Depois de concluída, a pintura é vista pelo público como uma obra estática. Dispostos a destacar os vários movimentos artísticos presentes em sua criação, os integrantes da Cia Ananda de Dança Contemporânea apresentam nesta semana o espetáculo “Movimento derivado”, que reúne pintura e coreografia numa mesma linguagem.
O ponto de partida são duas pinturas feitas por Graziela Andrade, que se dedica à dança e à literatura e apenas mais recentemente abraçou as artes visuais. As obras “Roturas” e “Epitélio” foram compartilhadas com bailarinas e bailarinos da companhia mineira, que criaram coreografias a partir de suas reações particulares às pinturas. As telas serão projetadas durante as apresentações feitas ao vivo, com transmissão pelo YouTube.
Nesta sexta-feira (28/5), às 19h, Duna Dias, Heloisa Rodrigues, Juliana Cancio e Jo Caravelli apresentam suas coreografias para “Epitélio”. No sábado (29/5), no mesmo horário, Samuel Carvalho, Anna Paula Santos, Luana Magalhães e Eduardo Henrique vão interagir com a obra “Roturas”. Cada bailarino estará em sua própria casa. A edição ao vivo os coloca em cena em solos, duos ou todos juntos.
A direção do trabalho é compartilhada por Anamaria Fernandes, fundadora da Cia Ananda, e Graziela Andrade, que destaca a espontaneidade do processo criativo. “Foi uma imersão meio catártica. Não sou pintora, não tenho essa formação, não tinha pintado antes, mas tudo aconteceu enquanto fui morar numa casa fora de BH, nos primeiros meses da pandemia”, conta Graziela.
“Movimento derivado” começou a nascer durante a pandemia, quando apresentou as pinturas a Anamaria, com quem ela já trabalhava na UFMG, onde é professora do curso de licenciatura em dança da Escola de Belas-Artes.
“Pensamos nisso juntas. Como esse trabalho (as pinturas) reverbera no corpo? Como pode se tornar dança? Como existe textura, gestualidade? Olhamos para as obras a partir desses elementos que usamos para estudo do movimento na dança e visualizamos isso”, explica Graziela Andrade.
SENSAÇÕES
Em seguida, a proposta foi levada ao corpo de bailarinos. Eles aprovaram a ideia e partiram para a criação coreográfica individual, que teve essa mediação coletiva. “Da minha parte, o trabalho é apreciar essa pintura e estar em contato com ela. Perceber dela sensações. Sensações que eu tinha e tenho e que vão mudando a cada encontro. Vou percebendo como isso reverbera no meu corpo, o que me traz de vibração e quais imagens surgem nesse encontro”, afirma Luana Magalhães, bailarina e uma das produtoras do projeto.
Ela enfatiza o peso da descrição do processo criativo, feita por Graziela, na construção dos movimentos que serão apresentados. “Ela falou do fazer dessas imagens, então isso se fez presente na nossa investigação. Investigamos várias telas e vamos compartilhar essas duas, mas as palavras sobre como foi pincelar e como a tinta se comportava enquanto ela trabalhava, isso também influenciou”, conta a bailarina.
As imagens pintadas por Graziela de fato carregam forte simbologia conceitual. “Roturas” tem inspiração em um trauma sofrido pela artista, que teve uma rotura uterina. “Isso bifurcou minha vida. Tive que entender que corpo era esse, rever a relação do meu próprio corpo. Foi muito duro, muito difícil, nunca consegui elaborar isso a partir da dança, que sempre foi meu lugar. Eu me joguei nesse lugar de abrir uma tela no chão na casa, apenas para viver meu processo de cura. Por isso é uma obra machucada, vermelha, sempre ferindo o papel, a tela, fruto de um momento mais visceral mesmo”, diz a artista.
CAMADAS
Graziela afirma que suas telas são “dançadas”. “Epitélio” foi concebida posteriormente, em um momento mais apaziguado em relação à outra. Começou a ser pintada por Graziela junto com suas filhas. Elas dançaram juntas sobre a tela, e a artista adicionou novas camadas à obra em seguida.
Todo esse processo de construir um espetáculo de dança a partir das pinturas foi feito a distância, em virtude da pandemia. São incorporados à cena os trabalhos de vídeo de Luísa Machala e Gilberto Goulart, e as trilhas sonoras criadas por Inácio Silveira e Fellipe Miranda. A última etapa do trabalho será a apresentação ao vivo, nos próximos dias.
Para Luana, a experiência será inédita. “É bastante diferente de tudo o que já experimentamos. Fizemos alguns ensaios, imaginando como pode ser, contando com um profissional do streaming que nos ajuda a articular imagens ao vivo. Essa troca virtual é algo muito novo. Estamos acostumados com a presença, e a improvisação é nosso meio justamente por valorizar o momento do encontro presente”, afirma a bailarina.
“Movimento Derivado”
Com a Cia Ananda de Dança. Nesta sexta (28/5) e sábado (29/5), às 19h, no canal do grupo no YouTube. Gratuito. Mais informações: www.ciaananda.com.br