. “Mas o humor está sempre presente.”

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