Jornal Estado de Minas

PROJETO

Mulheres que cumprem pena na Gameleira se tornam contadoras de história


É pelo poder da palavra que o projeto Caminhos e Contos - A Ressocialização pela Palavra dá voz a mulheres em recuperação na Associação de Proteção e Assistência ao Condenados (Apac feminina), na Gameleira, em Belo Horizonte.



Nesta quarta-feira (26/5), 33 mulheres são agraciadas com o diploma de contadoras de histórias, depois de um curso de seis meses com uma mestre nesse ofício, a servidora aposentada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Rosana de Mont'Alverne Neto. A cerimônia é transmitida pelo YouTube no canal da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef).

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O objetivo da iniciativa, como descreve Rosana, é oferecer novos repertórios para elas, fazer do mergulho no universo da contação de histórias uma maneira de reconhecer seus caminhos de erros e acertos, que essas mulheres encontrem sua própria voz, se reencontrem consigo mesmas, com sua autoestima, com seu poder feminino - enfim, que possam virar essa página.

"Que sua voz ecoe para além dos muros da prisão, fazendo com que a sociedade enxergue essas mulheres. Que as pessoas entendam que chegar ao extremo de cometer um crime é, na verdade, um grito, um pedido de socorro", diz Rosana.



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No dia a dia do trabalho, Rosana encontrou diferentes histórias de vida, mas, no percurso pelo crime, existem muitas situações parecidas. Ela observa em muitos casos, por exemplo, mulheres que foram levadas a partipar do tráfico de drogas, muitas vezes como mulas, pelos próprios maridos. E quem disse que, depois de presas, esses homens se prontificam a apoiá-las? "A maioria só recebe visita de filhas, mães ou amigas, e mesmo assim muito pouco", relata.

Rosana fala também sofre a importância de desconstruir tabus. Sabe aquela história de que bandido bom é bandido morto? "Não há família que não tenha em casa alguém com problema com drogas, ou um alcoólatra. É uma hipocrisia", critica.

Contar histórias, em sua opinião, é um jeito de ensinar e chegar ao coração, como fizeram grandes mestres como Buda e Jesus Cristo, fazer com que as pessoas percebam a mensagem. "Que as pessoas entendam que ali não tem um monstro, mas um ser humano. É um projeto de inclusão, de escuta. Contar histórias é criar laços, encontrar identidade, encontrar raízes", acrescenta Rosana.



Uma intenção com o projeto é fazer com que as mulheres deixem a Apac com um novo ofício debaixo do braço. "Que ergam a cabeça, que sua voz seja luz aqui fora. Não sem antes pagar sua dívida com a sociedade. Mas que saiam da prisão para não mais voltar. É uma experiência traumática", diz Rosana.

INSPIRAÇÃO

A história de superação da pintora mexicana Frida Kahlo é inspiração para as mulheres da Apac, no grupo em que se autointitularam O bonde da Frida. Depois de sofrer um grave acidente com um bonde e ficar presa a uma cama, é que Frida começou a pintar, alheia a qualquer limitação.

Dizia que não precisava de pernas, pois tinha asas para voar, como declara em sua frase mais célebre. E, no linguajar dos presídios, "bonde" lembra o momento que chega o transporte para levar o detento para outra unidade. "Elas escolheram a Frida para falar desse lugar de liberdade que encontram, mesmo estando presas", explica Rosana.




O PROJETO


O projeto com as mulheres da Apac em BH tem sua origem em 2004, quando Rosana começou um trabalho parecido na Apac de Itaúna, criando com os homens o grupo batizado Encantadores de Histórias.

Eles passaram por diversas cidades do Brasil, indo a universidades, escolas, teatros e outros lugares para contar histórias, muitas vezes no sentido da sensibilização sobre situações que vivenciam. Em um segundo momento, Rosana também coordenou outro projeto do tipo, no presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, em 2018.

O trabalho atual com a Apac feminina em BH é o primeiro realizado com mulheres. Desde novembro de 2020, elas participaram de oficinas semanais, dividas entre duas turmas de 20 participantes. Boa parte das aulas aconteceu em modo virtual, mas também houveram encontros presenciais.

Elas contam histórias que criam, ou baseadas em relatos de colegas, histórias da tradição oral e também de literatura assinada. Como desdobramento do projeto, estão em produção um documentário e dois livros - um sobre o projeto em si, e outro com as histórias contadas pelo grupo. "O resultado é emocionante", conclui Rosana, comemorando a indicação do trabalho para concorrer ao próximo Prêmio Innovare.



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