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Estado de Minas

Lina Bo Bardi ganha duas biografias e homenagem na Bienal de Veneza

Vida da arquiteta ítalo-brasileira é relatada em obras com diferentes narrativas ao mesmo tempo em que sua trajetória é celebrada com Leão de Ouro póstumo


25/05/2021 04:00 - atualizado 25/05/2021 07:56

Lina Bo Bardi, em foto de 1953, aprecia a tela
Lina Bo Bardi, em foto de 1953, aprecia a tela "L'arlesienne", de Van Gogh.Entre as principais obras da arquiteta está o prédio do MASP, em São Paulo (foto: Luiz Carlos Barreto/O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas)

Em quantos livros cabem uma vida? A arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992) acaba de ganhar duas biografias. Lançados neste mês – coincidindo com a abertura da 17ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza, que celebra sua trajetória com um Leão de Ouro póstumo – “Lina Bo Bardi: O que eu queria era ter história”, de Zeuler R. Lima (Companhia das Letras), e “Lina: Uma biografia”, de Francesco Perrotta-Bosch (Todavia), apresentam diferentes possibilidades de uma obra biográfica.

Ambos os autores são arquitetos de formação, estreantes no formato, com sólida trajetória acadêmica e uma pesquisa extensa em torno da personagem, que resultou, anteriormente, em  ensaios sobre sua obra. Professor da Universidade de Washington, em Saint Louis, no Missouri, Zeuler Lima completa em 2021 duas décadas estudando Lina Bo Bardi.

“O que eu queria era ter história” acompanha de forma cronológica a vida de Lina, no formato costumeiro das obras do gênero. “Procurei construir um documento em que as pessoas pudessem ler e entender uma trajetória de forma organizada, com afeto e respeito. Para mim, foi muito importante fazer um trabalho rigoroso de reconstituição cronológica para mostrar os fatos. É fascinante, mas muitas vezes as histórias que Lina contou não são exatamente como os fatos ocorreram”, afirma Lima.

Ele exemplifica citando o texto “Cinco anos entre os ‘brancos’” (1967), em que a arquiteta fala sobre a experiência em Salvador, onde passou extensa temporada – sua maior realização naquela cidade foi a criação do Museu de Arte Moderna da Bahia, no Solar do Unhão. “Se seguirmos ao pé da letra o texto, ele é bastante linear. Mas, ao olharmos os fatos, o que aconteceu foi muito mais complexo, há personagens diferentes que entram e saem da história, políticas culturais que mudam”, continua Lima.

Com 10 anos de pesquisa em torno da arquiteta, Perrotta-Bosch fez diferente, criando narrativa não linear. “Lina, uma biografia” é aberto em 28 de abril 1953, quando o processo de naturalização brasileira de Lina (então com 38 anos) foi concluído, após dois anos de trâmites burocráticos. Já o capítulo seguinte pula 10 anos e chega à filmagem de “Deus e o diabo na terra do sol” (1964), de Glauber Rocha.

INQUIETAÇÃO 

“A compreensão de Lina em relação ao tempo não era cronológica. Esse foi o salvo-conduto que utilizei para seguir este caminho. É igualmente importante dizer que também fui para este caminho por uma inquietação que senti muito antes de saber que faria uma biografia. Quando já pesquisava a arquiteta, percebi que muitas histórias dela que tinham paralelos eram temporalmente muito distantes”, explica Perrotta-Bosch, que se mudou para Veneza há 10 dias para dar continuidade ao seu doutorado, pela USP.

Um desses acontecimentos de que o autor traça fala da relação da arquiteta com o Brasil. “Poucos anos depois de chegar ao país, o marido lhe deu águas- marinhas. Ela desenhou um colar lindíssimo, e o usava como que parar mostrar seu encantamento pelo Brasil. Em 1986, quando ocorre um assalto na Casa de Vidro e o colar é levado, destruído, aquilo é um grande desapontamento com o país, e para mim foi o início da morte dela. O colar é a metáfora de um Brasil que a encantou e depois a frustrou.”

Arquiteta, designer, cenógrafa, editora e ilustradora, Achillina Bo nasceu em Roma. Graduada em arquitetura no início da Segunda Guerra, com a ascensão do fascismo mudou-se para Milão. Nos anos 1940, atuou na imprensa e ingressou no Partido Comunista Italiano. Em 1946, casou-se com Pietro Maria Bardi (1900-1999), então colecionador e negociador de arte. No pós-guerra, o casal viajou ao Brasil para passar uma temporada. O convite de Assis Chateaubriand para que fosse criado um museu de arte moderna (o futuro Masp, em São Paulo) fixou os Bardi no país.

MINAS  

Lina era casada com Pietro Bardi, com quem desembarcou no Brasil do pós-guerra(foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas %u2013 17/5/1952)
Lina era casada com Pietro Bardi, com quem desembarcou no Brasil do pós-guerra (foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas %u2013 17/5/1952)

Entre suas principais obras, além do museu, estão, ainda em São Paulo, a Casa de Vidro, onde os Bardi viveram por quatro décadas, e o Sesc Pompeia. Na Bahia, ao lado do MAM, realizou um plano de recuperação do Centro Histórico de Salvador. Teve uma só realização em Minas Gerais, a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia, na década de 1970. “Talvez o meu projeto mais importante, feito sem dinheiro, com os padres franciscanos e as prostitutas”, disse certa vez.

“No Brasil, Lina teve um reconhecimento em vida, principalmente com o MASP e o Sesc Pompeia,  o projeto que deu maturidade ao seu trabalho. Internacionalmente o interesse por sua obra vem crescendo, especialmente nos últimos 10 anos. Com a crise, não existe o mesmo capital financeiro que financiava obras de grande porte, o chamado star architecture. Figuras marginais no pensamento, com questões humanistas e ecológicas, passaram a ter mais interesse”, comenta Lima, que considera Lina “exemplo único da procura de uma humanização, capaz de preencher espaços vazios e de pouca esperança”.

Para Perrotta-Bosch, Lina, ainda que tenha feito parte da onda imigratória europeia que  fugiu da guerra, se diferenciava dos compatriotas. “Em um sentido amplo, o imigrante italiano, arquiteto ou não, que vem para o Brasil em meados do século 20, tinha uma espécie de sentimento civilizatório. Como se estivesse levando o know-how europeu, do que há, muito entre aspas, de mais ‘elevado no conhecimento de civilização’”, observa.

Já Lina, não. “Ela tem interesse genuíno em criar com a origem, com o que é verdadeiramente brasileiro, local, singular. Isso fica mais evidente no caso da Bahia. Ter visto este valor é que difere Lina de uma grande relação de intelectuais e arquitetos de sua época”, conclui.

“LINA BO BARDI: O QUE EU QUERIA ERA TER HISTÓRIA”

(foto: Cia. das Letras/Reprodução)
(foto: Cia. das Letras/Reprodução)
De Zeuler R. Lima
Companhia das Letras
456 páginas
R$ 89,90 (livro) e R$ 39,90 (e-book)

“LINA: UMA BIOGRAFIA”

(foto: Todavia/Divulgação)
(foto: Todavia/Divulgação)
De Francesco Perrotta-Bosch
Todavia
576 páginas
R$ 89,90 (livro) e R$ 34,90 (e-book)

Bienal destaca visão coletiva

Anunciado em março, o Leão de Ouro póstumo dedicado a Lina Bo Bardi será celebrado em 30 de agosto, quando também serão entregues os Leões de Ouro relativos às exposições da Bienal de Veneza. Para o curador do evento, o arquiteto libanês Hashim Sarkis, sua carreira foi de uma “construtora de visões coletivas e exemplifica a perseverança da arquitetura em tempos difíceis.” Na curta abertura oficial do evento, sábado (22/5), dia em que a Bienal recebeu o público, o único prêmio recebido foi o Leão de Ouro de conjunto da obra para o arquiteto espanhol Rafael Moneo, que citou Lina em seu discurso de agradecimento. A Bienal vai até 21 de novembro.


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